Racista não dá mais nome a sala da Faculdade de Direito da USP

Em decisão histórica, o nome de Amância de Carvalho foi retirado do Largo de São Francisco; reportagem da Ponte revelou histórico do médico que manteve mumificado o corpo de Jacinta Santana, mulher negra, por anos exposto na universidade

Estudantes se manifestam com a imagem de cabeça para baixo do eugenista Amâncio de Carvalho | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

Um racista não dá mais nome a uma sala dentro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Depois de dois anos de luta dos movimentos negros e estudantis, a homenagem ao eugenista Amâncio de Carvalho foi retirada da instituição de ensino após votação da congregação da entidade realizada nesta quinta-feira (30/3).

A mobilização dos ativistas se deu após reportagem publicada pela Ponte, baseada na pesquisa da historiadora Suzane Jardim, que revelou que Amâncio manteve mumificado o corpo de Jacinta Maria Santana, uma mulher negra que foi embalsamada e exposta na faculdade durante cerca de 30 anos. Neste período, o corpo dela foi vilipendiado e foi objeto de trotes feitos por alunos. 

Além de professor da Faculdade de Direito, Amâncio Carvalho também foi presidente emérito da Sociedade Brasileira de Eugenia, corrente que consiste em uma série de crenças e práticas cujo objetivo é criar seres humanos “ideais” através do controle genético da população, que foi difundida no Brasil após a abolição escravatura com objetivo de embranquecer o país.

Abaixo, Amâncio de Oliveira, acima, o ministro dos Direitos Humanos Silvio de Almeida | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

“A gente está falando de um dos tantos eugenistas que existiram nesta faculdade e são homenageados. Era urgente que a gente tirasse, todo movimento negro estava pedindo”, declarou a presidente da Coletiva Angela Davis, Valentina Garcia.

Ao saberem do resultado favorável da votação, os alunos se dirigiram até a sala que levava o nome do eugenista para retirar o quadro que expunha a sua foto e desfilar com ele de cabeça para baixo pelos corredores da unidade de ensino.

Militante histórica do Movimento Negro Unificado (MNU), Regina Lúcia dos Santos, 67 anos, esteve presente no ato que pressionou os integrantes da congregação a acatar o pedido dos estudantes. Emocionada, ela elogiou toda a luta dos estudantes e dos movimentos sociais que se engajaram para que um eugenista deixasse de ser homenageados pela principal faculdade de direito do país.

“A gente trabalhar contra a perpetuação da memória dos racistas já é um motivo de muita festa, mas com a juventude preta da faculdade de direito do Largo de São Francisco é muito melhor”, comemorou.

Regina Lúcia dos Santos (sentada) | Foto: Daniel Arrpoyo / Ponte Jornalismo

Suzane Jardim confessa que estava cética em relação ao processo que examinava o pedido de retirada do nome de Amâncio de Carvalho da sala de aula em sua homenagem, por conta do conservadorismo histórico e pelo local ter formado boa parte da elite paulistana e brasileira durante séculos.

“Recebi essa notícia com bastante surpresa. A gente sabe como os membros dessa faculdade são unidos e elitistas. Ela é muito apegada ao seu passado. O fato dele ter uma sala e ter dado aula para grandes nomes do direito brasileiro, eu achei que isso ia pesar mais do que a demanda legítima dos estudantes”, disse a pesquisadora.

Suzane conta que está empenhada e disposta a lutar para que Amâncio de Carvalho também deixe de dar nome a uma rua na zona sul da capital paulista. Vereadores de oposição estão se mobilizando para propor um projeto de lei para que a ideia da pesquisadora e dos movimentos sociais saia do papel.

“Quero me engajar de algum modo com iniciativas que queiram mudar o nome da rua. Eu acho que é incoerente ter ele sendo homenageado em uma via pública. A rua é de todos e precisa ser dialogada com todos. Não pode ser o nome de alguém tão racista e eugenista”, afirma.

Ainda será decidido pela direção da Faculdade de Direito qual nome será dado ao espaço que homenageava o ex-professor. O movimento estudantil e entidades da militância negra defendem que seja dado o nome de Esperança Garcia, mulher escravizada que é considerada a primeira advogada negra do país quando enviou uma carta ao governo da época relatando os maus tratos sofridas pelo grupo da qual fazia parte.

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Segundo historiadores e pesquisadores do direito, o documento pode ser considerado uma petição, pois apresenta elementos jurídicos importantes, como endereçamento, identificação, narrativa dos fatos, fundamento e um pedido.

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