‘Sede’ do PCC tinha quase um celular para cada preso, aponta relatório secreto

    Polícia Civil suspeita que penitenciária de Presidente Venceslau facilitava entrada de telefones para poder monitorar cúpula da facção por meio de escutas clandestinas

    Penitenciária de Presidente Venceslau | Foto: Edson Lopes Jr.

    Se o sistema prisional estivesse em uma competição, a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, unidade prisional de segurança máxima, a 620 Km da capital paulista, bem que poderia ter entrado para o Guinness World Records, o Livro dos Recordes, como o presídio com o maior número de telefones celulares já encontrados com os presos em toda a história mundial.

    Entre os dias 2 e 4 de fevereiro de 2009, dois agentes federais do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), fizeram uma varredura no presídio. Foram detectados nada mais nada menos do que 591 aparelhos de telefones celulares com os presos.

    A unidade tem capacidade para 1.280 presidiários. Atualmente, a P2 de Presidente Venceslau abriga 822 detentos. Segundo fontes do sistema prisional, em 2009, o presídio abrigava essa mesma média de 820 presos. Isso significa que na época da varredura eletrônica, 72% dos prisioneiros da P2 de Venceslau tinham telefone celular em seu poder. É quase um celular para cada preso.

    O secretário Estadual da Administração Penitenciária na época era Antônio Ferreira Pinto e o adjunto, Lourival Gomes. Um mês depois, Ferreira Pinto assumiu a Secretaria Estadual da Segurança Pública. Gomes ocupou a vaga dele e está no cargo até hoje.

    A varredura eletrônica realizada pelos agentes federais do Depen foi mantida em sigilo durante todos esses anos. Só por isso a P2 de Venceslau não entrou para o Guinness, reconhecido internacionalmente, como o presídio com o maior número de telefones celulares nas mãos de presidiários.

    A Ponte Jornalismo teve acesso ao relatório confidencial do Depen. São 16 páginas contendo o IMSI (código usado para identificar o assinante da linha), IMEI (número de identificação do aparelho), nomes das operadoras e o local onde os aparelhos foram detectados.

    No relatório, os técnicos esclarecem que tomaram todas as cautelas possíveis, porém, os telefones de quem integrou a comitiva que realizou o teste pode ter o o número de seus celulares incluso na listagem – grupos não passavam de cinco integrantes em cada varredura.

    Desde 2006, quando ocorreram os ataques de maio e o PCC paralisou São Paulo, atacando prédios públicos e matando policiais, a P2 de Venceslau é a sede, a matriz, o escritório central do Primeiro Comando da Capital, a maior facção criminosa do País.

    Foi de lá, por exemplo, que o PCC, graças ao uso do celular, expandiu os rentáveis e milionários negócios com o tráfico de drogas. Hoje a facção é considerada transnacional.

    Também foi da P2 de Venceslau, com o uso do celular, que em 2012 o PCC mandou vingar as mortes de seus integrantes ¬- assassinados em supostos tiroteios com a PM -, executando nas ruas mais de 100 policiais militares, além de agentes penitenciários.

    Os agentes penitenciários federais também realizaram, no mesmo período, uma varredura na Penitenciária 1 de Avaré. Nessa unidade foram rastreados 65 aparelhos de telefone celular. A P1 de Avaré funciona até hoje como a maior e principal filial do PCC.

    O relatório do Depen foi enviado à Secretaria Estadual da Administração Penitenciária, à Diretoria do Sistema Penitenciária Federal e ao Ministério Público do Estado de São Paulo.

    Foi graças a essa varredura que o Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) de Presidente Prudente teve acesso aos números dos celulares dos presos da P2 de Venceslau e da P1 de Avaré. Centenas desses telefones foram rastreados.

    Por ordem das autoridades da Segurança Pública, a Polícia Militar montou uma central de escutas telefônicas no CPI/8 (Comando de Policiamento do Interior) em Presidente Prudente.

    Ao menos 40 policiais militares foram mobilizados para fazer o grampo telefônico. Com base nas escutas, a PM apreendeu toneladas de drogas, centenas de fuzis, farta munição; prendeu dezenas de integrantes do PCC e matou outros em supostos tiroteios.

    A medida desagradou delegados e outros policiais civis. Eles alegavam que as escutas da PM eram clandestinas e que apenas a Polícia Civil, constitucionalmente, é quem tem o poder de fazer investigação e não a Polícia Militar.

    O grampo feito pela PM durou três anos e meio. As interceptações telefônicas levaram o Gaeco de Presidente Prudente a realizar a maior investigação da história contra o PCC. O departamento denunciou 175 integrantes da facção por formação de quadrilha e associação ao tráfico de drogas.

    Promotores de Justiça apuraram, na época, que o PCC faturava, anualmente, R$ 120 milhões com o tráfico de drogas, o que o colocaria entre as 1.150 maiores empresas do Brasil.

    Os presos da P2 de Venceslau ainda continuaram usando tranquilamente o telefone celular até 2014, cinco anos depois da varredura do Depen. Só em janeiro daquele ano é que o governo do Estado instalou bloqueadores na unidade prisional.

    A Ponte entrou em contato com a SAP para pedir posicionamento por e-mail e telefone. Porém, assessores de imprensa da pasta responderam que profissionais responsáveis pelas respostas solicitadas estavam empenhados em ações voltados para a decisão do STF, desta terça-feira (20/1), sobre mulheres encarceradas com filhos de até 12 anos. As seguintes perguntas foram enviadas:

    Por favor, a SAP saberia informar se foi feita a varredura e se foram detectados aparelhos com os presos?

    Quantos aparelhos foram encontrados em cada unidade?

    O que foi feito com os aparelhos?

    A SAP enviou nesta quarta-feira* uma nota em que afirma que o Depen detectou celulares do entorno da unidade prisional e não necessariamente de dentro do presídio:

    “A Secretaria da Administração Penitenciária informa que o equipamento do DEPEN utilizado à época, detectou celulares de todo o entorno da unidade penal,  de pessoas que transitaram próximo ao local da operação e de pessoas em veículos que passaram pela rodovia.
    O equipamento não é dotado de técnica para detectar equipamentos no interior dessa ou daquela prisão.
    A Secretaria da Administração Penitenciária também informa que o combate a entrada de celulares, drogas, objetos proibidos nas unidades penais do Estado, é diuturno e sem trégua”.

    *atualizado na quinta-feira (22/2), às 10h12

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