Documento pede avaliação de três possíveis crimes cometidos por policiais que atiraram em suspeito e levaram caso 10h depois à Polícia Civil
O Sindpesp (Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo) solicitou investigação contra dois policiais militares de São Sebastião, cidade no litoral de São Paulo. No dia 13 de agosto, o soldado Fábio José Tonda e o tenente Rodolfo de Oliveira Quirino atiraram contra um homem suspeito de tráfico de drogas e apresentaram a ocorrência apenas 10h depois à Polícia Civil.
No documento (leia na íntegra clicando aqui), enviado ao delegado do 1º DP (Distrito Policial) São Sebastião, Vanderlei Pagliarini, a cobrança é de uma investigação para apurar se o soldado e o tenente cometeram três crimes nesta ocorrência: fraude processual, usurpação de função pública e prevaricação. A presidenta do sindicato, Raquel Kobashi Gallinati, criticou a ação dos policias.
Conforme publicado pela Ponte na segunda-feira (19/8), os PMs Tonda e Quirino atiraram contra Adonai Bispo dos Santos, 19 anos, na Travessa Onofre Santos, suspeito de traficar drogas por segurar uma sacola. O caso aconteceu pro volta de 14h40. Ele teria resistido, lutado com o tenente e tentado pegar sua arma, o que fez o PM atirar.
Os PMs ter encontrado com Adonai dois celulares, três colares, R$ 902, 42 pinos com “substância aparentando ser cocaína” e 15 trouxinhas “aparentemente de crack”.
Com o homem baleado, os próprios policiais o socorreram, alegando que o Samu “em outro atendimento e a própria equipe policial realizou o socorro”. A dupla ainda acionou que a perícia fosse feita, sem contatar a Polícia Civil, relatando um caso de “lesão corporal em PM” e não de disparo contra civil, conforme relatado pelo perito ao delegado de polícia Carlos Eduardo Nascimento, plantonista que recebeu o relato dos PMs.
Após a ocorrência, a dupla retornou ao batalhão que trabalham e levaram ao conhecimento do delegado Nascimento apenas às 23 horas. Quirino, que atirou no homem, não apresentou sua arma, pois a entregou no batalhão. Na delegacia, os PMs apresentaram apenas a ocorrência por tráfico de drogas ao qual Adonai era suspeito e não o fato de terem atirado contra um civil. Assim, não entregou sua pistola .40.
O Sindpesp argumenta em seu pedido que os policiais militares extrapolaram suas funções, pois “a Polícia Militar não tem funções de Polícia Judiciária, já que sua missão constitucional é a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”. Ainda usa a lei Lei 9.299/96 do Código Penal Militar para sustentar que a investigação de crimes dolosos contra a vida praticados contra civis são de responsabilidade da Polícia Civil, ocorrendo morte ou não.
“A atuação dos policiais militares […] extrapolou as prerrogativas inerentes à Polícia Militar, adentrando ao âmbito de atuação que compete somente à Polícia Civil”, defende a solicitação do sindicato. O pedido inclui a instauração do IP (Inquérito Policial) para apurara conduta de Tonda e Quirino, que ambos e testemunhas sejam ouvidos, além que o Batalhão Militar de São Sebastião entregue as gravações do Copom e o rastreamento das viaturas e tablets dos PMs.
O apontamento de Raquel Kobashi Gallinati e do Sindpesp é rebatido pelo ex-secretário nacional de segurança e coronel reformado da PM paulista, José Vicente da Silva Filho. Segundo o policial reformado, é prerrogativa do comandante do batalhão investigar crimes militares cometidos pela tropa, o que diz ter “cansado de fazer” quando comandava batalhões.
“A troca de tiros, se feriu uma pessoa, é um crime militar e, como militar, é apurado pelo Código de Processo Penal Militar. Isso obriga que o chefe do PM tome as providências. Se é um crime comum, é atribuição do delegado. Essa autoridade militar é irrenunciável na hipótese de crime militar, se é o caso de morte, aí é na Justiça comum”, justifica Vicente.
De acordo com a desembargadora do TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo, Ivana David, não compete à PM investigar se o disparo ocorreu dentro das normas da polícia.
“Quem decide se foi tentativa de homicídio é a Justiça Comum. A Polícia Civil tem que fazer a ocorrência e o júri é na Justiça Comum pela Constituição federal, não a militar. É o juiz quem diz se é ou não caso de júri e, aí, manda para a Justiça Militar”, explica a magistrada.
À Ponte, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, gerida pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), explicou que “todos os fatos relativos ao caso são apurados pelo 1º DP de São Sebastião e pela Polícia Militar, que instaurou um inquérito policial militar (IPM). As armas envolvidas na ocorrência foram encaminhadas à perícia”.