Líder de associação de posseiros em Colniza (MT): ‘Sou marcado pra morrer’

    Derisvaldo de Sá teve casa atacada a tiros, mas segue trabalho na cidade, palco do primeiro conflito de terra no Brasil em 2019, com um morto e oito feridos em ataque a tiros no dia 5 de janeiro

    Marcas de tiros no portão da casa e no carro do presidente da associação | Foto: Arquivo pessoal

    Era a noite de terça-feira (12/2), quando seis tiros atingiram a casa de Derisvaldo de Sá, presidente da Associação Gleba União, grupo que atua em defesa dos posseiros que vivem no entorno da Fazenda Agropecuária Bauru, conhecida como Fazenda Magali. O local é da família do ex-deputado estadual José Riva (PP), e fica localizado na cidade de Colniza, no Mato Grosso, onde aconteceu o primeiro conflito agrário no Brasil em 2019, com uma morte e oito pessoas feridas.

    Derisvaldo estava com a sua esposa na hora dos disparos. O casal, ainda assustado, pediu ajuda à Comissão da Pastoral da Terra. “Eu sou um homem marcado para morrer, só não sei quando. Já foi falado que eu vou morrer de acidente, de assalto. Não posso ir mais em uma lanchonete, pizzaria… Escureceu eu fico dentro de casa”, revela o presidente da associação, em conversa com a Ponte.

    Ele entrou em contato com a reportagem no início de fevereiro. Pretendia alertar que o conflito no entorno da fazenda havia se intensificado. “A gente continua sendo ameaçado por policiais, por oficiais, por juízes corruptos. O acampamento é 6 km fora da área [onde fica localizada a fazenda] e agora eles querem nos tirar de lá. Já tá com três dias seguidos que entra viaturas com policiais e oficiais ameaçando o pessoal”, afirmou, na época. O conflito agrário instaurado na região já deixou 9 vítimas este ano em ataque em 5 de janeiro. Um homem morreu.

    O delegado Gutemberg de Lucena Almeida, da Polícia Civil de Colniza, afirmou que a princípio considera forte a possibilidade do ataque à casa estar relacionado ao conflito na Fazenda Bauru. “Foi instaurado inquérito policial por disparo de arma de fogo, realizado o levantamento do local, coleta de material para perícia balística e as diligências para identificar e qualificar os dois suspeitos e eventuais mandantes estão em andamento”, explica o profissional.

    Cerca 200 famílias vivem no local | Foto: Arquivo pessoal

    Quanto às ameaças promovidas por policiais, a Assessoria de Comunicação da Polícia Militar informou que “no Sistema Corregedoria Digital até o momento não foi instaurado nenhum procedimento Administrativo referente à Fazenda Agropecuária Bauru e Fazenda Magali, na região de Colniza, em Mato Grosso”. Quanto às estratégias para lidar com os conflitos na região, a Sesp (Secretaria de Segurança Pública) do Mato Grosso afirmou que por nota que o “Comitê de Conflitos Agrários, coordenado pela Casa Civil, que a Sesp tem assento, tem buscado diálogo com as entidades que representam os acampados, como o Fórum de Direitos Humanos e da Terra, que são interlocutores entre o Poder Público e as famílias que reivindicam o direito à terra”, assegura.

    Decisão judicial

    A última decisão proferida pela Vara Agrária de Cuiabá foi em 15 de janeiro de 2019. No documento, o juiz Carlos Roberto de Campos determinou que os posseiros ficassem 20 km distantes da Fazenda Agropecuária Bauru. A decisão ainda impõe sobre eles – e a qualquer associação ou movimento social que apoie a permanência deles no local – uma multa de R$ 1 mil por dia.

    Há controvérsias a respeito da decisão do juiz, uma vez que no processo ele alega que a cautela para definir o perímetro de distância foi para “preservar a integridade física dos funcionários da propriedade, bem como evitar nova ameaça, turbação ou esbulho à posse”. O magistrado alega que o conflito instaurado em janeiro foi protagonizado pelos posseiros que portavam “arma de fogo e brancas, motivo que exigiu a atuação de defesa dos seguranças terceirizados da propriedade, ocasionando mortes e ferimentos”. Ele torna vítimas baleadas em agressores.

    Na ocasião, a Polícia Civil descartou a hipótese de que os posseiros estavam armados, conforme investigação inicial feita no perímetro do ataque. Inclusive, afirmou que os tiros na caminhonete da Unifort Segurança Patrimonial, responsável pela segurança da fazenda, partiram das armas dos próprios funcionários da empresa. Via assessoria de comunicação, o órgão reiterou que, na ocasião, “não houve nenhuma cápsula de arma que não fosse dos seguranças”, pontua.

    Trabalhadores protestam contra decisão judicial e contra o ataque a tiros | Foto: Arquivo pessoal

    As vítimas da investida promovida pela segurança armada da fazenda seguem em tratamento desde o ataque. A esposa de um dos posseiros que levou um tiro, que prefere não ser identificada por questões de segurança, conta que o marido ainda segue tomando remédios para dor e anti-inflamatório, e pede ajuda quanto às ameaças que o acampamento têm recebido. “Alguém precisa mostrar o que está acontecendo aqui, ainda estamos sendo ameaçados. Aos poucos, eles estão matando o nosso povo”, afirma.

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