Ato ocorreu na Avenida Paulista neste sábado (2) e marcou os 29 anos da chacina que segue impune mesmo depois de quase três décadas: “não pdemos deixar a história ser esquecida”
Uma parte significativa do público de esteve na tarde deste sábado (2/10) na Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, durante a aula pública sobre o Massacre do Carandiru, não era viva ainda ou era muito pequena para lembrar o que foi o dia em que a Polícia Militar invadiu a Casa de Detenção e executou 111 presos. Por isso sobreviventes da ação policial, ocorrida em 2 de outubro de 1992, e ativistas anti encarceramento ressaltam a importância de relembrar o que foi aquele dia.
A atividade organizada pela Frente Estadual pelo Desencarceramento reuniu dezenas de pessoas momentos antes dos ato contra o presidente Bolsonaro e levantou a discussão do que foi o massacre e o como se encontra o atual sistema de encarceramento do país. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, atualmente mais de 750 mil pessoas vivem atrás das grades no país.
Passados 29 anos, até hoje ninguém foi preso ou responsabilizado por todas as mortes ocorridas no Carandiru. A defesa dos policiais que participaram da ação quer levar agora o caso para o Supremo Tribunal Federal (STF), já que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cancelou a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que tinha decidido dar com inválido o júri que condenou os agentes de segurança envolvidos no episódio.
Para quem conseguiu escapar da morte naquele dia, saber que aqueles que mataram muitos e por pouco não tiraram a sua vida não tiveram nenhuma punição até hoje mexe com os sentimentos. “É revoltante essa injustiça depois desses anos todos. O que eu posso fazer é não me calar e levar essa denúncia por onde eu for, principalmente na perifeira”, afirma José André de Araújo, sobrevivente do massacre e mais conhecido como André du Rap.
Vivos
No dia em que completou 21 anos de idade, André teve que se jogar no meio de vários cadáveres. E ali ficou, segundo as suas contas, por pelo menos oito horas. Hoje ele só consegue contar esta história por ter se fingido de morto durante aquele 2 de outubro. Driblou a morte, mas as marcas ficaram.
“Para sempre eu vou ser chamado de ex-presidiário. É a marca que o sistema deixa na gente. Hoje eu sou rapper, escritor, faço trabalho social, mas sempre vão apontar para mim como uma pessoa que passou pela cadeia.”
Aos 64 anos, o que não falta para Kric Cruz, que também estava no Carandiru naquele dia, são memórias do cárcere. Ele lembra em detalhes tudo o que ocorreu no massacre e conta que a tragédia podia ser bem pior do que foi.
“Eu morava no pavilhão 8, do lado de onde houve as mortes. Escutei todos os tiros e gritos. A gente sabe que não foram só 111. Foram muitos mais. Aqueles que não tinham parentes para reclamar, foram deixados para trás”, diz o ex-detento.
“Eles queriam entrar no 8, onde estavam os bandidos perigosos e grandes dentro cadeia, mas não conseguiram. Aí foram para o 9 onde tinha molecada recém saída da Febem. É só ver a idade das vítimas. A maioria tinha entre 19 e 21”, completa Kric.
Para não esquecer
Coordenadora da Cooperativa Libertas, que faz trabalho em presídios, e integrante da Pastoral Carcerária, Geralda Ávila, explica a importância de atos como a aula pública, para que os 111 não sejam nunca esquecidos e para lembrar que violências ocorrem todos os dias em diferentes prisões pelo Brasil. “A prisão já é um massacre”, define ela.
André Du Rap concorda que essas ações são essenciais para a memória daqueles que se foram pelas mãos do Estado e por aqueles que, como ele, resistiram. Ele garante que mantém contato com diversos sobreviventes, mas que muitos preferem não aparecer nesses eventos por medo de se expor e não reviver aquele dia.
“Isso aqui serve para conscientizar a nossa população. Quanto mais pessoas escutarem nossas histórias, menor a chance de cenas como aquelas se repitirem. Por isso é importante está aqui”.
Kric Cruz leva também como missão levar aos mais jovens a sua experiência, através da música e de palestras. “Os jovens nem aprendem a história oficial na escola, quem dirá uma história como a nossa. Desde que eu saí, todos os anos participo desses atos para lembrar do Massacre do Carandiru. Não podemos deixar a história ser esquecida”.
Veja abaixo mais imagens da aula pública: