Modelo negra, que teve fotos suas tiradas ilegalmente pela polícia e vazadas nas redes, foi reconhecida por vítimas brancas de dois roubos; absolvida por um dos crimes, segue presa por outro
“May, May, May, a Bárbara foi absolvida!”. Os gritos vieram do telefone de Mayara Vieira, 23 anos, na noite desta segunda-feira (12/11). Mayara é responsável pela página Todos por Babiy, criada para lutar pela liberdade da modelo e dançarina Bárbara Querino de Oliveira, 20 anos, a Babiy, presa desde 15 de janeiro, por causa de duas acusações de roubo, ambas baseadas no reconhecimento de vítimas brancas que disseram à polícia ter identificado a jovem por causa do cabelo ou da pele negra.
Do outro da linha, quem deu a notícia, com grande alegria, foi a mãe de Babiy, a auxiliar de limpeza Fernanda Regina Quirino, 38 anos.
Bárbara continua presa, mas nesta segunda deu um passo importante na tentativa de provar sua inocência: a dançarina foi absolvida em um dos processos. O julgamento envolvia o roubo a um automóvel Honda CR-V, onde estavam dois irmãos, no Jardim Marajoara, na zona sul de São Paulo, em 26 de setembro de 2017. O crime foi praticado por dois homens e uma mulher. Além de Bárbara, outros dois réus foram acusados pelo crime.
Na decisão, a juíza Juíza Lilian Lage Humes, da 21ª Vara Criminal de São Paulo, absolveu Bárbara e um outro réu por falta de provas.
“Fiquei muito feliz com a notícia. Vamos aguardar os próximos passos do advogado. Sábado (17/11) eu vou falar, ela vai explodir de felicidades”, conta Fernanda, em entrevista à Ponte. Desde o último domingo de outubro (28/10), mãe e filha não se veem. Foi a última ida da auxiliar até o CDP (Centro de Detenção Provisória) Feminino de Franco da Rocha, na Grande SP, onde Bárbara está presa. A nova visita será surpreendente. “Ela não imagina uma notícia dessas nesse momento. Agora só falta a liberdade definitiva”, continua a mãe.
Uma das vítimas do roubo disse que havia reconhecido Bárbara com “100% de certeza” a partir de uma única fotografia, exibida por policiais civis do 99º DP (Campo Grande). A identificação com base em uma única foto, chamada de show-up, costuma ser causa de um grande número de reconhecimentos falsos — que são ainda maiores nos casos em que vítimas brancas reconhecem suspeitos negros.
Durante o julgamento, a vítima hesitou. Ao ver Bárbara pessoalmente, apontou com “80% de certeza” que ela era uma das assaltantes, com base na altura, no cabelo e na cor da pele de Bárbara. A juíza considerou que a falta de certeza da vítima não permitiria a condenação da modelo. “Embora a vítima tenha dito na delegacia que não tinha dúvidas em reconhecê-la, em juízo hesitou, dizendo poder dar 80 por cento de certeza no reconhecimento. Além disso, não houve prisão em flagrante da ré por estes fatos. Assim, não é possível afirmar com certeza se a ré participou ou não do roubo ora analisado, devendo ser aplicado, também em relação a ela, o princípio in dubio pro reo [na dúvida, em favor do réu]”, escreveu a magistrada na sentença. A juíza também absolveu outro réu e condenou um terceiro.
“Foi um alivio, estávamos com medo dela pegar mais tempo se condenada. É uma vitoria ser absolvida nesse segundo processo. Agora é focar no primeiro e reverter a condenação errônea. Estamos felizes, estou radiante na rua, a mãe dela me contou com enorme alegria… é menos um problema”, disse Mayara à Ponte.
Pedido de habeas corpus
Acusada de dois crimes, a modelo foi absolvida justamente no processo em que não tinha um álibi que comprovasse sua inocência. No outro processo, em que foi condenada em 10 de agosto de 2018 a cinco anos e quatro meses de prisão, aguarda julgamento de recurso.
Bárbara entrou na mira da polícia em 4 de novembro do ano passado, quando um de seus irmãos foi preso por roubo de carro – ele admite o crime. Embora Bárbara não tivesse relação com o crime do irmão, foi levada à delegacia e fotografada ilegalmente pela polícia. As imagens da modelo foram parar em páginas de Whatsapp e grupos do Facebook apresentando-a falsamente como membro de uma quadrilha de roubo de automóveis. Vítimas de dois roubos, todas brancas, afirmaram tê-la reconhecido, embora nenhum dos reconhecimentos tenha seguido os procedimentos previstos no Código de Processo Penal, como o de colocar o suspeito ao lado de pessoas semelhantes.
No caso que levou à sua condenação, Bárbara foi acusada de participar do roubo a um casal em um Honda Civic, ocorrido em 10 de setembro de 2017, no Jardim Marajoara. O casal vítima do roubo fazia parte de um grupo de Whatsapp que reunia os moradores do prédio onde moram, do qual também fazia parte um delegado de polícia, conforme a mulher do casal declarou à Justiça. Segundo ela, o delegado mostrou no grupo de Whatsapp as fotos que os policiais haviam tirado de um grupo de jovens pobres, que incluía Babiy. Depois de reconhecer a modelo pelo Whatsapp, o casal foi até o 99º DP, onde identificou Babiy por uma única foto. No tribunal, uma das vítimas disse que reconhecia Bárbara “pelo cabelo”.
Ao condenar Bárbara pelo crime, o juiz Klaus Marouelli Arroyo desconsiderou o depoimento de duas testemunhas, além de fotos em redes sociais, mostrando que, na data do crime, a modelo havia participado de uma viagem com colegas de trabalho para uma praia do Guarujá, no litoral paulista, a 90 quilômetros do local do assalto.
A defesa de Bárbara entrará com pedido de habeas corpus no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça) para pedir sua liberdade. Outro pedido será para que a jovem possa receber autorização para passar o Natal com a família. “É tudo o que queremos”, diz Fernanda, mãe ansiosa em poder voltar a conviver diariamente com a filha.
Inconformados com a prisão de Bárbara Querino, familiares e amigos vêm realizando ações, nas ruas e nas redes, contra a prisão de Bárbara, que consideram uma ação racista, e pedindo a libertação da modelo. A história de Babiy é mencionada no funk Marielle Franco, de MC Carol, sobre os crimes praticados contra as mulheres negras no Brasil. Em setembro, o ator Lázaro Ramos enviou um exemplar de seu livro Na minha pele para o CDP onde Bárbara está presa.