Homem estava preso desde 2020 após policiais terem alegado que encontraram drogas em sua casa após invadi-la para “pegar seu documento” quando o abordaram em Bayeux, na Paraíba
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou soltar um homem negro de 30 anos, condenado por tráfico de drogas, ao considerar que os policiais militares não deram motivos que justificassem a abordagem nem a invasão à sua casa, ocorridas em 2020.
A Ponte contou esse caso em 2021, quando João (nome fictício) foi enquadrado na cidade paraibana de Bayeux, na região metropolitana da capital João Pessoa, por estar sem documentos e com R$ 36 no bolso. Os PMs alegaram que ele estava em “atitude suspeita” por ser “um local bastante conhecido pelo tráfico” e que, ao realizarem uma varredura no quintal da residência dele, sem nenhum tipo de mandado judicial, encontraram drogas enterradas, correspondentes a 165 trouxinhas com 140 gramas de maconha e outras 237 embalagens plásticas com 33 gramas de cocaína.
No registro, os policiais ainda disseram que abordaram o homem porque “tinham informação” de que ele seria traficante, sem especificar a procedência. João acabou condenado a seis anos e um mês de prisão em regime fechado por tráfico de drogas, além do pagamento de 615 dias-multa.
Na sua decisão, a ministra relatora Laurita Vaz, do STJ, ratificou dois entendimentos do colega ministro Rogerio Schietti: o de que a busca pessoal não pode ser baseada nas impressões do policial sobre a aparência ou “atitude suspeita” de alguém, ou seja, sem critérios objetivos, nem denúncia anônima como elemento isolado, e que a descoberta de drogas não autoriza a polícia a entrar em residência sem consentimento. Com isso, ela acatou o pedido liminar (de urgência) de habeas corpus solicitado pela Defensoria Pública da Paraíba em fevereiro.
“No caso, ao que parece, o ingresso forçado na residência do Paciente [João] está apoiado apenas em denúncias anônimas recebidas pelos policiais e por avistarem o Réu [João] em local conhecido como ponto de tráfico, circunstância que não justificam, por si sós, a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para ingresso na residência”, escreveu a magistrada.
De acordo com o defensor público Philippe Figueiredo, responsável pelo pedido, o STJ ainda vai avaliar o mérito da ação, ou seja, se João pode ser absolvido caso as provas sejam consideradas nulas, o que ainda não tem prazo para ser analisado. “Como o método que o Estado utilizou para conseguir essa prova foi ilegal, então essa prova é ilícita”, explica.
Para ele, o retorno do julgamento de um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal nesta semana, que tem como discussão abordagens policiais baseadas na cor da pele, pode impactar como o judiciário julga casos que se deram por enquadros de cunho racista.
“O caso que está sendo julgado pela Suprema Corte não tem efeito vinculante [que obrigatoriamente vale para casos semelhantes], porque é um habeas corpus, mas tem efeito pedagógico, de influência nas demais cortes do país”, pondera. “Então, nós entendemos que qualquer que seja a decisão do Supremo, vai ter impacto nas decisões dos tribunais”.