“Saí do mundo do crime porque tive uma oportunidade”

    Ex-interno da Fundação Casa reconstruiu sua vida e critica redução da maioridade penal: ” Imagine só você com 16 anos participando de uma facção? Tudo ia piorar.”
    Anderson Felipe
    Anderson Felipe

    Ele tem 19 anos e quatro internações na Fundação Casa, a última há dois anos e meio. Hoje, tem emprego fixo, é casado e tem uma filha recém-nascida. O que fez sua vida mudar? “Uma oportunidade.”

    Anderson Felipe Pereira de Carvalho teve uma infância difícil. Vivia “aos trancos e barrancos” com a família no bairro dos Campos Elíseos, região central de São Paulo. O pai tinha problemas com álcool e a mãe com drogas químicas. Ele e seus seis irmãos, um deles já falecido, foram reprovados na escola por inúmeras vezes. No início de cada ano, eram matriculados na instituição de ensino, mas a rotina que levavam impedia que frequentassem as aulas com regularidade. Muitas vezes, passavam o dia pedindo esmola. “Foi assim até meus dez anos.”

    Internações

    A primeira internação na Fundação Casa foi aos 12 anos, depois de um furto cometido na Praça da República, no centro de São Paulo. Logo depois, veio a segunda. E, oito meses após, a terceira, por tráfico, que lhe rendeu dois anos e um mês de internação para cumprimento de medida socioeducativa na Unidade Franco da Rocha, Grande São Paulo. “Aí foi bem diferente, um baque.”

    Na Fundação Casa, espaço idealizado para a ressocialização de jovens em conflito com a lei, Anderson acredita que não há ambiente para reinserção dos adolescentes. “Tem muita pressão psicológica. Querem que você se sinta o pior verme, te xingam de tudo, e se você faz algo errado te agridem fisicamente. É um círculo de maldade.”

    Mudança de vida

    Foi durante a terceira internação que Anderson começou a enxergar a vida de outra forma. “Vi que não era justo continuar nessa, que o maior prejudicado era eu mesmo. Comecei a me valorizar e entender que para alcançar meus objetivos eu teria que lutar.” Foi quando apareceu a sua chance de mudar de vida. “Saí do mundo do crime porque tive uma oportunidade.”

    A oportunidade na vida do jovem chegou através da Instituto Papel de Menino, que realiza trabalhos com adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, ajudando na reinserção social e qualificação profissional. “Me aprofundei na ideia e quando saí de lá comecei a trabalhar.”

    Nove meses de vida estável depois, foi novamente internado, pela quarta vez, por estar “em companhia errada na hora errada”. Mais um ano e quatro meses de Fundação. “Aí decidi que não teria mais recaída. Minha adolescência toda foi lá dentro.”

    Em novembro, completam-se três anos que saiu da instituição. “De lá para cá, estou trabalhando, estudando, constituí família, pago aluguel, tenho filha.”

    A proposta de redução da maioridade penal, que será votada no plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (30/06), é definida pelo jovem como “palhaçada”. “Não dá para aceitar condenar uma criança. No sistema prisional as facções predominam. Imagine só você com 16 anos participando de uma facção? Tudo ia piorar.”

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