Vítimas foram feitas reféns em tentativa de roubo a banco que deixou 14 mortos; em Milagres, marcas de tiros, sangue e moradores com medo de retomar a rotina
“Que dor, que tragédia horrível. Deus levou meu filho e meu netinho, meus tesouros, minha vida”, repetia incansavelmente Antônia de Souza Magalhães. A aposentada é matriarca de uma família pernambucana que perdeu cinco pessoas em uma ação policial que terminou em uma chacina com 14 mortos no sertão nordestino na madrugada da sexta-feira (7/12).
Neto de dona Antônia, Vinicius Magalhães tinha 14 anos, acabara de concluir o ensino fundamental e sonhava ser engenheiro civil. Bonito e boa praça, era chamado pelas amigas da escola como Príncipe de Dubai. “Ele era legal, palhaço, nunca vi ele triste”, conta a amiga Cindy Maria Lima da Silva, 13 anos.
O adolescente teve os sonhos amputados precocemente ao ser feito refém por homens que, segundo a polícia, planejavam assaltar duas agências bancárias na cidade de Milagres, região do Cariri, no Ceará, a 487 quilômetros de Fortaleza. O garoto serviu como escudo humano e acabou morto.
“Ao ver essa perda todo mundo entrou em choque. A gente perdeu um membro da nossa família por causa de malfeitores. Foi bom ter conhecido ele. Foi um grande amigo pra mim. Todo mundo era feliz ao lado dele”, disse Samuel Francisco, que estudava na mesma sala de Vinícius.
Além de Vinícius, também morreram o pai, o empresário João Magalhães, outros três familiares que haviam acabado de desembarcar de São Paulo, entre eles um outro adolescente de 13 anos, e uma sexta pessoa, de Brejo dos Santos, Ceará, também usada como refém. Segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, os outros oito mortos eram suspeitos de participar da tentativa de roubo.
Vinícius e o pai residiam a 415 quilômetros de Recife, em Serra Talhada, sertão pernambucano, terra onde nasceu Virgulino Ferreira, o Lampião, e que parou neste sábado (8/12) para velar e se despedir de seus conterrâneos.
Mário Olímpio, corretor de imóveis em Serra Talhada, era amigo pessoal de João Magalhães e da família. “É um momento de muita tristeza. Serra Talhada está de luto. Até nas piores guerras do mundo, crianças têm suas vidas poupadas e neste episódio teve duas crianças que foram mortas inocentemente”.
Até agora não há relatos ou informações oficiais que indiquem que algum policial possa ter sido atingido pelos suspeitos.
A vida continua?
Enquanto Serra Talhada enterrava seus mortos, os comerciantes de Milagres, no Ceará, tentavam retomar as atividades. Todos ainda estão abalados pelo tiroteio sem precedentes na história do município. Nas ruas pacatas da cidade, há múltiplas marcas de tiros em postes e nas paredes de vários prédios, além de manchas de uma madrugada sangrenta nas calçadas.
A população ainda tenta compreender o confronto que mudou a rotina e a história de Milagres. “A gente fica insegura, acha que essas coisas só acontecem em cidade grande. Saí de casa com medo”, revela a comerciante Jane Ferreira, que no dia da chacina preferiu manter fechada a loja em que vende roupas no centro da cidade.
Já Laércio Macedo Landim, teme ser vítima da violência. “Fico com medo de acontecer mais uma vez”. O comerciante é dono de um supermercado localizado ao lado de uma das agências bancárias que foram alvo da ação do bando.
A polícia ainda não divulgou o número de pessoas envolvidas no assalto frustrado. Até agora oito pessoas foram presas, incluindo a mãe e a esposa de um dos suspeitos mortos. Esta última, segundo a polícia, carregava 40 munições de arma em suas roupas íntimas.
Os carros utilizados na tentativa de assalto estavam até este sábado (8/12) no estacionamento dos prédios das polícias Civil e Militar de Milagres. Um deles ainda não foi periciado. No interior do veículo, um carro de modelo popular, há vestígios de sangue, um celular quebrado, marcas de tiro e estilhaços.