Mulher afirmou que agressões aconteceram para que ela confessasse participação em crimes e também para que incriminasse namorado
Policiais militares da Rota, considerada pelo governo de São Paulo como a tropa especial de sua Polícia Militar, são investigados sob suspeita de torturar uma cabeleireira.
Paula Faria Santos, 21 anos, afirmou que ao menos sete PMs da Rota a torturaram, dentro de sua casa, na zona leste de São Paulo, na tarde de 04/05. Por questões de segurança, o verdadeiro nome da cabeleireira será preservado.
As sevícias, segundo o relato de Paula, incluíram enforcamento, tapas no rosto, sufocamento e aconteceram porque os PMs da Rota queriam informações sobre seu namorado e também para que ela admitisse participação em crimes.
A cabeleireira descreveu também ter sido obrigada a tirar sua blusa e, após ser jogada no chão por um dos militares da Rota, um segundo PM sentou em suas costas e usou uma toalha para pressionar sua boca e nariz. Ao mesmo tempo, uma jarra de água era jogada em seu rosto.
PMs do chamado P2 (Serviço Secreto) da Rota, agindo como se fossem investigadores da Polícia Civil, instituição com atribuição legal para desenvolver investigações policiais (os PMs, sejam da Rota ou não, têm atribuição de realizar policiamento preventivo, ou seja, policiar para que crimes não aconteçam), também são investigados por participar da tortura contra a cabeleireira.
Paula relatou que alguns policiais à paisana (sem a farda cinza da PM de SP) também estiveram na sua casa na tarde de 04/05.
Ao narrar a ação dos PMs da Rota, a cabeleireira contou que estava no quintal de sua casa quando o portão foi arrombado pelos militares. Eles disseram estar atrás de alguns ladrões que tinham feito um roubo e haviam fugido.
Dois dos policiais pediram para que Paula abrisse a porta da casa e, sem encontrar nada durante aquela primeira revista, saíram à porta da residência para conversar com cinco outros policiais, todos sem a farda cinza da PM.
Na tentativa de entender o motivo da entrada da Rota em sua casa, Paula também foi à rua e perguntou a um dos dois militares o que justificaria a operação dos PMs.
Foi quando ela viu o grupo de PMs que até então estava à porta de sua casa caminhar para uma segunda residência na mesma rua onde ela vive. Os militares ficaram cerca de meia hora nesse segundo endereço.
Enquanto estava na rua, Paula disse que mais cinco policiais entraram em sua casa, sem que ela os acompanhasse, e saíram sem dizer nada, também em direção ao outro endereço da mesma rua onde estavam os outros PMs.
Após deixarem o segundo endereço, PMs voltaram pela terceira vez à casa de Paula. Ao todo, seis militares entraram na residência da cabeleireira, que foi chamada para dentro por um sétimo policial. Esse último militar perguntou se encontraria armas ou drogas. Paula voltou a repetir que não e que os policiais podiam fazer a terceira revista no imóvel.
Nessa entrada, de acordo com Paula, um dos integrantes da Rota a jogou contra uma parede e a mandou abrir a boca, a falar, “pois não suportaria dez minutos de tortura”.
Foi quando, segundo a cabeleireira, um dos militares da Rota grudou em seu pescoço e passou a enforcá-la, ao mesmo tempo em que um segundo PM dava tapas em seu rosto e perguntava o apelido do marido dela.
Lançada ao chão, a cabeleireira foi obrigada a tirar a blusa e, de bruços, sentiu o peso de um dos militares sentando em suas costas. O mesmo PM pegou uma toalha e passou a sufocar Paula, dificultando sua respiração pela boca e nariz. Quando se desvencilhava e conseguia colocar a cabeça para o lado, um terceiro PM da Rota usava uma jarra para jogar água em sua boca, relatou a cabeleireira.
Ao ser levantada do chão pelos PMs da Rota, Paula foi alertada por eles que não deveria gritar e nem falar nada para ninguém sobre o que havia ocorrido dentro de sua casa. Um carro da Rota foi colocado na garagem da casa da cabeleireira e ela foi embarcada no banco traseiro.
Os PMs da Rota seguiram para a rua atrás daquela em que fica a casa de Paula e, ao estacionar o carro da polícia, um dos militares disse que todo o material encontrado naquela residência onde haviam chegado seria considerado como de responsabilidade da cabeleireira e seu marido.
Durante a revista da Rota na segunda casa, Paula ficou dentro do carro dos militares. Ao deixarem a residência, os policiais carregavam uma sacola e diziam que dentro dela havia droga.
A sacola foi colocada no carro onde Paula estava e, na sequência, a cabeleireira foi transferida para um outro veículo da Rota, que a levou novamente para sua residência, onde já estava o namorado dela, Rogério Faria de Noronha (nome fictício nesta reportagem por questão de segurança), um estudante de 20 anos.
Paula afirmou que os PMs da Rota começaram a dar tapas no rosto de Rogério e questionar se ele “era ladrão ou se estaria envolvido [com crimes]”. Rodrigo também acabou em um carro da Rota e os PMs levaram o casal para a outra casa da mesma rua em que Paula vive. Foram mais 30 minutos dentro dos carros enquanto os militares também revistavam a casa nº 88.
Desse terceiro endereço, os PMs da Rota levaram o casal para a casa da mãe de Rogério, onde ficaram poucos minutos. Levados para a delegacia, Paula e Rogério acabaram presos por tráfico de drogas e receptação de material roubado.
Versão da Rota
Os PMs da Rota disseram ter recebido uma denúncia anônima no Quartel General da tropa sobre “uma mulher que guardava produtos roubados em sua casa” e foram até o endereço exato passado pelo suposto denunciante para chegar a informação.
“Cientificada da denúncia”, afirmaram os PMs da Rota, Paula, “por vontade própria franqueou a entrada” dos militares em sua residência. Durante a revista, eles encontraram bolsas e roupas roubadas em um cômodo e, em cima de um guarda-roupa, “um tijolo de uma substância que aparentava ser cocaína”.
Paula disse, segundo os PMs, não saber nada sobre as bolsas e roupas, bem como sobre a droga, mas que ela indicou os dois outros endereços onde a Rota realizou incursões perto da residência dela. Isso porque teria brigado no dia anterior com seu namorado. Nos dois outros locais, a Rota afirmou ter encontrado mais produtos roubados e drogas.
O responsável pela operação da Rota foi o 1º Tenente Rafael Elias Franco Pinto, 33 anos. A testemunha dele para o caso foi o soldado Diego de Souza Barbosa, 29 anos, seu subordinado na Rota.
A reportagem solicitou que a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, por meio de sua assessoria de imprensa, comandada pela empresa privada CDN Comunicação, intermediasse entrevista com o tenente Franco Pinto e com o soldado Barbosa, mas o pedido não foi atendido pelo órgão nem pela terceirizada.
O mesmo aconteceu com os pedidos de entrevistas com o comandante-geral da PM, coronel Ricardo Gambaroni, e com o chefe da Rota, coronel Alberto Malfi Sardilli.
Por meio de nota enviada pela terceirizada CDN Comunicação, a Segurança Pública informou:
“A Polícia Civil esclarece que P.F.S. foi presa em flagrante por receptação e tráfico de droga, no último dia 4 [/05]. Durante o registro da ocorrência no 50º Distrito Policial (Itaim Paulista), ela informou que teria sido torturada pelos policiais militares que realizaram sua prisão”.
“Como não havia lesão aparente, foi solicitado exame cautelar. O caso foi encaminhado para o 68º DP (Lajeado), área do fato, que aguarda resultado do laudo pericial. Caso o laudo confirme que houve agressão, o caso também será remetido para o CPC (Comando do Policiamento de Choque) e para a Corregedoria da PM, para as medidas internas necessárias”, encerra a nota.
Policiais civis e ‘ganso’ são presos por sequestro
Três policiais civis e um “ganso” (informante, no jargão policial) foram presos em flagrante domingo (15/05) sob suspeita de extorsão mediante sequestro contra dois usuários de drogas.
Os policiais Ailton Rodrigues Belém, Carlos Felipe Martins e Thiago Pinheiro Machado são da 4ª Delegacia Seccional Norte (a central da Polícia Civil para a zona norte da cidade de São Paulo), comandada pelo delegado Luís Augusto Castilho Storni.
Assim como no caso dos PMs da Rota investigados sob suspeita de torturar a cabeleireira na zona leste de São Paulo, a reportagem também solicitou que a CDN Comunicação, terceirizada contratada pela Secretaria da Segurança Pública para realizar sua assessoria de imprensa, intermediasse entrevistas com os policiais civis e com chefe deles, mas o pedido não foi atendido. O mesmo aconteceu com o pedido de entrevista com o delegado Domingos Paulo Neto, chefe da Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo.
A reportagem não conseguiu localizar o advogado de defesa de Irazer Soares da Silva, “ganso” dos policiais civis da 4ª Seccional Norte e responsável por passar informações sobre os usuários de drogas aos três agentes públicos presos em flagrante.
O policial civil Thiago Pinheiro Machado também responde inquérito policial por lesão corporal contra os dois usuários de drogas, além também de extorsão mediante sequestro.
O novo secretário da Segurança Pública da gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), Mágino Alves Barbosa Filho, que assumiu o cargo oficialmente no dia 17/05, ao substituir Alexandre de Moraes, nomeado ministro da Justiça do presidente interino Michel Temer (PMDB), informou, por meio de nota oficial:
“A Corregedoria da Polícia Civil prendeu em flagrante quatro pessoas por extorsão mediante sequestro de dois homens neste domingo (15/05), na zona norte de São Paulo. Três dos detidos são policiais e foram encaminhados para o presídio da Polícia Civil. A Corregedoria abriu um processo administrativo para apurar a conduta dos policiais e a participação de outras pessoas no crime”.
“As vítimas eram usuárias de drogas e foram detidas depois que os policiais foram avisados pelo quarto indiciado, que era informante da polícia. As vítimas assinaram um termo circunstanciado em razão de estarem portando droga para consumo próprio, e depois foram liberadas mediante compromisso de comparecerem em juízo”, finalizou, em nota, Barbosa Filho.
1.137 demitidos em dez anos
Dados da Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo obtidos pela reportagem apontam que, entre 2006 e 2015, 1.137 policiais civis foram demitidos da Polícia Civil.
A média anual é 113,7 demissões por crimes, isso em uma instituição que conta com um efetivo de aproximadamente 35 mil membros em todo o Estado de São Paulo.
Dos 1.137 policiais civis demitidos nesses dez anos, 395 foram acusados de corrupção (34,74%); 131, de extorsão (11,52%); 155, violência (13,63%); 64, roubo, furto e receptação de material roubado (5,63%); 52, envolvimento com tráfico de drogas (4,57%).
A carreira de investigador foi a que mais teve envolvimento direto com os crimes que resultaram nas demissões: 470 dos 1.137 demitidos da Polícia Civil entre 2006 e 2015 eram investigadores (41,34%).
Entre as demissões estão as de 65 delegados, o que representa 5,72% do total de 1.137 demitidos.