Sarau da Cooperifa exalta seu idealizador com poesias críticas, amor e, sobretudo, alma

    Poetas aproveitam último encontro de 2018 para homenagear os 30 anos de versos, rimas e resistência de Sérgio Vaz, o D. Quixote de la Perifa

    Sérgio Vaz, poeta idealizador da Cooperifa, comemora 30 anos de carreira em discurso | Foto: Divulgação/Cooperifa

    Dona Edite estava emocionada no Bar do Zé Batidão, no Jardim Guarujá, periferia da zona sul de São Paulo. No alto de seus mais de 70 anos, levantou-se para recitar um poema de Carlos Drummond de Andrade. Era o último Sarau da Cooperifa de 2018, realizado todas as terças-feiras. Antes de declamar, ela deu o recado: “Esta poesia é para você, Sérgio Vaz, nosso poeta”.

    O poeta, idealizador do Sarau há 17 anos, completou neste mês 30 anos de poesia. Mais: recebeu na última segunda-feira o prêmio Santo Dias de direitos humanos na Alesp (Assembléia Legislativa de São Paulo). A honraria não é apenas pelos versos criados em suas nove obras literárias, mas pelo espaço fundado há mais de 15 anos para florescerem novos poetas e poetisas na quebrada.

    Ali, a juventude vê um local para fazer ecoar suas vozes. Versam sobre amor, a realidade de quem vive na periferia, sobre o preconceito, o racismo. Outros, mais velhos, falam de resistência, focando em re-existir em meio aos conflitos que surgem cotidianamente. O silêncio é considerado sagrado, diversas vezes há o pedido de cooperação, atendido imediatamente. Em outros, o mais sonoro aplauso toma conta da esquina, reverenciando as críticas ácidas ou de doce amor.

    Público ocupa todo o espaço e, de pé ou sentado, ouve atentamente os poetas | Foto: Divulgação/Cooperifa

    Ver aquele espaço lotado é o mais comum. São pessoas lotando as mais de 30 mesas do bar, sentadas nas escadas para o segundo andar e até no lado de fora. Os ônibus têm dificuldade em passar no estreito espaço entre os carros parados dos dois lados da rua, entre a esquina em que fica o Sarau da Cooperifa e a praça da quebrada.

    Não só de poesia vivem seus amantes. O prato mais tradicional do Zé Batidão, um escondidinho no capricho, está presente em praticamente todas as mesas, acompanhado de cervejas, refrigerantes, e, claro, livros. A paixão pelas palavras e versos alimentam a alma daquelas pessoas, que preenchem o vazio existencial e estomacal ao mesmo tempo.

    O encontro derradeiro de 2018 teve de tudo. Reedição de poesias que criticam políticos como Geraldo Alckmin e João Doria, ambos do PSDB, e Jair Bolsonaro, presidente eleito pelo PSL; quem dedicou seu espaço para exaltar o amor ali presente e, depois, ganhou um afago; a crítica de um palmeirense à exaltação por parte do clube ao chamar o capitão da reserva do Exército para comemorar um título do time que ele torce, formado por imigrantes – pessoas às quais Bolsonaro chamou várias vezes de ‘escória’; e a vez de Sérgio Vaz.

    “Em um lugar onde poucos chegam aos 30 anos de vida, chego aos 30 de carreira. A poesia não fazia parte do nosso ambiente, hoje faz. Ofereço às mães de todos os jovens que fomos enterrar no Cemitério São Luís, elas que choram os corpos dos filhos mortos que poderiam estar aqui ouvindo e fazendo poesia”, decidou Vaz, seguido de uma crítica.

    Dos jovens aos mais experientes, como Dona Edite, os poetas soltam suas palavras e alma ao declamar poesias | Foto: Divulgação/Cooperifa

    “Às vezes, o pessoal do outro lado da ponte não entendem o que nós somos e porque somos. Muita gente nos conhece apenas por números: 30% da periferia, 26% da favela… Não somos 30 ou 26, somos gente, somos seres humanos, somos as pessoas que estão aqui”, disse o poeta. “Quando decidimos fazer isso [Sarau da Cooperifa] foi para ter nosso pé na humanidade, as pessoas terão que nos respeitar como seres humanos. Se tiverem que sofrer para isso, que sofram. Não aceitamos mais racismo, machismo, homofobia. Nada, nada mais que não queremos”, emendou.

    Último sarau de 2018 contou com bateria de samba na comemoração | Foto: Divulgação/Cooperifa

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