Site racista do Rio é novo ataque de trolls de extrema direita

    Aluno da Unicarioca viu seu nome associado a ataques racistas contra colegas, uma farsa criada por trolls ligados ao Dogolachan, que defende pedofilia e feminicídio. Anteriormente, grupo criou e-mail com ameaça terrorista à USP

     

    O consultor de tecnologia Ricardo Wagner, 28 anos, que cursa análise e desenvolvimento de sistemas na Unicarioca, no Rio de Janeiro, se viu acusado de racismo pelos próprios colegas e até pelo diretório acadêmico da universidade depois que um grupo de trolls criou um site de ódio chamado Rio de Nojeira em seu nome. Não foi a primeira vez. No ano passado, os mesmos trolls usaram perfis falsos com o nome de Ricardo para enviar ameaças e ofensas a pessoas tão diferentes como a advogada Janaína Paschoal, o ex-ator pornô Alexandre Frota e o escritor Anderson França.

    Todas as farsas foram armadas por internautas ligadas ao fórum Dogolachan, em que anônimos passam os dias defendendo a pedofilia, o feminicídio e o racismo e planejando a criação de ameaças e conteúdos ofensivos em nome de desafetos. Um dos principais alvos dos trolls é a professora Lola Aronovich, constantemente atacada por ser mulher e feminista. No caso de Wagner, o ódio dos trolls não teve qualquer motivação ideológica. Nasceu de uma discussão no Cartola FC, um jogo de fantasia sobre futebol.

    “Um usuário conhecido como Alemão, após ter sido expulso temporariamente da comunidade, voltou extremamente agressivo, fazendo exposição dos moderadores e outros usuários”, conta Ricardo. Ele lembra que confrontou o troll, que acabou sendo expulso definitivamente pelos membros do Cartola em março do ano passado. “Ele me jurou e começou a fazer ataques a partir de abril”, relata.

    O último ataque teve início em 13 de dezembro, quando os anônimos do Dogolachan anunciaram a criação do site racista Rio de Nojeira em nome de Ricardo. No fórum, a autoria do blog aparece associada a Goec, um outro apelido de Alemão. Apuração da Ponte confirmou a existência do domínio em nome do consultor.

    Membros do Dogolachan anunciam criação do site Rio de Nojeira, em 18/12

    Na semana passada, um post chamado “Quando foi que a UNICARIOCA deixou de pertencer à elite branca e passou a ser infestada por favelados, mulatos, negros cotistas, PROUNI e FIES?”, atacou os alunos negros da instituição. O DCE (Diretório Central dos Estudantes) protestou denunciando Ricardo.

    “O DCE UniCarioca recebeu mais uma denúncia de racismo envolvendo, novamente, o aluno Ricardo Wagner (o mesmo que cometeu crimes raciais meses atrás em uma publicação no grupo ‘Alunos UniCarioca’). Desta vez, Ricardo publicou um texto, no site “Rio de Nojeiras”, ofendendo estudantes e professores negros. Na publicação tinha fotos e contatos dos estudantes e professores agredidos. Além de racista, o agressor se mostrou machista ao atacar uma das alunas mencionadas”, afirmou o DCE em nota. “Vamos formar uma ação contra o estudante machista, racista, homofóbico e nazista. Abominamos qualquer tipo de preconceito dentro e fora da instituição”, acrescentou.

    A reportagem entrou em contato com duas vítimas dos ataques racistas. A estudante de jornalismo Kathllen Barbosa, 20 anos, comentou que apesar de sofrer racismo diariamente não esperava um ataque desse tamanho. Sua colega de curso, Hellen Oliveira, foi outra citada na postagem. “O que eu eu sei é que é um estudante da mesma unidade que a minha e que se diz inocente, alegando uma história de ciberbullying punk”, disse a estudante.

    O DCE da instituição orientou os alunos que se sentiram lesados a prestar queixa na Delegacia Repressão aos Crimes de Informática, na Cidade da Polícia. Na manhã desta segunda-feira (8/1), Ricardo esteve na delegacia e prestou depoimento.

    Em entrevista aos jornalistas, o delegado Marcos Motta descartou que Ricardo estivesse por trás das ofensas. “Essa hipótese já foi afastada, uma vez que no mesmo horário em que ele se encontrava na delegacia foram feitos posts [no Rio de Nojeira]. Esse fato, mais todo o conjunto de evidências que reunimos até o momento, nos permite afirmar que ele não é o autor das ofensas”, afirmou o policial.

    A empresa Now Top indica que o domínio “riodenojeira.com” está em uso desde o dia 13 do mês passado, sendo registrado em um e-mail com o nome de Ricardo que já havia sido utilizado anteriormente em outras ameaças. Na postagem da criação do site, é possível ver ainda que um usuário afirma que aprendeu a fraudar o Paypal e pagar “as paradas”. Enquanto isso, outros anônimos comemoram a criação do primeiro site “alt-right” brasileiro.

    Mais recentemente, um dos usuários questionou em uma postagem que fazia troça da viralização do texto do Rio de Nojeira. “Qual o motivo do criador do blog não ter hospedado o domínio na Malásia, assim como foi feito com o Dogola? Isso evita que as denúncias derrubem o site”, pontua. Em sua página inicial, o Dogolachan destaca que o domínio se encontra sob jurisdição malaia, o que supostamente impediria quaisquer ações judiciais brasileiras.

    Ódio e frustração

    Apelidado de “Homem-aranha” pelos membros do Dogolachan, por conta de uma das fotos de seu perfil, Ricardo viu seu nome e alcunha sendo usado em perfis e e-mails falsos que ameaçavam pessoas e compravam brigas pela internet afora. Um dos casos foi a ameaça ao escritor Anderson França, que decidiu cancelar sua ida à Flip por segurança. Na ameaça é possível ver que o autor se intitula “Homem Aranha”.

    Outra vítima do Dogolachan no site Rio De Nojeira é o youtuber Izzy Nobre, colocado como autor de outro texto de cunho racista e machista. Izzy já escreveu sobre as atuações dos trolls anteriormente. A Blogueira Lola Aronovich também já foi vítima do grupo e igualmente escreveu detalhadamente a respeito. Em postagens recentes, o grupo voltou a ameaçá-la de novos ataques em breve.

    O fórum Dogolachan é frequentada por homens que se reconhecem como frustrados e que têm raiva de muita gente: negros, gays, lésbicas, trans, esquerdistas, judeus… Mas nenhum ódio merece tantos posts e desperta uma torrente tão caudalosa de ofensas quanto o ódio que sentem pelas mulheres.

    Mulheres, para os membros do Dogolachan, são “depósitos de porra”, as “criaturas mais hipócritas e deploráveis do universo”, vadias que “só sabem dar para o pior tipo de lixo”. Nos posts do fórum, celebram autores de feminicídios como “heróis” e elogiam a beleza de lolitas russas de cinco anos, por serem livres de “miscigenação e essa degeneração toda”, enquanto debatem a respeito das melhores técnicas para sequestrar e estuprar adolescentes.

    Nas postagens que atualmente estão no ar (todo o conteúdo é tirado do ar periodicamente), é possível ver desde um homem ameaçando cometer assassinato após ser ameaçado de demissão por xingar uma mulher de vadia (“Se eu cometer algo, logo saberão nos noticiários. Tenho um 38 e um jet loader que ganhei de um falecido tio e 20 munições”) até um post em que enfileiram argumentos a favor do estupro da youtuber e ex-Master Chef Valentina Schulz, 14 anos, uma das obsessões dos Dogolas. Para um dos anônimos do fórum, estuprar a adolescente seria um ato libertário comparável ao massacre de 12 crianças praticado por Wellington Menezes de Oliveira em 2011.

    Ameaças contra a youtuber Valentina Schulz, 14 anos

    Criar conteúdo ofensivo e atribuí-lo a desafetos, para que sejam perseguidos e tenham problemas com a polícia, é uma das táticas mais usadas pelo grupo. O mesmo modus operandi foi adotado num e-mail com ameaças de ataque terrorista do Estado Islâmico enviado à USP (Universidade de São Paulo), em 4 de dezembro de 2017 que ameaçava “matar o maior número de viados, travestis, esquerdistas e feministas”.

    O e-mail levava a assinatura de Murilo Ianelli Chaves, um desafeto do Dogolochan. Por causa da mensagem falsa, Murilo teve de comparecer ao 93º DP (Jaguaré) para prestar esclarecimentos e viu seu nome associado na internet ao terrorismo fundamentalista. No Dogolachan, os membros comemoraram a trollagem contra Murilo. “Esse cara vai ter problemas quando tentar tirar o visto americano”, disse um deles.

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