Réu confesso por executar pedreiro e simular tiroteio, ex-sargento da PM é absolvido

    Marcos Akira Rodrigues Teixeira, que deixou  a PM após executar pedreiro e montar farsa sobre ‘resistência à prisão’ para tentar encobrir o crime, foi condenado a seis meses de detenção por ‘fraude processual’ e está em liberdade

    Caramante
    Durante a reprodução simulada da execução do pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, 32, o então sargento da PM de SP Marcos Akira Rodrigues Teixeira (dest.) mostrou como o matou, sem que ele tivesse reagido – Imagem: Reprodução

    Réu confesso pela execução do pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, 32 anos, em 1º de janeiro de 2015, Marcos Akira Rodrigues Teixeira, então sargento da Polícia Militar de São Paulo, foi absolvido pelo homicídio doloso (intencional) e recebeu uma pena, em regime aberto, de seis meses pelo crime de fraude processual (montar farsa para simular um tiroteio que justificasse a morte).

    Julgado pelo 4º Tribunal do Júri da cidade de São Paulo, há uma semana (18/5), Akira foi exonerado da PM, por vontade própria, em novembro de 2016. A farsa montada por Akira para tentar justificar a execução do pedreiro Ribeiro foi revelada pela Ponte Jornalismo, em 25 de janeiro de 2015.

    No começo deste mês, Djalma Aparecido do Nascimento Júnior, soldado da PM de SP e acompanhante de Akira na execução do pedreiro Ribeiro, também foi absolvido pelo crime. A Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo acompanhou o júri de Nascimento Junior. O Ministério Público Estadual recorreu contra a absolvição do soldado Nascimento Júnior.

    A juíza Michelle Porto de Medeiros Cunha Carreiro, do 4º Tribunal do Júri, concedeu o direito de Akira a recorrer da condenação pela fraude processual em liberdade porque ele estava solto desde a revogação de sua prisão preventiva, não fugiu durante o transcorrer do processo, compareceu em todas as audiências judiciais e também não é mais integrante da Polícia Militar. “O fato de não pertencer aos quadros da Polícia Militar e não portar mais arma de fogo denotam ausência de periculosidade”, decidiu a magistrada.

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    No destaque, o revólver calibre 32 plantado por dois PMs ao lado do corpo do pedreiro Vagner Ribeiro, um homem negro de 32 anos, executado quando estava dominado – Imagem: Reprodução

    A farsa dos PMs

    Primeira hora de 1º de janeiro de 2015. Rua Erva de Ovelha, Vila Jacuí, periferia da zona leste de São Paulo. O pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, um homem negro de 32 anos, vestindo camiseta regata de uma torcida uniformizada do Palmeiras, está em pânico.

    Acuado, atrás de uma cama de casal em um quarto escuro, Lápis, como era conhecido desde a infância nas ruas do bairro, implora para não ser morto pelos policiais Akira e Nascimento Júnior, da Força Tática (espécie de tropa especial da cada unidade setorial da PM) do 2º Batalhão da Polícia Militar que, a pouco mais de dois metros de distância, o tem sob a mira de suas armas.

    Os PMs gritam para que o pedreiro saia de trás da cama e, com as mãos para o alto, se renda. Ribeiro reluta, grita não estar armado e implora para que os PMs não atirem. Quando decide deixar o escudo da cama, Ribeiro é jogado ao chão por dois tiros de uma submetralhadora Famae, calibre .40.

    Após breve silêncio, Ribeiro recebe mais quatro disparos. Dessa vez eles partem de uma carabina CT, calibre .30. O cheiro da pólvora se mistura ao do sangue que escorre do corpo do pedreiro enquanto o sargento da PM Akira, responsável pelos dois primeiros tiros, se aproxima do homem estirado.

    A luz do quarto é acesa quando o soldado Nascimento Junior, autor dos outros quatro tiros contra Ribeiro, os de carabina .30, se aproxima do seu superior imediato, o sargento Akira, e entrega para ele um revólver calibre 32.

    Assim que pega o revólver da mão do soldado Djalma, o sargento Akira dá três tiros com a arma. Dois acertam as paredes do quarto onde Ribeiro já está morto e o terceiro, a porta. Em seguida, a arma é colocada perto do corpo do pedreiro.

    Simultaneamente à morte de Ribeiro, a 170 metros de distância, na rua Erva de Carpinteiro, outra equipe de PMs cerca Vitor Lofte Barbosa. Moradores do lugar ouvem quando Barbosa grita “pelo amor de Deus” para não ser morto e, em seguida, sete tiros são ouvidos.

    Quatro dos sete tiros contra Barbosa são disparados pelo sargento Antonio Eduardo Prado. Os outros três são dados pelo cabo Luis Alberto Almeida Lima. Os dois PMs são da Força Tática do 29º Batalhão.

    Levado para o Hospital Santa Marcelina, Barbosa morre. O corpo de Ribeiro fica no quarto onde foi baleado, à espera da perícia. Logo após as mortes, o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, é acionado para investigá-las.

    A farsa sobre a morte de Ribeiro continua quando os PMs Akira e Djalma prestam depoimento ao delegado Manoel Fernandes Soares, do DHPP. Eles inventam uma versão fantasiosa para a morte de Ribeiro: ele estava armado, atirou vezes contra os PMs e morreu no revide.

    Os PMs afirmam que Ribeiro e Barbosa, vizinhos na Vila Jacuí, integravam uma quadrilha de ladrões que, no Reveillon de 2014 para 2015, usou explosivos para atacar os caixas eletrônicos de uma agência do Banco do Brasil, distante cerca de 500 metros das casas de ambos.

    O primeiro caso de “morte sob intervenção policial” ou “resistência seguida de morte” de 2015 começou a mudar três dias depois (04/01) quando o sargento Akira procurou um pastor evangélico para revelar que a morte de Ribeiro havia sido a execução de um homem desarmado e já rendido.

    Orientado pelo pastor, o sargento Akira, acompanhado de seu irmão, Paulo, decide ir à Corregedoria da PM. Lá, ele revela em detalhes a farsa montada juntamente com o soldado Djalma para tentar justificar a morte de Ribeiro.

    Até a confissão de Akira, a Corregedoria da PM tratava as mortes de Ribeiro e de Barbosa como “resistência à prisão seguida de morte” ou “morte sob intervenção policial” — que é quando o morto consta na apuração como “autor” e o PM, responsável pela morte, a “vítima”.

    Assim que a Akira revela a verdade sobre a morte de Ribeiro, o juiz Luiz Alberto Moro Cavalcante, do Tribunal de Justiça Militar de SP, determina a prisão temporária, por 30 dias, do sargento Akira e do soldado Djalma.

    Ao tentar justificar a execução de Ribeiro, o sargento Akira disse “ter perdido a cabeça e ficado com raiva”.

     

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