Relatos apontam que a empresa Rappi ofereceu 50 ml de álcool em gel e Ifood, nada; necessidade econômica faz trabalhadores encararem risco da pandemia
Matheus Araújo, 18 anos, estava sentado ao lado da bicileta e de sua bolsa de entregas na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, na zona oeste da cidade de São Paulo. Negociava com uma cliente por áudios no WhatsApp a entrega da comida. Ela havia passado o endereço errado e oferecia R$ 10 adicionais para ele pedalar mais 4 quilômetros. “É 17h40, chego lá depois das 18h. Será que vale a pena?”, perguntou à reportagem.
Matheus é um dos tantos entregadores de aplicativos que continuam a trabalhar nas ruas em meio à pandemia de coronavírus Covid-19. A Ponte encontrou pelo menos 15 deles na região do Largo da Batata na tarde deste domingo (22/3). Quebram a recomendação do Ministério da Saúde de ficar em casa e reconhecem o risco, mas contam não ter outra opção. “Preciso trabalhar, não tem jeito. Preciso pagar a prestação do celular e juntar dinheiro para tirar a habilitação de motorista”, explica o jovem.
Mais preocupante do que sair de casa é fazer as entregas sem itens mínimos de proteção, como álcool em gel, máscara e luvas. Em apoio, Matheus relata que recebeu da Rappi, uma das empresas de entrega, dois tubos de 50 ml: um com álcool em gel e outro com sabão. Mas não ficaram com ele. “Ganhei ontem e dei para um outro amigo entregar. Eu tinha máscara e luva, ele, não”, conta.
Hoje, trabalhou torcendo para não ser infectado. Entre 12h e 18h, entregou apenas seis pedidos. “Está muito fraco, não consegui nem R$ 30”, reclamou. Matheus trabalha em entregas para o Rappi e também Ifood, aplicativo que, segundo ele, não ofereceu nada aos entregadores.
Outros trabalhadores reclamam que não conseguiram da Rappi nem mesmo os dois tubos que foram dados a Matheus. “Não deram nada. Está rodando uma imagem que fala que eles vão dar auxílio caixão se alguém morrer. Dá nem para saber se é verdade ou brincadeira”, afirma um entregador, parado ao lado de outro amigo, ambos sem entregas.
A dupla estava sentada em um banco de concreto em frente à estação Faria Lima do metrô. Cada um havia entregado apenas quatro pedidos durante todo o dia. “Normalmente dá para fazer R$ 80, R$ 110 no dia. Hoje não passou de R$ 20”, conta um deles, que mora no Jardim João XXIII, também na zona oeste, mas a 15 quilômetros dali. “Deu para bancar a passagem. Só”.
Segundo o entregador, eles só conseguem se proteger por iniciativa própria: ao chegarem nos restaurantes usam o álcool em gel disponível ali e pegam um pouco para colocar no frasco. O amigo mostrou um pequeno recipiente em que leva uma porção do produto. “Tem que pegar na cara larga, senão eles não oferecem. Chegou e já pego para não ter risco de negarem”, conta.
A situação também e similar na zona sul. João Vitor de Almeida, 21 anos, entregador da Rappi. revela não ter recebido nenhum auxílio da empresa, o que faz seu medo do coronavírus ser ainda maior. “Estou com medo, tenho pessoal idoso em casa. Eles que sofrem. Não é que não estamos sujeitos, mas para eles é pior”, revela.
O rapaz explica o motivo de ir para a rua apesar do medo: as contas. “Tem que trabalhar, a dívida não espera. Independente do vírus, tem que pagar as contas. Vem o banco e toma a moto, toma tudo. Estou tocando mais entrega para fazer mercado hoje”, afirma.
Jefferson Souza, 20 anos, também usa sua bicicleta para trabalhar. Quando volta para casa faz questão de tomar o máximo de cuidado. “Eu estou me preservando. Toda vez que faço uma entrega e quando vou ter contato com pessoas da minha família eu lavo as mãos. Se eu pudesse eu estava em casa”, admite.
Roberto Silva, 26 anos, trabalha há um ano e três meses na rua, já tendo representado a Rappi e Uber Eats. Ele aponta que não recebeu nada da Ifood, empresa para a qual faz entregas atualmente. “Eles mandam mensagem para a gente se conscientizar, passar álcool em gel, usar máscara”, conta. Questionado sobre se a Ifood disponibilizou estes itens, a resposta é negativa.
“Os restaurantes estão se sensibilizando muito. Disponibilizam álcool em gel na hora que entrega [a encomenda], dão local para lavar a mão, mas muitos ainda não estão com essa vontade”, explica.
A Ponte questionou a Rappi e a Ifood sobre as afirmações dos entregadores e se as empresas ofereceram itens de higiene para quem faz as entregas. A Rappi não se posicionou até a publicação desta reportagem.
Em nota enviada às 15h14 do dia 24/3, a Ifood explicou que listou uma série de ações com entregadores, como um “fundo solidário no valor de R$ 1 milhão para dar suporte àqueles que necessitem permanecer em quarentena”; restaurantes, ao antecipar recebimentos às empresas; colaboradores, com revezamento de funcionários; e clientes, com uma “entrega sem contato”.
“A empresa está realizando comunicações educacionais e outras iniciativas para entregadores, restaurantes, colaboradores e consumidores”, garante a Ifood.
Atualização às 16h do dia 24/3 para incluir posicionamento da Ifood.