Famílias inteiras, crianças, idosos e trabalhadores sem condições de pagar aluguel comemoraram entrada em local com fezes humanas, poeira e entulho em busca de um lar
O cheiro de fezes é forte. Ao entrar no prédio da Avenida Ipiranga, 908, no centro de São Paulo, a cena é de abandono. Pedaços de pedra se misturam com vidros e restos de baratas mortas no chão. Há dejetos humanos intactos e entulho por toda parte.
As portas estão arrancadas ou com buracos, como as que dão no vão do elevador – algumas cobertas por estacas de madeira. São raros os espaços com suas entradas intactas nos sete andares do edifício, cujo nome tem letreiro parcialmente destruído, restando apenas o “Lourenço” no final.
A cena é forte: em meio à insalubridade, 300 famílias estão felizes ao entrarem ali. Isto porque elas ocuparam o espaço para fazer de moradia aos sem-teto. São pais, mães, filhos, idosos e trabalhadores… todos na busca de um espaço para chamar de seu. Difícil imaginar como crianças viverão naquele ambiente. Contudo, a conquista do prédio é considerada uma vitória. Eles não tinham onde morar.
Agora, ainda que em condições desumanas até que seja feito um mutirão de limpeza, a esperança é de fazer ali um teto. Nem que seja temporariamente. “Eu vim da Bahia na esperança de conseguir emprego, mas não consegui. O aluguel era muito caro, então nos falaram das ocupações. Não dava para pagar R$ 600 numa pensão de um quarto e banheiro”, conta Elisângela Pereira dos Santos, ajudante geral de 31 anos.
Nos colos dela está Eliara, a filha com menos de um ano. “Aqui pagamos uma contribuição, mas nada se compara a um aluguel. Estamos aqui por necessidade, não tem condições, não. Tenho mais luxo aqui do que pagando aluguel”, completa.
O processo de ocupar
Entrar no endereço Avenida Ipiranga, 908, encerrou uma apreensão com início na Ocupação Mauá, ao lado da Estação da Luz do Metrô. Nestes processos de ocupar novos lugares, nem mesmo quem morará sabe para onde se está indo. Três ônibus pegaram as pessoas, que não sabiam o seu destino. Desceram e aguardaram a abertura do portão para conhecer o que seria seu lar.
Um grupo estava à frente dos veículos para abrir a passagem. Porém, teve dificuldades em abrir o portão. A ideia era que a passagem estivesse livre quando os ônibus chegassem, mas não deu. Foi preciso improvisar: abriram uma porta de metal, parcialmente lacrada com tijolos.
Uma viatura da Polícia Militar de São Paulo chegou. O policial, sem saber o que fazer, via a tentativa de abrir o portão de longe, com arma em punho e aguardando o que aconteceria. As pessoas começaram a pular o buraco improvisado e, só então, o portão cedeu. A ocupação estava feita.
As pessoas se distribuíram pelos sete andares. Locais completamente abandonados e áreas usadas como banheiro por moradores em situação de rua, segundo relatos. Nada que tirasse a alegria da conquista de quem não tem uma casa. Ocupado o espaço, todos foram às janelas comemorar.
“Sempre temos a ansiedade de ver como será. Quando chegamos, teve dificuldade de abrir a porta. Graças a Deus, eles conseguiram abrir”, conta Mari Jaguszevski, uma das lideranças do movimento. Para ela, aquela conquista era apenas uma parte pequena. “Ainda continua a luta, é só o começo. Estamos em busca da moradia, por mais que chamem a gente de vagabundo. Entrar é primeiro passo, começa o pedido do suposto proprietário, que deve entrar com ação, e do outro lado tem o advogado para a nossa luta”, continua,
Perguntada como seria dormir no prédio pela primeira vez, Mari não pensou duas vezes: “Hoje não vai ser uma noite de dormir, é noite de ficar em alerta e dar apoio a todos”, explica.
De acordo com o movimento, esta não é a primeira vez em que o prédio da Ipiranga é ocupado. Outras ações como a de sábado (6/10) aconteceram, a primeira delas em 2006. Porém, as reintegrações de posses os retiraram de lá. A última vez, segundo eles há cerca de três anos.
A iniciativa de entrarem novamente neste prédio tem como explicação outra ocupação, a Prestes Maia, também na região central de São Paulo. O local será reformado para servir de moradias populares, porém, até que a obra seja concluída, os moradores sem-teto precisam de outro local temporário para ficarem. Escolheram o espaço na Ipiranga.