Senado aprova poder de polícia às guardas municipais

    Guardas terão direito a portar armas e terão o dever de proteger não só os patrimônios, mas vidas. Texto vai para apreciação presidencial

     

    Guga Kastner/Ponte Jornalismo
    Guga Kastner/Ponte Jornalismo

    O Senado aprovou, nesta quarta-feira (16), o Projeto de Lei 39/2014, que prevê às guardas municipais  poder de polícia, com direito ao porte de arma e o dever de proteger não só os patrimônios, mas vidas. O texto, que cria o Estatuto Geral das Guardas Municipais, tramitou por mais de dez anos no Congresso, e, agora, segue para sanção ou veto da presidenta Dilma Rousseff.

    Se o projeto for sancionado, as guardas municipais poderão atuar em conjunto com órgãos de segurança pública. Além de agir em situações de conflito, os agentes irão auxiliar na segurança de grandes eventos e atuarão na proteção de autoridades. Eles também vão poder colaborar com órgãos de trânsito, estadual ou municipal, inclusive com o direito de expedir multas. Ainda está previsto que os guardas possam encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante, o autor da infração.

    Com estruturação em carreira única e progressão funcional, os agentes deverão utilizar uniformes e equipamentos padronizados. Entretanto, sua estrutura hierárquica não poderá ter denominação como a de militares. Outro item do texto é o de que municípios que fazem fronteira poderão constituir consórcio público para utilizar a mesma guarda municipal.

    Assim, guardas vão se tornar polícia, não de ciclo completo, mas apenas ostensiva/preventiva ou ostensivo/preventiva, como são as PMs, de acordo com Luiz Eduardo Soares, antropólogo e ex-secretário Nacional de Segurança Pública. A diferença é de que eles não serão militares, nem vão pertencer à força reserva do Exército e de terão sua atuação restrita aos municípios aos quais estejam ligadas. “Teremos mais disputas, mais conflitos, mais rivalidade”, afirma Soares.

    Recentemente, guardas municipais foram acusados, em São Paulo e no Rio de Janeiro, de serem truculentos. Em novembro do ano passado, durante um protesto na Cinelândia, que pedia a libertação de dois manifestantes presos em outubro, dois jovens foram detidos porque, segundo os agentes, as barracas montadas no local estavam obstruindo a passagem. Mesmo sem os dois terem resistido, o agente teria pisado no joelho de um deles e apalpado o seio da outra manifestante.

    No mesmo ato, um outro jovem acusou dois agentes de agredi-lo. Segundo ele, um deu um golpe de estrangulamento, enquanto o outro deu um soco no estômago. Quando chegaram na delegacia, os dois agentes ameaçaram o jovem e exigiram que ele não falasse nada sobre as agressões. A Guarda Municipal negou que tenha havido qualquer tipo de abuso contra os manifestantes.

    Mais recente ainda, no dia 31 de março deste ano, um homossexual acusou guardas civis municipais de serem homofóbicos e agressivos. O jovem estava na região do Largo do Arouche quando viu dois colegas serem abordados e detidos. Ao tentar saber o que tinha acontecido com os agentes, o guarda mandou ele ficar quieto, deu um tapa na cara e o xingou de “viadinho”, acrescentando que o jovem deveria manter o respeito e não beijar um outro homem na frente deles.

    Em nota, a Secretaria da Segurança Urbana afirmou, à época, que repudia “qualquer atitude homofóbica por parte de seus servidores, que são orientados e capacitados a assegurar todos os munícipes, sem quaisquer distinções.”

    Segundo Soares, o projeto em questão “busca valorizar o município e as Guardas, o que é muito positivo, mas ignora sua inscrição em uma ordem institucional abrangente e negligencia os efeitos desse quadro sobre a nova realidade que pretende criar assim como as consequências dessa nova realidade sobre o quadro mais amplo.” O antropólogo afirma que o projeto combina ingenuidade, ambiguidade e inconsequência. “Adicionando à disputa entre PMs e polícias civis, a futura rivalidade entre Guardas e PMs.”

    Para o antropólogo, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 51/2013, que visa a reestrutura do modelo de segurança pública a partir da desmilitarização da PM, deveria ser votada e aprovada, ao invés do PL 39/2014, porque a proposta “parte de uma compreensão sistêmica e encaminha uma transformação ampla”, diferentemente do projeto de lei aprovado pelo Senado.

    O autor do projeto é o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) havia solicitado que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa analisasse o projeto, mas, no decorrer da discussão do texto, concordou com a retirada do requerimento.

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