Ex-marido de Selma Almeida da Silva perdeu as esperanças e procurou autoridades para informar desaparecimento dela e dos filhos gêmeos após desabamento de prédio em SP
“Sinto que estão me enrolando aqui, mas já sei o que aconteceu. Sei que é para eu falar para os meninos da família que ela morreu”. É assim que Antonio Ribeiro, ex-marido de Selma Almeida da Silva, de 38 anos, resume a angústia gerada pela espera por notícias de uma das vítimas desaparecidas na queda do edifício Wilton Paes de Almeida, na madrugada de terça-feira (1/5), no centro de São Paulo.
Ribeiro foi o primeiro familiar de vítimas a procurar a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e o Corpo de Bombeiros e declarar oficialmente o sumiço da ex-companheira. As buscas pelos 49 desaparecidos continuam. Selma estaria com dois de seus filhos no momento em que o prédio desabou e, como morava no oitavo andar, não conseguiu escapar.
Moradora da ocupação há pelo menos cinco anos, Selma teve um relacionamento com Ribeiro nos anos 2000 e, juntos, tiveram uma filha. Os dois se conheceram logo que ela chegou da Bahia e veio para São Paulo em busca de melhores condições de vida.
“Nós ficamos juntos por um ano e tivemos nossa menina, que já está com 14, a Ketlyn. De vez em quando eu passava no prédio e dava um dinheiro para a Selma cuidar das crianças”, conta. Segundo o pai, a filha não estava na ocupação no momento do desabamento.
Além da menina, ela tinha mais dois filhos gêmeos de oito anos. Os garotos também estão entre os quatro desaparecidos – além de Selma, o outro morador é Ricardo Amorim, que estava prestes a ser resgatado por um bombeiro quando o prédio desabou.
O relacionamento entre Antônio e Selma hoje em dia se limitava a essas visitas na porta da ocupação. Antônio sequer sabia o nome dos dois meninos, pois a mãe descia sozinha e ele nunca entrou no edifício onde agora restam escombros.
Restou o chão
Aquele monte de ferros retorcidos e pedaços de concreto eram o teto de mais de 300 pessoas. Homens, mulheres, crianças e idosos perderam o lar e restou o chão do Largo do Paissandu, em frente ao antigo prédio, que um dia foi sede da Polícia Federal. Mais de 30 horas após o incêndio tomar conta do quinto andar e se espalhar por todos os 22 andares e os dois subsolos, as pessoas seguiam no Largo. Sair dali para albergues não é uma opção. Ou vão para outra ocupação ou para um lugar com mínimas condições para se alocarem com os filhos e os pertences, contam os sobreviventes.
“Os albergues são ambientes muito marginais, com o perdão da expressão. Não é lugar para idosos como eu ou crianças. Quem é solteiro e homem consegue ir tranquilamente. Nós, não”, conta Antônio Pereira, de 76 anos. Ele morava há um ano e três meses na ocupação do Paissandu por não ter condições de pagar aluguel.
Pereira veio da Bahia com o pai na década de 70 e ajudava na renda da família trabalhando em um bar e restaurante. Quando cresceu virou vendedor e se mudou para a Vila Mariana. Morava em uma casinha até ser despejado por atrasar os aluguéis. “Perdi minha renda, tinha só a aposentadoria e não dava para as contas”, explica, dizendo pagar mensalidade de R$ 210 para viver na ocupação.
Desde a tragédia, ele conta ter recebido ajuda apenas de pessoas anônimas. Do governo? “Não vi nada. Tudo que chegou é de gente que quis ajudar. Comida, remédio… Fora que o auxílio que eles querem pagar para a gente pode até ajudar, mas não resolve, não é definitivo. Imagino conseguir uma moradia em uns dois, três dias. Do Largo, não saio”, continua.
A atitude de resistência é compartilhada por outro sobrevivente, o ex-gari e agora desempregado José Belo da Silva, 48 anos, que dividia um espaço na ocupação com a mulher, a cunhada e três filhos. Mesmo quando trabalhava, a renda era insuficiente para um aluguel, tanto que largou seu bairro, Peri Alto, para morar no antigo prédio da PF. Ele lembra do desespero ao ouvir os gritos de ‘fogo’.
“Deu tempo de acordar todo mundo e sair. Eu já estava acordado, levantei minha esposa, meus filhos e em menos de cinco minutos estávamos na rua. Deu mais 15 minutos e o prédio tava no chão”, conta.
O dinheiro recolhido era usado na manutenção. Segundo Ricardo Luciano, do movimento MGM (Movimento Grito por Moradia), a quantia servia para pagar despesas com desentupimento de esgoto, conserto da bomba da caixa d’água, entre outras despesas relativas a manutenção. No entanto, reportagem do Jornal Nacional aponta que moradores pagavam valores que variavam entre R$ 200 e R$ 500 de acordo com o tamanho do cômodo que ocupavam e inadimplentes eram expulsos do local.
“Não existe líder aqui, é um corpo de pessoas. Todo dinheiro arrecadado era para o prédio, não existia caixa”, conta o ex-morador de rua, que encontrou na ocupação um espaço para si desde quando foi expulso da casa onde vivia, no Parque São Lucas, pela própria mãe por causa de recorrentes brigas. À reportagem da Ponte, Ricardo Luciano falou que a ocupação pertencia ao Movimento Grito Por Moradia (MGM). No entanto, do dia do ocorrido até a noite desta quarta-feira, Ricardo já disse que o movimento pertencia ao MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia) e também Luta por Moradia Digna (LMD).
Desde terça-feira (1/5), doações chegam de todas as partes da cidade. A maior demanda é por roupas e produtos de higiene pessoal: tudo recebido e organizado pelos moradores da antiga ocupação. Uma cozinha improvisada foi montada no largo e voluntários levaram refeições às famílias.