Em audiência pública realizada nesta terça-feira (17), Movimento Mães de Maio questinou posicionamento do Ministério Público Federal pela federalização dos casos. ‘Nós apontamos tudo o que precisava , lamenta Débora Silva
Na tarde desta terça-feira (17/8) foi realizada de forma remota uma audiência pública no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em conjunto com a Justiça Global e o Movimento Mães de Maio, sobre os “15 anos dos Crimes de Maio: Impunidade e os desafios para o enfrentamento ao racismo”. O massacre de 2006, promovido por policiais e grupos de extermínio nas periferias de São Paulo, continua sem respostas aos familiares das mais de 500 vítimas, em sua maioria pessoas negras. Em apenas duas semanas, os Crimes de Maio deixaram mais vítimas do que os 21 anos da ditadura militar.
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Segundo o conselho, o objetivo da audiência foi debater a falta de responsabilização do Estado pelas mortes e pelos desaparecimentos com organizações da sociedade civil e do poder público. A reunião contou com a presença da Conectas, da Defensoria Pública; as representantes das Mães de Maio Débora Silva, Rute Fiuza e Francilene Gomes Fernandes; a advogada que acompanha o caso, Dina Alves; a professora da Unifesp Raiane Assumpção; o presidente da CNDH Yuri Costa; e a subprocuradora Geral da República Raquel Dodge.
No início da audiência, foi exibido um vídeo com depoimentos das Mães de Maio relatando o luto pelos familiares perdidos, a longa jornada por justiça a eles, além da falta de indenização e responsibilização do Estado. Débora Silva lembrou que, ao longo destes 15 anos, tanto o movimento quanto as vítimas já foram criminalizadas pelo Ministério Público.
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“Nós apontamos tudo o que precisava para ser federalizado. Apontamos o estudo da Universidade de Harvard, São Paulo sob Achaque, que fez com que apreciássemos uma direção para poder trazer aos banco dos réus e a responsabilidade do Estado. Mas não foi isso que nós vimos”, lamentou, sobre a decisão do MPF de arquivar o inquérito das mortes que ocorreram na Baixada Santista.
O pedido havia sido feito em 2010 pelas Mães de Maio e a Defensoria Pública. Para Débora, o arquivamento do pedido de federalização representa o apagamento do caso. “Queremos uma mudança, um justiça sem olhar para um lado só. A ausência do Ministério Público nas nossas atuações é perguntar para esse país ‘quem é que tem medo da verdade?’, questiona. Durante a reunião também foi apresentado as conclusões do estudo Violência de Estado no Brasil, da Unifesp, que lista violações ocorridas na época.
Convidada pelo CNDH, a subprocuradora Raquel Dodge foi a coordenadora do estudo publicado em 2011 pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard, nos EUA, em parceria com a Justiça Global. Ela explicou como foi feito o projeto de pesquisa que buscou responder o perfil das vítimas, o local, o contexto e quais eram as motivações dos crimes. “Considero que essa pesquisa teve alguns achados muito importantes que desvendam não só a disposição das instituições em investigar os fatos mas também os obstáculos que elas enfrentavam na ocasião”, aponta.
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Raquel Dodge também comentou sobre o seu apoio ao pedido de federalização: “é importante para redução da impunidade e para contenção da letalidade policial extremamente elevada no estado de São Paulo, em todo o país, e muito inaceitável nesse conjunto de fatos conhecidos como Crimes de Maio”.
O presidente do CNDH Yuri Costa reafirmou o compromisso do órgão em cobrar respostas do Judiciário e defender reparação às vítimas de violência policial, além de comentar o papel que MP deve ter em controlar as ações das instituições de segurança pública prevenindo que eventos como os de 2006 aconteçam. “Nós só chegamos a 15 anos, com acúmulo de informações e de uma insatisfação que é, infelizmente, atual, pois não houve reparação, pela mobilização e organização da sociedade civil através de inúmeras instituições que fizeram o papel do Estado”, constata.
No momento do debate, Débora Silva indagou a fala da subprocuradora aos presentes, questionando o porquê de ela não ter levado as recomendações da pesquisa que ela fez às autoridades e por não ter feito algo em relação a morosidade das investigações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). “Não estamos falando de quatro casos, estamos falando de quase 600 e não só os da Baixada Santista”, ressalta. “A PGR que pede o arquivamento da federalização desses crimes e todas as instituições que defendem os direitos humanos também tem que dar a mão à Defensoria que recorre de uma ação civil-pública”, cobrou a representante das Mães de Maio, reforçando que muitos familiares ainda buscam pela justiça mesmo com todos os obstáculos.