STJ nega recurso de fotógrafo cegado pela PM de SP em 2013

    Decisão unânime de cinco ministros aponta que pedido não preenchia requisitos para ser analisado, versão rebatida pela defesa de Sérgio Silva, profissional atingido por uma bala de borracha em junho de 2013

    Sérgio Silva discursa no lançamento do seu livro, Memória Ocular, em junho de 2018 | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    A Primeira Turma no STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu de forma unânime anular o recurso do fotógrafo Sérgio Silva, atingido por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo em junho de 2013. O profissional, integrante da Ponte Jornalismo, perdeu a visão do olho esquerdo. Com a decisão, prevalece o entendimento que não há prova de que um agente do estado causou a sua cegueira.

    De acordo com os ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Gurgel de Faria e Regina Helena Costa, relatora do caso, o pedido não preenchia os requisitos básicos para ser analisado. Assim, decidiram por negar o recurso antes mesmo de entrar no mérito posto pela defesa, o de não terem podido coletar provas na primeira instância – quando o juiz Olavo Zampol Júnior antecipou a decisão e considerou Sérgio culpado pelo ferimento ao se “ao se colocar na linha de confronto entre a população e os policiais”.

    A ação gera indignação do advogado Lucas Andreucci, que defende o fotógrafo. “Levamos ao STJ através de agravo, a relatora deu uma decisão negativa monocrática, depois entramos com outro para pedir decisão colegiada. Os cinco disseram que os requisitos não estão preenchidos”, explica. “Infelizmente é uma situação recorrente, em 99% dos casos que tentamos, seja na esfera criminal, direito público ou civil, é muito difícil chegar no STJ se não tiver pressão política ou for uma questão robusta. E isso em uma tramitação ordinária. Existe um filtro que a impressão que eles passam é a de que nem sequer leram o recurso. Não consta nenhum elemento que poderia ser o caso do Sérgio, poderia ser qualquer um”, critica o defensor.

    Ele explica que é difícil levar adiante processos contra o Estado, “principalmente contra São Paulo”, mas ainda nutre esperanças de reverter a decisão que vem desde a primeira instância – o STJ é a terceira, acima da análise do TJ (Tribuna de Justiça) de São Paulo, a segunda instância. Agora, as tentativas são com embargos no próprio STJ reanalisar novamente o caso e, também, com recurso extraordinário no STF (Supremo Tribunal Federal).

    ‘O erro vem da primeira instância’

    No dia 13 de junho de 2013, Sérgio Silva cobria uma manifestação na esquina da Rua Consolação com a Rua Caio Prado, na região central de São Paulo, quando foi baleado no olho. Nestes seis anos, ele busca na Justiça uma resposta cobrando a responsabilização e punição ao Estado pelo ocorrido.

    Primeiro, o fotógrafo foi acusado pela justiça dele mesmo ser o culpado pela cegueira. Depois, o TJ reformou parcialmente a decisão, retirando sua culpa, mas dizendo que ele não comprovou nos autos do processo provas suficientes que liguem o ferimento à atuação de um integrante do Estado. Segundo ele, há o apontamento de um médico que o socorreu, que não entrou nos autos justamente pelo juiz de primeira instância ter antecipado a análise.

    Sérgio lamenta a terceira decisão negativa. Dá mais indignação. Fica muito claro o quão ridículo é o funcionamento do sistema judiciário, primeira, segunda instância e, agora, no STJ. Nenhum momento estão analisando o meu ponto de vista, o da vítima. Foi o recurso do recurso, estávamos quase implorando para eles ‘olha, por favor, analisa o meu processo?'”, critica Silva. “Deu para sentir que é um processo muito marcado, parece ter uma bandeira nele, uma cor diferente na ponta da página para conduzirem dessa maneira. O erro vem da primeira instância, que o juiz não me deu tempo de produzir provas, decidiu sozinho”, emenda.

    O advogado Lucas Andreucci mantém confiança em reverter o processo, ainda que três instâncias da Justiça apontem o contrário. “Sempre dissemos que não seria fácil brigar contra o Estado, mas seguimos firme. Se preciso for, vamos para as cortes internacionais, interamericana, ONU… Estudar o que vai ser feito. E nessa articulação vai contar com muita gente. Aqui, no Brasil, o último é o STF, se disser não, acabou aqui”, explica.

    ‘Contraria todas as expectativas’

    Entidades ligadas aos direitos humanos e ao fotojornalismo se posicionaram previamente à decisão, apontando que o STJ teria a chance “crucial” de rever a decisão inicial da Justiça e “corrigir a grave injustiça que marca um dos episódios mais emblemáticos de violência contra comunicadores no Brasil no contexto de protestos”. ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Artigo 19, Intervozes, Instituto Vladimir Herzog e Repórteres Sem Fronteiras publicaram nota destacando que o caso “registra um histórico de injustiças”.

    A Artigo 19 lamentou mais uma negativa para o caso. “É uma decisão que contraria todas as expectativas da Artigo 19, que contraria as expectativas de Justiça no caso do Sérgio. É absolutamente essencial que o STJ pudesse garantir a reparação para o profissional e não legitimasse uma violência do Estado”, analisa a advogada Camila Marques, integrante da entidade.

    O Sindicato dos Jornalistas também se posicionou, ao lamentar “que as instâncias Justiça se esforcem para proteger o Estado, ao invés de reconhecer e garantir os direitos dos cidadãos e dos profissionais atingidos em trabalho. Desconhecemos que outros atores se utilizem de balas de borracha, além da força policial presente naquele momento, atirando contra manifestantes e jornalistas. O STJ perpetua uma injustiça e nega a reparação da violência praticada contra Sérgio Silva”.

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