Saco plástico no rosto e spray de pimenta no camburão: jovem foi torturado por PMs, diz família

Em depoimento, Vinicius Fernandes de Souza conta ainda que teve a roupa queimada com isqueiro; caso aconteu em Belo Horizonte, MG, na semana passada

O pedreiro Vinícius Fernandes Souza, 24 anos | Foto: Arquivo pessoal

A família de Vinícius Fernandes Souza, 24 anos, sofre com a prisão do pedreiro, que nesta quarta-feira (20/3) completa uma semana. O jovem foi abordado por policiais militares por volta das 21h próximo à casa em que vive com a mãe no bairro Bonsucesso, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Em depoimento, ele contou ter sido torturado pelos agentes com spray de pimenta e um saco plástico que teria sido colocado sobre o rosto. Familiares cobram que o caso seja investigado como tortura e a prisão por tráfico de drogas, que eles negam que Vinícius tenha cometido, seja revertida.

“Ele é um menino muito familiar. Gosta de sair com os amigos, frequentar festas como todos os jovens da idade dele. Ele sempre foi uma pessoa do bem, muito honesta, com princípios”, conta à Ponte o advogado Gleidson Fernandes, 39 anos, irmão mais velho do pedreiro. 

Gleidson assumiu a defesa do caso com a advogada Bruna Marques. Ao ver o irmão na delegacia, Vinícius contou sobre as agressões. Um vídeo divulgado pela defensora Bruna no Instagram mostra o jovem já preso. “Eu só estava esperando um lanche na frente de casa”, diz o pedreiro. Ao ser questionado se teria sido agredido, ele confirma fazendo sinal positivo com a cabeça. 

Em depoimento, Vinícius contou ter sido agredido logo que os PMs o abordaram. Quando foi colocado na viatura,os PMs teriam soltado spray de pimenta no local, que fez com que ele ficasse com os olhos e a pele ardendo por horas. Os agentes também teriam queimado com um isqueiro o calção que o jovem vestia. 

Prisão por tráfico 

A versão difere da narrativa policial. Segundo os PMs Elias Nelson Rogger da Silva Rodrigues e Breno Viana de Matos Pereira, Vinícius foi visto vendendo drogas. A dupla, que relatou estar em operação, suspeitou da frequência de vezes que Vinícius usou o telefone. Disse que pessoas se aproximavam, repassavam algum material ao jovem que, na sequência, ia até um matagal e voltava carregando algum objeto. Os acontecimentos motivaram a abordagem.

Vinicius teria demonstrado nervosismo. Os PMs disseram ter encontrado na cueca do jovem crack (26 pedras) e cocaína (19 papelotes). Já no suposto esconderijo, teriam sido localizados mais entorpecentes: 117 pinos de cocaína, uma porção de maconha e uma balança de precisão em mau estado de conservação. O celular do pedreiro e R$ 40 que estavam no bolso da bermuda dele também foram apreendidos. 

A Ponte conversou com uma testemunha, que pediu para não ser identificada por medo de retaliação. Ela conta estar em uma lanchonete no momento em que os policiais chegaram ao bairro. Vinícius e outro jovem estavam parados próximos do local, em frente à uma barbearia. A casa onde o pedreiro mora fica ao lado.

Quando os PMs chegaram, Vinicius e outro jovem foram abordados e agredidos. Ela conta que o pedreiro foi revistado ainda no local. Ele chegou a levantar a blusa e nada teria sido encontrado com ele.

“Eles chegaram e abordaram eles. Com o Vinicius, eles não encontraram nada e já botaram para dentro da viatura. No outro menino, eles deram um soco no estômago. Ele voou no meio da rua. Eu perguntei para os policiais, ‘para onde estão levando ele’ e ele respondeu ‘nós vamos sumir com ele'”, disse a testemunha.

O outro jovem abordado foi agredido, mas não foi levado com Vinicius na viatura. A versão apresentada pelos policiais não fala em um segundo suspeito.

Sem advogados presentes, Vinícius teria confessado o crime na delegacia. Uma inspeção feita por policiais civis não encontrou lesões no corpo do jovem. Contudo, ele mudou a versão com a chegada da defesa.

O pedreiro negou que estivesse praticando qualquer crime e afirmou ter sido “forjado”. Segundo ele, durante a abordagem, os PMs diziam que aquela “seria a última vez que ele veria a rua e nunca mais veria a mãe e o seu filho e que a ordem seria para matar”. 

A ordem teria partido de um terceiro policial, que mora na mesma região que Vinícius e, desde dezembro, teria passado a persegui-lo. O motivo seria o barulho da motocicleta conduzida pelo pedreiro. Insatisfeito com o volume, o policial atirou para cima em protesto em certa ocasião. De lá para cá, as ameaças aumentaram. 

Vinícius contou em depoimento que, um dia antes da prisão, o PM foi até a casa dele. Para a mãe do jovem, o policial teria dito que o mataria se o encontrasse. Se não o localizasse, seus amigos fariam isso.

Após ser preso e por insistência dos advogados, Vinícius foi levado até uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) onde foram constatadas lesões nos lábios e na boca.

O relato e o laudo não foram suficientes para impedir a prisão. A delegada Marcela Nogueira Macedo, que atendeu o caso na Central Estadual do Plantão Digital, pediu perícias nas drogas apreendidas e no celular do pedreiro, mas não determinou diligências que pudessem apurar a versão por ele apresentada.

O flagrante foi convertido em prisão preventiva pela juíza Juliana Beretta Kirche Ferreira Pinto, mesmo com oposição do Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG). A promotora Michelle Magalhães Carillo pediu a liberdade provisória de Vinicius, que foi rejeitada. 

A juíza determinou que a procuradoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos da Capital fosse notificada para apurar as denúncias de agressão. 

“Todo mundo na comunidade está consternado diante do que aconteceu com ele”, diz Gleidson. Vinicius é pai de um menino de um ano. Segundo o irmão, a criança sofre com a ausência. “Toda moto que faz barulho perto da criança, ela chama pelo pai”, conta.

Truculência policial

Além da denúncia de tortura, a advogada Bruna Marques, que representa Vinicius, criticou a postura dos policiais envolvidos na ocorrência. Imagens registradas pela advogada mostram a rispidez no tratamento dirigido pelos agentes contra ela. “Eu comecei a filmar porque pensei que ele [policial] iria me agredir”, fala.

Bruna conta que os PMs questionaram se ela era parente de Vinícius. Para a advogada, foi uma forma de diminuir seu trabalho. “Ele me tratava como parente de rapaz, não como advogada. Falava que eu não era nada e que ali dentro quem fazia e acontecia era ele”, relata.

A advogada diz que os policiais estavam sem a identificação na farda e que expulsaram ela e Gleidson do local onde Vinícius estava. A dupla teria acionado a seccional de Minas Gerais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG) no momento dos fatos, mas não teve suporte imediato. 

Ajude a Ponte!

A Ponte questionou a OAB/MG sobre o caso, mas não teve retorno. 

O que dizem as autoridades 

A Ponte procurou a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp-MG), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais sobre os pontos denunciados na reportagem. Apenas a PM-MG se manifestou.

Em nota, a PM-MG disse que Vinicius teve preservados seus direitos e garantias constitucionais. O texto dia ainda que corporação age com transparência e ética sem distinção de qualquer natureza.

Veja a nota na íntegra

A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), por intermédio Comando de Policiamento da Capital, esclarece que, conforme o Registro de Eventos de Defesa Social (REDS), durante operação policial, o autor foi abordado e com ele foram encontradas drogas ilícitas, motivo pelo qual foi efetuada a sua prisão, sendo preservados seus direitos e garantias constitucionais.

É importante destacar que a Polícia Militar age com transparência e ética no cumprimento de sua missão constitucional tratando a todos os cidadãos sem distinção de qualquer natureza, seja raça, sexo, religião ou posição social, para a aplicação da Lei.

Quanto às alegações unilaterais feitas por parte de familiares, elas devem ser formalizadas junto à Corregedoria ou à Unidade com responsabilidade territorial sobre o fato, para a devida apuração.

*Matéria atualizada às 14h15min do dia 21 de março de 2024 para incluir a nota da Polícia Militar de Minas Gerais.

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