Na segunda-feira (24/6), foi decretada a prisão de nove lideranças de movimentos de luta por moradia e somente dois dias depois a defesa conseguiu acesso ao processo
Na manhã da segunda-feira (24/6), policiais civis do DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais) executaram prisões temporárias de nove lideranças de movimentos de luta por moradia e fizeram busca e apreensão em ocupações no centro de São Paulo. Quatro das nove prisões temporárias decretaras foram cumpridas. Somente dois dias depois da prisão os advogados de defesa obtiveram os autos do inquérito. Os líderes são acusados de extorsão.
Sidney Ferreira da Silva, Jacine Ferreira da Silva (conhecida como Preta Ferreira), Edinalva Silva Ferreira e Angélica dos Santos Lima são os únicos presos. Ananias Pereira dos Santos, Carmen da Silva Ferreira, Andreya Tamara Santos de Oliveira, Hamilton Coelho Resende e Josiane Cristina Barranco ainda não se apresentaram e conversam com os advogados para decidirem se vão ou não se apresentar à polícia.
Os acusados só são considerados foragidos depois de cinco dias do decreto prisional. As prisões estão ligadas ao processo decorrente do incêndio e queda do edifício Wilton Paes de Almeida, no dia 1º de maio de 2018, causando a morte de sete pessoas. Os advogados acusam a Justiça e a polícia de tentarem criminalizar os movimentos ao prenderem os líderes das ocupações.
Ariel de Castro, advogado responsável pela defesa de Carmen, Sidney e Preta, integrantes do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), disse em entrevista à Ponte que a defesa só conseguiu acesso aos autos do inquérito nesta quarta-feira (26/6), por volta das 13 horas, o que retardou a organização dos defensores. Ele ainda não sabe detalhar em quais suspeitas os presos são enquadrados pelo Deic ou se há a individualização de práticas e provas que sustentem as alegações da polícia.
“Infelizmente é uma prática corriqueira em casos onde ocorram operações da polícia, com prisões cautelares e que tenham busca e apreensão. A Justiça decreta o chamado sigilo externo dos autos. E só é garantido acesso, até para os advogados das partes, após o delegado informar que já cumpriu todas as diligencias”, explica. O delegado titular da 3ª delegacia da DIC (Crimes financeiros e econômicos), André Figueiredo, responsável pela investigação, só se manifestou no fim da tarde da terça-feira (25/6).
De início, Figueiredo havia solicitado ao juiz plantonista, Marco Antonio Martin Vargas, 17 ações de buscas e apreensões. Vargas, por sua vez, só concedeu nove delas, todas colocadas em prática na segunda-feira. Segundo o delegado, a motivação inicial da investigação é uma carta anônima recebida pelo Deic que denunciava a prática de extorsão, agressão e ameaças por parte das lideranças das ocupações centrais da cidade contra os moradores.
Castro disse que “estranhou” o decreto das prisões em um plantão. “Esse inquérito vinha desde junho de 2018. Colaboramos com tudo o que era necessário, daí vem uma matéria, de uma grande emissora, falando da possibilidade de ser decretada as prisões dois meses antes do decreto. A própria juíza achou estranho que um juiz de plantão decidiu por um inquérito que ela já estava acompanhando. Não era necessário que a polícia pedisse prisões no dia do plantão. Então é algo que nos estranhou e estranhou o poder judiciário”, explica. “Estão ainda tentando criminalizar os movimentos sociais”, completa.
A grande emissora citada por Ariel de Castro diz respeito a Globo que, no dia 1º de maio deste ano, apresentou um especial do incêndio e queda do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandu, no centro de São Paulo. O material transmitido no programa Fantástico relembrou o inquérito de investigação dos líderes da ocupação, no qual são suspeitos por extorsão praticada aos moradores das ocupações. As nove prisões preventivas decretas na segunda-feira (24/6) estão ligadas a esse inquérito.
O também advogado de defesa Benedito Barbosa disse à Ponte, na terça-feira (25/06), que a ação “criminaliza os movimentos de moradia”. “Eles fazem uma vaquinha dentro do prédio e algumas pessoas teriam denunciado que havia esse pagamento, mas todo esse dinheiro pago é para melhoria dos prédios, como reformas, adequação no sistema elétrico. Isso é mais do que claro, é só visitar a Ocupação 9 de Julho, a Ocupação São João, qualquer ocupação aqui da região central para ver a quantidade de melhorias feitas nos prédios que estavam todos degradados. Como não há ajuda da Prefeitura ou do governo estadual, são as próprias famílias que fazem essas melhorias”, defende.
Em repúdio contra as prisões temporárias pelo período de cinco dias, os movimentos por moradia MSTC e FLM (Frente de Luta por Moradia), organizaram um ato nesta quarta (26/6) para pressionar a soltura de Sidney Ferreira da Silva, Preta Ferreira, Edinalva Silva Ferreira e Angélica dos Santos Lima.
Concentrados no Pátio do Colégio, próximo à praça da Sé, no centro da capital paulista, os manifestantes caminharam até o Palácio de Justiça, passando pela Secretária de Segurança Pública. No carro de som, o pedido era pela soltura imediata dos “presos políticos” e contra a “criminalização dos movimentos socais”. Políticos como Eduardo Suplicy (PT), Beth Sahão (PT), Érica Malunguinho(PSOL), Juliana Cardoso (PT) e Jilmar Tatto (PT) participaram da mobilização.
Hugo Fanton, integrante da CMP (Central de Movimento Populares), defendeu que o decreto das prisões é uma forma de criminalizar a luta por moradia e que “não vai parar por aí”. Segundo ele, os movimentos precisam ir além da libertação dos presos. “Todos eles [os líderes] tem diálogo com o poder público para ver a infraestrutura. As lideranças dos conhecidas e não tem provas [contra elas]”, argumenta.
Claudete mora há dois anos na ocupação 9 de Julho e considera as prisões “arbitrárias”, já que todas as contribuições dentro do prédio são revertidas para benefício dos moradores. “MSTC é um movimento que funciona. E nada mais é do que uma indignação do governo estar jogando todos os pobres para a periferia, para viver sem qualidade de vida. Porque o comércio está aqui no centro, por que a gente tem que morar longe do nosso trabalho?”, indaga, em entrevista para a Ponte.
Cleiton Ferreira tem mais tempo no movimento, pois mora há seis anos em uma ocupação na Avenida Ipiranga, também no centro de São Paulo. Ele contou para a Ponte que o prédio estaria inabitável sem a cobrança do valor de 150 reais para cada morador. “Depois da ocupação, o prédio melhorou até a faixada e os roubos pararam”, exemplifica.
Representando a Marcha Mundial das Mulheres, Elena Nogueira participou do ato e disse que a criminalização é uma forma de intimidar os movimentos sociais, mas que eles não vão “sair das ruas”. “[As prisões são para] Criminalizar os negros e as mulheres que estão abaixo da pirâmide”, define.
Raimundo da Silva está em situação de rua há quase cinco anos e defende a luta por moradia “pelos pobres que não tem”. Raimundo passou a ocupar as calçadas de São Paulo depois da morte de sua esposa, já que sozinho não conseguiu dar continuidade ao aluguel. Sentado em um papelão, com os dedos dos pés amputados, ele observa a marcha passar, na calçada da Rua Bela Vista. Há poucos metros, um homem dorme em sono profundo no asfalto, enquanto os manifestantes caminham sentido Largo São Francisco.
O ato chegou ao fim às 16h40 depois de três horas e meia do seu início. Tião, um dos advogados de defesa, protocolou um documento no Palácio da Justiça, depois que a conversa com uma comissão dos manifestantes foi negada pelos magistrados do TJ (Tribunal de Justiça), sediado no espaço. No carro de som, os organizadores disseram que as entidades serão chamadas para uma reunião.
Enquanto os alto falantes gritavam “quem não luta está morto”, pessoas em situação de rua aproveitavam o fim da tarde para lavar suas roupas. Com as cabeças viradas para a esquerda observavam o ato, de longe.
[…] Originalmente publicado em Ponte Jornalismo […]