‘Querem nos dar uma dívida’: favela do Moinho protesta contra remoção sob pressão da PM

    Manifestantes criticam proposta do governo Tarcísio, que inclui financiamento de apartamentos de 30 metros quadrados ou R$ 800 de auxílio-moradia para famílias que tiverem que esperar habitação. PM jogou bombas e usou munição menos letal

    PMs dispararam bombas e munição menos letal: protesto seguiu até a frente da Câmara Municipal, onde gritou palavras de ordem contra Tarcísio. Governo Lula também foi cobrado | Foto: Daniel Arroyo/Ponte jornalismo

    Moradores da favela do Moinho, no bairro dos Campos Elíseos, região central de São Paulo, realizaram um protesto na tarde desta terça-feira (15/4) contra a política de remoção da comunidade conduzida pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). Eles afirmam que a proposta da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) para saída deles do local não contempla suas necessidades de moradia digna.

    O ato teve início com falas de moradores, líderes políticos e representantes de movimentos sociais na entrada da favela. Por volta das 17h20, os manifestantes saíram em marcha pela Avenida Rio Branco, bloqueando totalmente um lado da via. O protesto seguiu até chegar à Avenida Ipiranga, onde tomou rumo à Avenida São Luís.

    Leia mais: Favela do Moinho e Campos Elíseos protestam contra projeto de Tarcísio que expulsa moradores do centro

    Já ao chegar ao viaduto Nove de Julho, houve um princípio de confronto. Um motoqueiro tentou passar pelo meio do protesto e foi repreendido pelo manifestantes. Em meio à confusão, a PM jogou bombas de efeito moral e atirou com armas de munição menos letal.

    O protesto seguiu então até a frente da Câmara Municipal, onde passou a gritar palavras de ordem contra Tarcísio e pelo Moinho. O governo Lula (PT) também foi cobrado ao longo do ato, já que o terreno onde está a favela do Moinho pertence à União.

    Motoqueiro avança entre os manifestantes na altura do viaduto Nove de Julho e é repreendido por manifestantes. Na confusão, PM jogou bombas de efeito moral e usou munição não letal | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Moradores relatam pressão da PM

    Os manifestantes mantiveram-se em frente à Câmara por cerca de meia hora, sem poderem acessar o interior do prédio. Eles queriam participar de uma reunião da Comissão de Direitos Humanos. A segurança, porém, alegou que não havia espaço para todo o mundo.

    A PM manteve um cerco em volta do prédio, com ao menos 15 viaturas e um cordão de policiais da Força Tática. Os agentes não voltaram a interagir com o ato. Já perto das 19h, os participantes desistiram de acessar a Câmara e partiram em retorno à favela do Moinho. A comunidade pretende fazer um novo ato na próxima terça (22), quando o governo paulista prevê iniciar as demolições das casas de quem já aderiu à proposta da CDHU.

    Moradores presentes no ato relataram à Ponte que a comunidade tem sido alvo de truculência crescente da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) para que a remoção seja aceita. Ao menos desde a última sexta (11/4), a PM tem atuado com efetivo reforçado na região, com viaturas posicionadas em ruas que cercam a favela do Moinho. No final da semana anterior, a corporação chegou a manter um helicóptero sobrevoando a comunidade.

    Gestão Tarcísio afirma que, das 800 famílias que vivem na comunidade, 444 já teriam um imóvel de destino: quem não tiver receberia R$ 800 mensais como auxílio-moradia | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    ‘Me ligam dez vezes por dia, mas não vou assinar’

    Já na manhã desta terça, horas antes do protesto, houve no local uma operação da Rota, a unidade policial que mais mata no estado. Lucimeire Silva, há 27 de seus 50 anos na favela do Moinho, contou à reportagem que o filho chegou a ser pego pelo pescoço dentro da própria casa por um dos agentes. “Com vocês querendo ou não, a gente vai tirar vocês daqui”, teria dito um policial. Em nota à Ponte (leia íntegra ao final), a PM-SP afirmou que a operação da Rota teve “o objetivo de garantir a segurança da população e combater de forma inteligente a criminalidade instalada na região”.

    Cerca de 800 famílias vivem na favela. O governo Tarcísio diz que 531 delas já foram habilitadas a assinar um contrato dentro das opções de atendimento habitacional que a CDHU opera, de financiamento proporcional à renda. Deste grupo, 444 já teriam um imóvel de destino. Já as famílias que tiverem de esperar por uma habitação irão receber R$ 800 mensais como auxílio-moradia — valor que destoa dos preços de aluguel praticados na região. Será pago também um auxílio-mudança de R$ 2,4 mil.

    Leia mais: Favela do Moinho protesta contra a PM: ‘chega de violar os direitos humanos’

    Entre quem já está apto a assinar, no entanto, há os que pretendem bater o pé em não levar o acordo à frente, dada a proposta insuficiente. Um morador que falou à Ponte na condição de anonimato citou seu caso: ele vive há 21 anos no Moinho, com a esposa e três filhos; a CDHU ofereceu um apartamento de 30 metros quadrados fora do centro, com financiamento de mais de R$ 200 mil, a ser pago em 30 anos.

    ”Eles me ligam umas dez vezes por dia, mas eu não vou assinar”, diz. Um outro morador, há 15 anos e com quatro filhos no Moinho, conta ter recebido proposta parecida: “Eles querem dar uma dívida de 30 anos para o povo”. Outra moradora da comunidade, Roseane Almeida, 40, diz que não teve proposta alguma de reparação, já que vive ali de aluguel. “Vou ter de ir para a rua com os meus filhos”, diz. Ela é mãe de dois meninos, um deles de 15 anos e portador de paralisia.

    Violência recorrente contra moradores

    O Moinho é a última favela do Centro da capital paulista, surgida ao final de década de 1980 em um terreno que antes abrigava o Moinho Central, uma antiga indústria de processamento de farinha — a comunidade hoje se espreme entre trilhos da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), embaixo do Viaduto Engenheiro Orlando Murgel e na divisa com o bairro do Bom Retiro.

    A remoção dos moradores se insere no contexto da alegada revitalização da região pelo governador: a comunidade está a menos de um quilômetro da Praça Princesa Isabel, para onde Tarcísio pretende levar parte da sede administrativa do governo. Por conta disso, outras remoções estão em curso.

    Já antes desse projeto, os moradores da favela eram alvos recorrentes de violência policial e de outras violações de direitos humanos em meio à alegação das forças de segurança de que a comunidade estaria submetida ao controle do PCC, que faria dela uma base do tráfico de drogas na Cracolândia, a pouco mais de um quilômetro dali.

    Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação afirma que, após a demolição, poderia ser feito um parque no local, além de uma estação de trem | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Sob esse pretexto, conforme mostrou a Ponte em diversas reportagens, a PM já protagonizou revistas até contra crianças e invasões a moradias sem mandados judiciais, praticou tortura contra jovens e cometeu agressões a pessoas que filmavam a truculência policial.

    Além da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), que afirmou ter realizado operação na favela do Moinho para combate à criminalidade, a Ponte buscou a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH), segundo a qual, após a demolição da comunidade, poderia ser feito um parque no local, entre outros equipamentos públicos. Há previsão também de ser erguida uma estação de trem.

    A Ponte questionou a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), submetida ao Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, se ela tem ciência da pressão relatada pelos moradores da favela do Moinho para deixarem o espaço. A pasta disse que “a transferência do terreno [da União ao Estado de São Paulo] está condicionada à garantia do direito à moradia das quase mil famílias que vivem no local”.

    A reportagem ainda tentou contato com a Defensoria Pública e o Ministério Público paulistas. Apenas o primeiro deles respondeu. O órgão destacou que, no último dia 7, enviou ofício à Superintendência do Patrimônio da União em que pediu um plano de reassentamento do Moinho com uma série de requisitos.

    Leia a íntegra do que diz a SEDUH

    O Governo do Estado pretende implantar um parque na área da favela do Moinho, conforme já divulgado previamente (https://www.agenciasp.sp.gov.br/governo-de-sao-paulo-pretende-transformar-favela-do-moinho-em-parque/).

    A equipe da CDHU realiza cadastro e mantém tratativas com as famílias que hoje moram na área para oferecer moradias dignas e seguras, de acordo com a política habitacional vigente, que prevê financiamento proporcional à renda familiar, comprometendo 20% dos ganhos mensais.

    Para isso, a CDHU tem se reunido com lideranças desde o ano passado para apresentar opções de atendimento habitacional. Houve um cadastro de todas as residências da favela pela CDHU e também foram feitas reuniões individuais para apresentar as opções de moradias já disponíveis. Até agora, 86% das famílias já iniciaram adesão para o atendimento habitacional e 531 já foram habilitadas, ou seja, estão prontas para assinar contrato. Destas, 444 já têm um imóvel de destino. Num primeiro momento, foi oferecido auxílio mudança de R$ 2.400,00, além de auxílio moradia de R$ 800,00.

    Foi realizado um chamamento público para empreendimentos no centro expandido da capital. Foram prospectados imóveis suficientes para atender à demanda. Quem quiser, poderá ser destinado a unidades também em outras regiões. A CDHU reforça que todas as famílias serão atendidas dentro das modalidades disponíveis no portfólio da CDHU, preferencialmente por Carta de Crédito Associativa, Carta de Crédito Individual. O reassentamento das famílias da favela do Moinho é importante pelo risco aos moradores, devido às instalações insalubres e com potencial de perigo pela precariedade de construções e ligações elétricas. Exemplo disso são dois grandes incêndios já registrados no local.

    Leia a íntegra do que diz a PM-SP

    A Polícia Militar, por meio das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), realizou nesta, dia 15 de abril de 2025, uma operação estratégica na favela do Moinho, uma comunidade local situada entre duas ferrovias na divisa dos bairros Campos Elíseos e Bom Retiro, com o objetivo de garantir a segurança da população e combater de forma inteligente a criminalidade instalada na região.

    A ação teve como princípio norteador a Ação de Presença — mais do que uma incursão pontual, trata-se de um compromisso permanente com a comunidade. A operação foi estruturada a partir de denúncias recebidas diretamente da população local, reforçando a escuta ativa e a atuação baseada em inteligência e sensibilidade territorial.

    A presença constante e o diálogo com os moradores são pilares dessa abordagem. Em áreas marcadas pela desordem e pela degradação social, a presença da ROTA busca restabelecer a ordem e oferecer um ambiente de paz, sempre com acolhimento, respeito e proporcionalidade no uso da força.

    A Polícia Militar segue à disposição da sociedade e reforça que a participação da comunidade, por meio de denúncias e informações, é fundamental para a construção de uma segurança pública cada vez mais eficiente e humanizada.

    Leia a íntegra do que diz a SPU

    A Secretaria do Patrimônio da União (SPU), por meio da Superintendência de São Paulo, esclarece que o governo do estado solicitou a cessão de uma área para a implantação do Parque do Moinho. No entanto, a transferência do terreno está condicionada à garantia do direito à moradia das quase mil famílias que vivem no local. A SPU/SP tem conduzido debates sobre o projeto com o governo estadual, a associação de moradores, a Defensoria Pública do Estado e advogados populares do Escritório Modelo da PUC-SP, que prestam apoio à comunidade.

    Ainda não há previsão para a cessão da área, pois o processo depende de ajustes e complementações, por parte da CDHU, no plano de reassentamento enviado em abril deste ano, para que contemple as necessidades dos moradores. A SPU também aguarda a entrega do detalhamento do projeto a ser implantado na área pelo Governo de SP, a fim de que seja definido o instrumento de destinação a ser utilizado. Somente após esse acordo será possível avançar nos trâmites administrativos para a formalização do contrato de cessão.

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