Especialista vê risco na proposta de atribuir à guarda ações de inteligência; já programa de saúde mental para os agentes é elogiado
Tabata Amaral (PSB) quer premiar agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) que reduzam crimes em áreas vulneráveis. A proposta faz parte do plano de governo da candidata à prefeitura de São Paulo. Para especialistas ouvidos pela Ponte, essa tarefa não é atribuição da GCM. Outro problema seria o critério para a bonificação, que não é descrito no plano. Risco de aumento de prisões de pobres e negros também é visto como problemático pelos pesquisadores.
Leia a análise dos planos de governo dos candidatos à prefeitura de São Paulo
A Ponte analisou os planos de governo dos cinco candidatos mais bem colocados nas pesquisas eleitorais. Foram consultados especialistas que analisaram as propostas dos candidatos para as áreas de segurança pública, políticas públicas para pessoas em situação de rua e direitos humanos, além de ações previstas para a região de cena aberta de uso de drogas, conhecida como “Cracolândia”.
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Adilson Paes de Souza, pesquisador em segurança pública e pós-doutorando em psicologia social no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), reforça que o combate ao crime não é papel dos guardas metropolitanos. “Isso é papel da Polícia Civil, da Polícia Militar nos estados e da Polícia Federal em âmbito federal”, afirma.
A proposta de Tabata atualiza a lei 15.367/11. Nela são previstas as Gratificações por Exercício de Função em Regiões Estratégicas para a Segurança Urbana. Isso significaria um pagamento adicional aos GCMs que atuem em áreas de difícil alocação de profissionais ou que têm caráter estratégico. Hoje, são exemplos a Inspetoria do Canil da Guarda Metropolitana e as regiões da Sé e da Mooca.
Leia o plano de governo de Tabata Amaral
Tabata pretende expandir essas gratificações para profissionais que atuem em áreas com maior índice de criminalidade. Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, vê essa estratégia com ressalvas. A pesquisadora diz que é importante incentivar profissionais a atuarem em áreas de periferia. Contudo, determinar que prisões sejam fator de bonificação pode levar a abusos e distorções. “Você tem de estruturar bem para evitar desvios, evitar gaming, a manipulação dos indicadores”, diz.
Além disso, esse tipo de bonificação pode fazer com que os agentes prendam os “suspeitos de sempre”, diz Cristina. Pobres e negros. “Esse programa tem de ser qualificado”, afirma.
GCM estilo ABIN
Tabata e a sua vice Lúcia França (PSD) também propõem que a GCM passe a participar de ações de inteligência. Uma delas seria a integração entre a guarda e o Poder Judiciário. O objetivo, entre outros, é identificar pessoas em descumprimento de medidas judiciais. “Parece-me que eles [candidatos] querem fazer uma polícia municipal institucionalizada com poderes de Abin”, alerta Adilson, fazendo referência à Agência Brasileira de Inteligência.
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A segurança pública também aparece como prioritária no plano de ações da prefeitura em parceria com o governo do Estado. Uma delas é a cassação das licenças para estabelecimentos que vendam celulares roubados. Outra, a adoção do modelo Compstat — que consiste no compartilhamento de informações sobre a segurança pública entre os diferentes órgãos do Estado. Segundo a prefeitura de São Paulo esse modelo de gestão já ocorre desde 2019.
Foco na saúde mental
A candidata também propõe que 100% das ocorrências de perturbação de sossego passem a ser atendidas pela GCM. A coordenadora do Sou da Paz vê a proposta com bons olhos, mas avalia que a efetividade no atendimento das ocorrências dependerá do quantitativo de GCMs. “Como a guarda, que é bem menor, vai responder a isso?”, questiona.
Para Adilson Paes, a medida é “extremamente positiva”, assim como a proposta de um programa robusto de promoção à saúde mental para os agentes.
Para Acácio Augusto, professor do departamento de Relações Internacionais da Unifesp e coordenador do Laboratório de Análise de Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento (LASInTec), Tabata tem um programa que atrela segurança pública com questões climáticas e de corrupção. Ele considera positiva a promessa da candidata de estruturar um grupamento climático dentro da GCM para cuidar de áreas verdes dentro da cidade.
O modelo segue o que é proposto pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública (FBSP) para atuação das prefeituras para mitigar o crime. “Em vez de ficar investindo em repressão, tentar estrangulá-los fiscalmente”, explica o professor.
Outro destaque do plano de Tabata, diz Acácio, é tratar questões de trânsito como questões de segurança. Um dos objetivos é a redução das mortes no trânsito com a intensificação da fiscalização.
“Cracolândia”
A extinção da “cracolândia” é uma das metas de Tabata. Para isso, seu plano propõe a oferta de atendimento de saúde especializado em dependência química e saúde mental, complementado por assistência social, buscando as famílias de quem for atendido.
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Com isso, Tabata pretende ressignificar esses espaços, “para trazer atividade econômica”. O plano fala em criar o Distrito de Santa Ifigênia, atraindo empresas de tecnologia e instituições de pesquisa e startups para a região.
Para Cristina, Tabata detalha bem as políticas voltadas para públicos vulneráveis. A mesma avaliação vale para as propostas contra a homofobia, racismo e equidade de gênero. Uma das promessas da candidata é preparar toda a estrutura da prefeitura, incluindo a GCM, para atuar na prevenção da violência contra esses grupos.
Outro lado
Após a publicação desta reportagem, a assessoria de imprensa da campanha de Tabata Amaral enviou um e-mail à redação para precisar as propostas da candidata, avaliadas pelos especialistas convidados pela Ponte. Ela afirma que o plano para a GCM não diz que prisões serão fatores de bonificação, e sim indicadores de resultado, como percentual de redução de furtos e roubos.
A campanha também negou que a atuação da GCM com inteligência (que aparece no plano divulgado pela candidata), em cooperação com o governo do estado e governo federal, configure uma espécie de Abin municipal, conforme apontado por um dos especialistas ouvidos pela reportagem. A proposta, diz a assessoria, é que os guardas que atuam na Inspetoria de Operações Especiais (IOE), responsável pela “Cracolândia”, possam identificar pessoas em descumprimento de medidas judiciais e notificar o Judiciário.
Leia a íntegra
Prezados, boa tarde.
Parabenizamos inicialmente pelo trabalho primoroso da Ponte e pelo compromisso em analisar os planos de governo dos candidatos à Prefeitura.
Em relação à matéria sobre o plano de governo da candidata Tabata Amaral, encontramos dois erros factuais, um deles inclusive está na manchete. Gostaríamos de compartilhar aqui para a devida correção.
Sobre a proposta de expandir as Gratificações pelo Exercício de Função para o GCM que atua em áreas com maior índice de criminalidade:
O Plano de Governo, em nenhum momento, fala que as prisões serão fatores de bonificação, como está escrito na matéria. O Plano diz em “premiar os guardas que atuam em inspetorias que reduzem os crimes”.
Ou seja, estamos falando de indicadores de resultado (como percentual de redução de furtos e roubos), e não de indicadores de processo (quantas operações policiais foram feitas, quanto tempo os guardas fizeram patrulhamento, etc.).
A quantidade de prisões poderia ser um indicador de processo, mas nunca um indicador de resultado. Há evidências robustas que mais prisões não reduzem a criminalidade.
Sobre a proposta de integração eletrônica entre a GCM e o Poder Judiciário:
Em momento algum o Plano de Governo fala sobre a GCM participar de ações de inteligência, muito menos tornar a GCM uma “polícia municipal institucionalizada com poderes de Abin”.
No capítulo sobre Cracolândia e Cenas Abertas de Uso de Drogas, há a proposta de criar mecanismos de integração eletrônica e imediata entre a GCM e o Poder Judiciário, a fim de identificar pessoas em descumprimento de medidas judiciais.
A proposta do plano de governo é que os guardas que atuam na Inspetoria de Operações Especiais (IOE), responsável pela Cracolândia, possam identificar pessoas nas cenas de uso aberto de drogas em descumprimento de medidas judiciais e notificar a Judiciário — por isso a integração eletrônica entre os órgãos é importante. Estamos criando fluxos para um procedimento que já ocorre.
Não há qualquer menção à possibilidade da GCM investigar essas pessoas ou participar de ações mais amplas de investigações, como o termo “Abin municipal” sugere. Isso seria ilegal, já que foge das atribuições da Guarda definidas pela Lei nº 13.022/2014, o Estatuto Geral das Guardas Municipais.
*Reportagem atualizada em 6/9/2024, às 18h30, para acrescentar a nota da assessoria de Tabata Amaral. Texto novamente atualizado em 11/9/2024, às 11h37, para incluir a íntegra da nota da candidata.
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