Sobreviventes do Carandiru participam de aula pública sobre o massacre

Ato ocorreu na Avenida Paulista neste sábado (2) e marcou os 29 anos da chacina que segue impune mesmo depois de quase três décadas: “não pdemos deixar a história ser esquecida”

Aula pública sobre o Massacre do Carandiru foi realizada na Praça do ciclieta, centro de São Paulo, neste sábado (2), aniversário de 29 anos da chacina | Foto: Sergio Silva / Ponte Jornalismo

Uma parte significativa do público de esteve na tarde deste sábado (2/10) na Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, durante a aula pública sobre o Massacre do Carandiru, não era viva ainda ou era muito pequena para lembrar o que foi o dia em que a Polícia Militar invadiu a Casa de Detenção e executou 111 presos. Por isso sobreviventes da ação policial, ocorrida em 2 de outubro de 1992, e ativistas anti encarceramento ressaltam a importância de relembrar o que foi aquele dia.

A atividade organizada pela Frente Estadual pelo Desencarceramento reuniu dezenas de pessoas momentos antes dos ato contra o presidente Bolsonaro e levantou a discussão do que foi o massacre e o como se encontra o atual sistema de encarceramento do país. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, atualmente mais de 750 mil pessoas vivem atrás das grades no país.

André du Rap estava no Pavilhão 9 do Carandiru no momento do massacre e teve que se esconder no meio de corpos para sobreviver | Foto: Sergio Silva / Ponte Jornalismo

Passados 29 anos, até hoje ninguém foi preso ou responsabilizado por todas as mortes ocorridas no Carandiru. A defesa dos policiais que participaram da ação quer levar agora o caso para o Supremo Tribunal Federal (STF), já que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cancelou a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que tinha decidido dar com inválido o júri que condenou os agentes de segurança envolvidos no episódio.

Para quem conseguiu escapar da morte naquele dia, saber que aqueles que mataram muitos e por pouco não tiraram a sua vida não tiveram nenhuma punição até hoje mexe com os sentimentos. “É revoltante essa injustiça depois desses anos todos. O que eu posso fazer é não me calar e levar essa denúncia por onde eu for, principalmente na perifeira”, afirma José André de Araújo, sobrevivente do massacre e mais conhecido como André du Rap.

Vivos

No dia em que completou 21 anos de idade, André teve que se jogar no meio de vários cadáveres. E ali ficou, segundo as suas contas, por pelo menos oito horas. Hoje ele só consegue contar esta história por ter se fingido de morto durante aquele 2 de outubro. Driblou a morte, mas as marcas ficaram.

Kirc Cruz, sobrevivente do Massacre do Carandiru, em aula pública na Avenida Paulista nesta sábado (2) | Foto: Sergio Silva / Ponte Jornalismo

“Para sempre eu vou ser chamado de ex-presidiário. É a marca que o sistema deixa na gente. Hoje eu sou rapper, escritor, faço trabalho social, mas sempre vão apontar para mim como uma pessoa que passou pela cadeia.”

Aos 64 anos, o que não falta para Kric Cruz, que também estava no Carandiru naquele dia, são memórias do cárcere. Ele lembra em detalhes tudo o que ocorreu no massacre e conta que a tragédia podia ser bem pior do que foi. 

“Eu morava no pavilhão 8, do lado de onde houve as mortes. Escutei todos os tiros e gritos. A gente sabe que não foram só 111. Foram muitos mais. Aqueles que não tinham parentes para reclamar, foram deixados para trás”, diz o ex-detento.

“Eles queriam entrar no 8, onde estavam os bandidos perigosos e grandes dentro cadeia, mas não conseguiram. Aí foram para o 9 onde tinha molecada recém saída da Febem. É só ver a idade das vítimas. A maioria tinha entre 19 e 21”, completa Kric.

Para não esquecer

Coordenadora da Cooperativa Libertas, que faz trabalho em presídios, e integrante da Pastoral Carcerária, Geralda Ávila, explica a importância de atos como a aula pública, para que os 111 não sejam nunca esquecidos e para lembrar que violências ocorrem todos os dias em diferentes prisões pelo Brasil. “A prisão já é um massacre”, define ela.

Geralda Ávila, coordenadora da Cooperativa Libertas e integrante da Pastoral Carcerária | Foto: Sergio Silva / Ponte Jornalismo

André Du Rap concorda que essas ações são essenciais para a memória daqueles que se foram pelas mãos do Estado e por aqueles que, como ele, resistiram. Ele garante que mantém contato com diversos sobreviventes, mas que muitos preferem não aparecer nesses eventos por medo de se expor e não reviver aquele dia.

“Isso aqui serve para conscientizar a nossa população. Quanto mais pessoas escutarem nossas histórias, menor a chance de cenas como aquelas se repitirem. Por isso é importante está aqui”.

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Kric Cruz leva também como missão levar aos mais jovens a sua experiência, através da música e de palestras. “Os jovens nem aprendem a história oficial na escola, quem dirá uma história como a nossa. Desde que eu saí, todos os anos participo desses atos para lembrar do Massacre do Carandiru. Não podemos deixar a história ser esquecida”.

Veja abaixo mais imagens da aula pública:

Foto: Sergio Silva / Ponte Jornalismo
Foto: Sergio Silva / Ponte Jornalismo
Foto: Sergio Silva / Ponte Jornalismo

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