Silvio Almeida deve levar a Lula o despejo do projeto Meninos e Meninas de Rua

Prefeito de São Bernardo do Campo pediu reintegração de posse de imóvel ocupado desde 1989 pela ONG; em audiência pública no local, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania prometeu levar a questão ao governo federal

Sílvio Almeida esteve na manhã deste sábado (25/11) no projeto Meninos e Meninas de Rua, em São Paulo | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

Sob gritos de “o projeto fica, o Orlando sai”, o ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, Sílvio Almeida, participou neste sábado (25/11) de uma audiência pública no projeto Meninos e Meninas de Rua em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Histórico, o PMMR está na iminência do despejo do espaço que ocupa há mais de três décadas, por ação orquestrada pelo prefeito Orlando Morando (PSDB). O ministro prometeu levar a demanda ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

“Eu me comprometo pessoalmente a levar essa questão do projeto Meninos e Meninas de Rua ao conhecimento do presidente Lula”, disse Sílvio. O ministro prometeu também repercutir o caso com as ministras Anielle Franco (Igualdade Racial), Margareth Menezes (Cultura). O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também deve ser acionado por ele. 

A audiência ocorreu no pátio do projeto e reuniu cerca de 100 pessoas na manhã chuvosa. A Sílvio, foram apresentadas denúncias de movimentos sociais, que descreveram a atuação da prefeitura com viés de racismo institucional e de falta de projetos para minorias. 

Um dos casos citados foi o ataque sofrido pelas militantes e pessoas acolhidas pela ocupação Cleone Santos, que também fica no município. Na terça-feira (21/11), um grupo de homens atacou o imóvel com marretas e pedras reivindicando a posse do local. A prefeitura não se manifestou sobre o caso, mesmo sendo provocado pelo grupo que acolhe mulheres em situação de violência. 

Após as falas, Sílvio disse que há problemas que caracterizam violações de direitos humanos. “A cidade de São Bernardo tem uma série de problemas que caracterizam violações de direitos humanos pelos relatos que eu ouvi e pelas coisas que vocês me apresentaram”, disse o ministro. 

O ponto central e simbólico é o despejo do PMMR tentado por Orlando Morando há pelo menos quatro anos. A coordenadora do projeto, Néia Bueno, diz que a prefeitura entrou no último dia 17 com o pedido judicial para que se concretize a reintegração de posse. A visita de Sílvio, diz Néia, é um aceno federal importante para a luta do PMMR. 

“A vinda dele [Sílvio Almeida] mostra uma preocupação do governo federal. É muito simbólico ele vir porque é um ministro dos direitos humanos negro que tem a pauta racial presente”, afirma Néia. 

A ação vai deixar sem aulas os alunos de Juju Dendê, 44 anos, educadora social e professora de capoeira no PMMR. “Os diálogos estão bem difíceis em relação ao município. O município não quer conversar, então a gente se organiza como movimento para buscar a permanência no espaço”, diz a educadora sobre a audiência. 

Sílvio participou de audiência pública no pátio do projeto Meninos e Meninas de Rua | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

O espaço fica na região central de São Bernardo e foi cedido pela prefeitura em 1989 ao PMMR (ação formalizada por decreto em 1992). Em 2019, Morando entrou com ação de despejo. 

Na época, a permanência no espaço foi reivindicada com uma campanha que contou com participação de artistas como Chico Buarque, Emicida e Dexter. 

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O projeto permaneceu no espaço por decisões judiciais em razão da pandemia, mas em setembro deste ano houve um revés. Uma ação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo que questionava as motivações da prefeitura e qual seria a contra proposta para o fechamento do espaço, foi indeferida. 

Assim, a incerteza sobre a permanência voltou ao dia-a-dia dos atendidos pelo PMMR. Para Néia Bueno um caminho a ser tentado é o da busca por diálogo com a prefeitura, mas que não há retorno da gestão. Outro tentativa é o tombamento do espaço para que ele seja reconhecido como quilombo urbano. 

Outro lado 

A Ponte procurou a prefeitura de São Bernardo com Campo pedindo uma posição sobre o despejo. Em nota, a prefeitura afirmou que a entidade não vem cumprindo seu papel social e que encontra-se impedida de receber repasses por estar inidônea com o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).

A nota diz ainda que o projeto comete irregularidades ao compartilhar o espaço cedido com o Movimento Nacional da População de Rua ABC (MNPR ABC). 

“A Prefeitura de São Bernardo informa que, nesta semana, solicitou à juíza de primeira instância o cumprimento da decisão do TJ-SP, emitida em julho deste ano, que acolheu na íntegra a alegação do município de que a entidade não vem cumprindo seu papel de desenvolver atividades ordinárias e determinou a desocupação do imóvel para melhor utilização com outros projetos de relevância social. Pesou na decisão da corte o fato de a entidade ser apontada como inidônea pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), encontrando-se impedida de receber qualquer espécie de repasse de entes públicos no Estado de São Paulo, incluindo a concessão de espaços públicos. Além disso, outras irregularidades em relação ao uso do local vêm sendo identificadas pelo município, como o declarado compartilhamento da área pública com o Movimento Nacional da População de Rua ABC (MNPR ABC), o que nunca foi comunicado à Prefeitura”, disse em nota.

Os argumentos da prefeitura já tinham sido apresentados em julho, quando a Ponte fez reportagem sobre o caso. Na ocasião, o advogado do projeto, Syro Boccanera, informou que a situação junto ao TCE-SP estava em tratativa para a regularização. 

Ele rebateu a informação de que o projeto não cumpre papel social. Segundo Boccanera, as atividades no projeto nunca foram interrompidas. Até mesmo durante a pandemia, houve ações voltadas ao atendimento da população. 

Sobre a divisão do espaço, a organização do projeto defendeu que o espaço é um quilombo urbano e recebe diversas atividades. 

*Matéria atualizada às 13h30min do dia 26 de novembro de 2023 para incluir a nota da prefeitura de São Bernardo do Campo.

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