STJ adia análise de recurso que culpa o Estado por cegar fotógrafo baleado pela PM de SP em 2013

    Sérgio Silva, integrante da Ponte, cobria protesto ocorrido em 2013 quando foi atingido no olho esquerdo por uma bala de borracha; Justiça de SP o considerou culpado pelo ferimento ao ‘se colocar na linha de confronto’ e ele entrou com recurso

    Cena do documentário ‘Marcha Cega’ mostra intervenção do caso Sérgio Silva na esquina onde foi ferido pela PM | Foto: Divulgação/Salvatore Filmes

    “Infelizmente, já era previsível. Justiça para nós é lenta!”. Dessa forma o fotógrafo Sérgio Silva resume a retirada de pauta do recurso que move no STJ (Superior Tribunal de Justiça) em que tenta reverter a decisão da Justiça paulista que o considerou culpado por ter ficado cego após ser atingido por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo. O dano irreversível em Sérgio aconteceu durante uma manifestação no dia 13 de junho de 2013.

    Há quase seis anos, a busca é por uma resposta na Justiça, agora no âmbito federal e não mais estadual. Na semana passada, havia a possibilidade de a decisão na terceira instância ser divulgada. Antes de apelar ao STJ, o profissional recebeu duas decisões negativas ao processo que movia por danos morais e pedindo reconhecimento de falhas cometidas pelo Estado em garantir sua segurança.

    Primeiro, em agosto de 2016, a Justiça paulista considerou que a culpa pelo ferimento era do próprio Sérgio, que assumiu o risco “ao se colocar na linha de confronto entre a população e os policiais”. A decisão é do juiz Olavo Zampol Júnior, criticada por associações de fotógrafos, pelo Sindicato dos Jornalistas e outros profissionais da área. Um ano e três meses depois, em novembro de 2017, o TJ-SP emitiu decisão retirando a culpa exclusiva de Sérgio, mas considerando “não haver provas” de que o ferimento foi causado pelo disparo de um policial e, assim, eximindo o Estado de qualquer responsabilidade.

    A tentativa do fotógrafo é de o STJ rever a decisão completa, não apenas inocentá-lo de ter se ferido, como fez a segunda instância em São Paulo, mas também condenar o Estado por tê-lo cegado. A previsão era de o caso ser analisado entre o dia 4 e 10 de junho. No entanto, o processo retornou à relatora, ministra Regina Helena Costa, da 1ª Turma, e saiu de pauta sem prazo de retorno.

    As análises do STJ acontecem sem acompanhamento público, os temas são postos no plenário virtual do Tribunal e o resultado “pode ser obtido por meio de acompanhamentos processuais, no site do tribunal”, conforme explica sua assessoria de imprensa.

    À Ponte, Sergio Silva afirmou que recorrer à terceira instância é “uma tentativa do sistema judiciário reparar seu próprio erro e a Justiça ficar ao lado da vítima que, neste caso, sou eu. Se os homens do Poder Judiciário querem ser fiéis à Justiça, que ouçam também a voz da vítima”, explica.

    Na instância superior, a linha da defesa será a prova de que houve contradições nas decisões em SP e que o disparo foi feito pelo braço armado do Estado. Argumentarão que a presença da tropa era massiva naquela data, não só com o policiamento de área, mas também feito por pelotões considerados de elite, como o 3º Batalhão de Choque, que se utiliza de fardamento camuflado e balaclavas – máscaras que escondem o rosto e deixam apenas os olhos descobertos.

    “A ação foi proposta buscando provar que o Sérgio foi alvejado por um elastômero [bala de borracha] disparado por agente da Polícia Militar. Em 1ª instância o magistrado, partindo da premissa ‘de que teria sido o autor alvejado pela polícia com bala de borracha’, disse ser desnecessário ouvir testemunhas ou responder nossos quesitos médicos suplementares, pois seria hipótese de autocolocação em perigo. Por tal motivo, não faria ele jus a indenização, por se pôs dentro da linha de tiro”, explica o advogado de Sérgio, Lucas Andreucci.

    Ele explica que recorreram ao TJ, que alterou parcialmente a decisão, mas não por completo, pois faltava a coleta de provas que não foi feita no procedimento anterior. “A contradição é justamente esta: na 1ª instância não se deu oportunidade de produzir prova, principalmente ouvir testemunhas e ter respostas satisfatórias a quesitos técnicos e, na 2ª instância, os desembargadores disseram que a vítima não conseguiu provar seu ponto”, afirmou o advogado Lucas Andreucci, citando antecipação contrária ao art. 355 do Código de Processo Civil.

    Andreucci também se mostra resignado quanto a atuação do STJ no caso, já que órgão superior não tem competência para finalizar a análise definitivamente, somente anular a decisão da Justiça paulista. “No âmbito do STJ, infelizmente, não se pode discutir fatos ou o mérito da ação, mas apenas a violação à lei federal. O que se pretende com o recurso é anular a sentença de 1ª instância para que a vítima possa produzir as provas”, explica.

    Diante do julgamento, associações de jornalismo e entidades ligadas aos direitos humanos emitiram uma nota no que entendem que “o tribunal superior pode representar a última chance do sistema de justiça brasileiro corrigir a grave injustiça que marca um dos episódios mais emblemáticos de violência contra comunicadores no Brasil no contexto de protestos”.

    “O julgamento que irá ocorrer no STJ é sem dúvidas um passo muito importante para a resolução do caso que envolve o Sergio Silva. Ele vem há 6 anos lutando para que o Estado de São Paulo reconheça e repare o ferimento e os danos que causou quando o Sergio cobria uma manifestação na capital paulista. Até o momento o Judiciário brasileiro vem caminhando no sentido contrário do esperado”, explica Camila Marques, advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal da Artigo 19. “Na primeira instância, o juiz entendeu que a culpa era exclusiva dele porque ele teria se colocado na linha do tiro. Já na segunda instância os desembargadores entenderam que não havia provas suficientes para afirmar que os danos causados foram provocados por agentes de segurança do Estado. Com isso, temos 6 anos de uma grande injustiça contra o Sergio”, continua.

    Para a Camila, a decisão pode influenciar em novas manifestações. “O direito à liberdade de expressão e de manifestação é essencial em uma democracia. O dever do Estado é possibilitar que as pessoas possam ir às ruas, participar dos assuntos públicos, manifestar suas indignações e reivindicações. O principal papel dos agentes públicos deve ser o de possibilitar que um protesto possa acontecer normalmente tendo o seu início, meio e fim garantidos”, diz, citando não ocorrer isso nos dias atuais.

    “O cenário que vivemos no Brasil, infelizmente, é o contrário disso. Vemos de forma sistemática agentes de segurança agirem com violência e reprimirem manifestações sociais. O caso do Sérgio não é único e isolado desse cenário. Muitas outras pessoas são e foram feridas e alvos de violência quando estão nas ruas. Por isso, o sistema de justiça, ao culpabilizar o fotógrafo, está legitimando esse quadro de violência generalizado, além de chancelar a ausência de regras para o uso da força policial em protestos e certamente produz um efeito inibidor para todas as pessoas que cogitam ir às ruas”, argumenta.

    Tanto Camila quanto Sérgio Silva entendem que a ação policial violenta naquela data afastou muitas pessoas que pretendem se manifestar seja pela causa que for. “Recentemente, a Artigo 19 fez uma pesquisa de opinião para entender as percepções das pessoas com relação ao direito de protesto. E um dos principais dados mostrou que o que mais afasta as pessoas das ruas é o medo da violência”, resumiu a coordenadora da organização. “Já ouvi uma pessoa dizer que parou de ir em manifestação depois da repressão à manifestação do dia 13 de Junho de 2013, data que fui alvejado pela polícia”, conclui Sérgio.

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