Revista íntima ainda acontece em 98% dos presídios paulistas

    Levantamento da ONG Conectas aponta que apenas quatro unidades prisionais têm scanner corporal, mesmo depois de três anos de lei que exige colocação de equipamentos

    Ilustração: Junião / Ponte Jornalismo

    Das 168 unidades prisionais em todo o estado de São Paulo, apenas quatro possuem equipamento para evitar a revista manual que, muitas vezes, se torna vexatória. A prática consiste em exigir que as visitas de presos fiquem nuas, agachem-se sobre espelhos e inclui, até mesmo, inspeções no órgão genital. A lei 15.552 de 12 de agosto de 2014 previa a instalação gradativa de scanners, detectores de metal e aparelhos de raio-x, que tornariam a revista manual desnecessária.

    De acordo com o coordenador do programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio, a lei estadual foi fruto de grande mobilização da sociedade civil, inclusive com campanhas que trazem relatos de parentes de presos que tinham passado por diversas humilhações em dias de visita. “Como nós fiscalizamos as condições dos presídios entrando nas unidades, e vale destacar o papel do Conselho da Comunidade nesse sentido, temos visto que o governador simplesmente ignora a lei que ele mesmo sancionou”, afirma.

    As unidades que contam com revista mecânica são os Centros de Detenção Provisória I,II,III e IV de Pinheiros, em São Paulo. Rafael Custódio alerta, no entanto, que o fim da revista vexatória é muito mais uma questão de política interna, de conduta dos agentes do que ter o aparelho ou não. “A revista pode ser manual, preservando a dignidade das pessoas revistadas. Ter ou não scanner é secundário”, explica Custódio.

    A alegação dos que defendem a manutenção de revistas íntimas é a de que é a única forma de evitar a entrada de drogas e aparelhos celulares, por exemplo, dentro dos presídios. Entretanto, uma pesquisa realizada pela Rede de Justiça Criminal, com base em documentos fornecidos pela própria SAP (Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo), constatou que apenas 0,03% dos visitantes carregavam itens considerados proibidos, ou seja, três visitantes de cada 10 mil. Em nenhum dos casos registrou-se a tentativa de entrar com armas. A pesquisa levou em conta dados coletados pelo Governo nos meses de fevereiro, março e abril dos anos 2010, 2011, 2012 e 2013.

    Ainda assim, segundo o coordenador do programa de Justiça da Conectas, a SAP informou oficialmente que continuará fazendo as revistas vexatórias até que tenham os scanners em todo o sistema prisional. “Isso é um absurdo e de um sadismo surreal. A lei diz que a revista íntima está proibida. Ponto. E a SAP continua a dizer que por questões de segurança fará isso com crianças, mulheres e idosas até o dia que, sabe-se lá quando, achar que não é mais necessário. Um escândalo”, critica.

    Uma das unidades prisionais onde, a partir de relatos coletados pela Ponte Jornalismo, a revista vexatória é uma realidade comum, é a Penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos, na Grande São Paulo. A companheira de um detento que no primeiro semestre desse ano foi transferido para outro estado por indisciplina conta que já presenciou mulheres de mais de 60 anos tendo que se agachar, sem calcinha, em um espelho na frente de outras pessoas, e conta uma situação que ela mesma vivenciou. “Uma vez a agente encasquetou que eu havia deixado meus pelos crescerem porque estava escondendo alguma coisa na vagina. Além de eu ter agachado no espelho e pulado várias vezes, ela fez eu abrir minha vagina para que ela inspecionasse. Humilhante, pra dizer o mínimo”, disse a mulher, que pediu para não se identificar.

    Na avaliação do coordenador do programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos, falta fiscalização e cobrança dos órgãos competentes. “Penso que o governador Geraldo Alckmin sabe que pode descumprir uma lei, pois nem o Ministério Público e nem o Judiciário tomam providências. O governo conta com a omissão desses atores. Se já sabemos de antemão que serão omissos, nada impedirá o governador de continuar ignorando a lei”, afirma Rafael Custódio.

    Outro lado

    Atualizado às 15h32 – A Secretaria da Administração Penitenciária enviou a seguinte nota: “A SAP informa que no dia 18 de agosto foi assinado o contrato para ampliação da instalação de aparelhos de inspeção corporal “Body Scanner” em presídios do Estado de São Paulo. A vencedora da concorrência realizada por pregão eletrônico no dia 26/07 foi a Nuctech do Brasil Ltda.

    A instalação dos equipamentos começou nesta segunda,  28,  e tem previsão para terminar em 12/2017. Serão no total 165 body scanners distribuídos em todo o estado. A empresa contratada é  responsável por fornecer e instalar os equipamentos e infraestrutura necessária nos locais determinados pela SAP, devendo prover manutenção preventiva, corretiva e suporte técnico para a solução fornecida, sem qualquer ônus adicional.

    Após a assinatura, o contrato tem vigência por 30 meses, sendo no valor total de R$ 45.292.500,00. Contudo, a empresa só será remunerada de acordo com a efetiva realização do serviço.

    Atualmente já funcionam  cinco equipamentos de segurança para inspeção corporal (Body Scanner)  nos Centros de Detenção Provisória I, II, III e IV de Pinheiros, também em regime de locação. Os primeiros aparelhos tratavam de um projeto piloto que avaliar a eficiência do emprego desses equipamentos.

    Destacamos também que anterior a Lei, todas as unidades prisionais do Estado de São Paulo já eram equipadas com aparelhos de Raio-X de menor e maior porte, além de detectores de metal de alta sensibilidade que ajudam a coibir a entrada de equipamentos e drogas.

    A SAP observa ainda que o procedimento de revista em visitantes de presos é rigorosa, no entanto, não é constrangedora e nem vexatória. O rigor na revista se faz necessário, com o objetivo de evitar a entrada de drogas e celulares nas prisões, ocultados em seus próprios corpos (partes íntimas). Informamos também que todos os finais de semana ocorre a prisão de visitantes, que tentam introduzir drogas nos presídios.”

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