O 7 de Setembro em que a PM bombardeou palhaços e afanou bandeiras

    PMs afanaram bandeira do Brasil para impedir que fosse pisada em ato e tentaram apreender bandeira anarquista de uma jovem

    As ruas ao redor da Praça Roosevelt, na região central de São Paulo, conheceram um Dia da Independência bem diferente no 7 de setembro deste ano.

    Começou com a chegada de uma manifestação de grupos antifascistas, anarquistas e comunistas contra o significado nacionalista da data. Continuou com a entrada de manifestantes vestidos de palhaços, que irritaram a PM ao tentar furar um cordão de policiais ao redor do protesto. Prosseguiu com os policiais atacando com bombas e gás lacrimogêneo os palhaços antifascistas e quem mais estivesse na rua.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Desembocou nas cenas de membros da Polícia Militar do Estado de São Paulo afanando uma bandeira do Brasil para impedir que fosse pisada pelos manifestantes e tentando impedir que uma mulher desfilasse com uma bandeira anarquista. E terminou com a mais nova detenção de uma jovem que em pouco mais de um ano já amargou uma dezena de detenções em protestos, nenhuma delas com motivação clara.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Com o lema “autonomia ou morte”, o protesto dos antifascistas e anarquistas saiu do Theatro Municipal, na Praça Ramos de Azevedo, por volta das 17h, passou pela Praça da República e chegou à Rua da Consolação, diante da Praça Roosevelt. Segundo os manifestantes, a intenção do grupo era chegar à Avenida Paulista, onde pretendia “melar” um ato convocado pela frente Vem Pra Rua. Nesse momento, chegaram os palhaços.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A molecada com nariz vermelho e cara pintada fazia parte de uma ala do protesto que havia ficado para trás e agora buscava se juntar aos demais. Só que, entre os palhaços e os outros manifestantes, reunidos diante da Igreja da Consolação, havia um cordão de policiais militares. Quando os palhaços anarquistas tentaram passar por ali, nenhum dos PMs riu. Houve discussão, depois bate-boca, até que por fim os policiais encerraram o debate argumentando com bombas e gás lacrimogêneo disparados sobre os palhaços, os outros manifestantes e quem mais passasse por ali.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Guerra das bandeiras

    Quando o ato começava a se dispersar, um grupo de ativistas improvisou uma performance na Rua Augusta, do outro lado da Roosevelt, em que pisaram e cuspiram numa bandeira do Brasil. Logo após dar seus pisões, um dos manifestantes deixou o pendão auriverde sobre o asfalto e se virou para buscar uma bandeira do Estado de São Paulo. A intenção era colocar uma ao lado da outra e pisotear ao mesmo tempo os orgulhos paulista e verde-e-amarelo. Então, sorrateiramente, como se participasse de uma partida de pega-bandeira, um dos policiais avançou. Afanou a bandeira do chão, antes que levasse um novo pisão de um militante, e voltou carregando nas mãos o lindo pendão da esperança para suas fileiras.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Após disparar mais bombas, os policiais voltaram a avançar e um deles aproveitou para pegar uma bandeira de São Paulo que os antifascistas haviam deixado no chão enquanto fugiam do ataque. O policial se abaixou, segurou a bandeira preta, branca e vermelha com as mãos e a sacudiu, triunfante, para fotógrafos que cobriam a cena.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A manifestação já havia terminado, pouco mais de uma hora após ter começado, mas a guerra das bandeiras prosseguiu na Praça Roosevelt, quando os policiais militares resolveram correr atrás de uma jovem que carregava uma bandeira preta e vermelha. “Que bandeira é essa?”, gritou um PM para ela, agarrando o mastro. “É a bandeira anarquista. É minha bandeira!”, respondeu a jovem, arrancando a bandeira das mãos do policial.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A discussão continuou, com os policiais tentando apreender a bandeira da anarquista e a jovem se recusando a entregá-la. “Ela estava na manifestação e poderia estar portando algum explosivo ou rojão, então decidimos abordar”, tentou justificar um oficial da PM para a Ponte. Uma PM feminina foi chamada para revistar a bolsa da anarquista. Depois que nada criminoso foi encontrado com a jovem, um oficial resolveu liberá-la, não sem antes garantir que as normas da Constituição continuavam a se aplicar para ela:

    “A senhora está liberada e pode se manifestar à vontade.”

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Ultrajar a bandeira nacional já foi crime, com pena prevista de seis meses a um ano de detenção, pela Lei de Segurança Nacional instaurada pelo Decreto-Lei 898 da ditadura militar, em 1969, e revogada pela Lei 7.170, de 1983, que eliminou o crime de ultraje à bandeira. O que mais se aproxima do antigo crime, na legislação em vigor, é uma contravenção penal (delito leve) introduzida em 1981 na Lei dos Símbolos Nacionais, que pune com multa quem praticar ações de desrespeito à bandeira nacional, como apresentá-la em mau estado de conservação ou usá-la como guardanapo.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Detida de novo

    Embora muitas cenas do embate no Sete de Setembro paulistano tenham oscilado entre o ridículo e o tragicômico, a situação foi bem mais séria para a única militante detida no protesto, Gessyka Moreira Souza. A jovem, que deu uma entrevista há dois meses para a Ponte, pouco antes de fazer 18 anos, sofreu cerca de uma dezena de detenções em pouco mais de um ano, ao participar de manifestações, e afirma que é perseguida pela PM. Ontem, Gessyka foi detida pela PM ao tentar impedir a abordagem dos policiais a um dos palhaços anarquistas. Levada ao 78º DP (Jardins), foi autuada por resistência e liberada em seguida.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    O vereador Eduardo Suplicy (PT) foi até a delegacia para acompanhar o caso de Gessyka. O advogado e pesquisador Giordano Magri, assessor do vereador, disse que a menina apresentava arranhões no pescoço que teriam sido provocados pelos PMs que a detiveram. “Depois que o delegado soube que Suplicy iria até a delegacia, mandou fazer um exame de corpo de delito nela”, contou. Para Gessyka, a situação toda, que começou com palhaços tentando ultrapassar uma fila de policiais e terminou com uma noite na delegacia e marcas de mãos de policiais em redor de seu pescoço – não teve qualquer graça.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Outro lado

    Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB), emitiu uma nota:

    A SSP informa que uma mulher foi conduzida ao 78º DP por resistência. Policiais Militares acompanhavam uma manifestação e relataram que a jovem tentou impedir uma abordagem e, por isso, foi detida. Ela assinou um termo circunstanciado na delegacia e foi liberada. Os manifestantes partiram do Theatro Municipal, passaram pela Praça da República e chegaram até a Praça Roosevelt, onde alguns dos participantes entraram em confronto com os PMs. Foi necessária intervenção da polícia para conter o princípio de tumulto. Não houve registro de feridos. O ato se encerrou às 18h20.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas