Defesa de Rafael Braga entra com recurso de apelação à sentença de condenação

    Documento questiona juiz por ter desconsiderado depoimento de testemunha, entre outros aspectos da sentença que condenou o ex-catador de latas por tráfico a associação ao tráfico de drogas em abril

    Rafael Braga no Escritório de Advocacia João Tancredo, onde trabalhava | Foto: Luiza Sansão/Ponte Jornalismo

    Foi protocolado na quarta-feira (19/07), pelos advogados do DDH (Instituto de Defensores dos Direitos Humanos) que atuam na defesa de Rafael Braga Vieira, o recurso de apelação à sentença do juiz Ricardo Coronha Pinheiro, que condenou o ex-catador de latas à pena de 11 anos e três meses de reclusão e ao pagamento de R$ 1.687 (mil seiscentos e oitenta e sete reais), no dia 20 de abril último, por tráfico e associação para o tráfico de drogas. A defesa também havia impetrado habeas corpus, solicitando a revogação da prisão preventiva de Rafael, no dia 1º de junho, mas o pedido ainda não foi julgado.

    Já nas preliminares do documento que apresenta as razões de apelação, os advogados abordam dois pontos específicos, afirmando que não houve fundamentação por parte do juiz para negar à defesa de Rafael dois de seus requerimentos: o de retirada das algemas de Rafael durante as audiências e o de diligências consideradas necessárias para o esclarecimento do caso — como as imagens da câmera da viatura em que Rafael foi levado pelos PMs e da câmera da UPP Vila Cruzeiro, para onde fora conduzido antes de seguir para a delegacia, em 12 de janeiro de 2016.

    “O primeiro sentido objetivo das razões de apelação é questionar duas nulidades: a primeira é o fato de ele ter respondido à segunda parte da audiência de instrução e julgamento algemado sem motivação. Esta é a primeira nulidade e a gente pede que o processo retroaja até essa data porque ele não poderia ter sido algemado sem a justificativa devida”, explica o advogado Carlos Eduardo Martins, do DDH, em entrevista à Ponte Jornalismo.

    O  juiz justificou a ordem para que as algemas fossem mantidas com a alegação de que se tratava de um caso de repercussão pública e que ele temia que o réu pudesse oferecer perigo à segurança dos presentes. Na segunda parte da audiência, cerca de dois meses depois, ele “se reportou automaticamente aos fundamentos da primeira parte da audiência”, segundo Martins. “Existe perigo à segurança de maneira corrente e imutável? Porque o mesmo fundamento daquela época, de março, abril, se aplicar ao contexto de maio, é como se o mesmo fundamento servisse para justificar todo e qualquer ato. Não houve uma motivação, tipo ‘me reporto aos fundamentos anteriores’. Quando você fala isso você não motiva o ato e se você não motiva o ato, ele é ilegal e, portanto, nulo porque é viciado”, explica o advogado.

    Mãos de Rafael Braga algemadas durante audiência em 2016. | Foto: Luiza Sansão/Ponte Jornalismo

    A segunda nulidade se refere ao fato de o juiz Ricardo Coronha ter negado o pedido de diligências da defesa, sob o argumento de que as imagens das câmeras seriam desnecessárias para o desfecho do processo. “Entendo que a diligência, da forma como foi requerida, de maneira ampla e genérica, não tem condão de trazer elementos de grande valia ao julgamento do feito, além daqueles já constantes nos autos. Na verdade, a meu sentir, só onera o bom andamento do processo, tornando-a impertinente”, escreveu o juiz na decisão que, segundo os advogados de defesa de Rafael, violou o direito à ampla defesa do acusado.

    Segundo Martins, “o processo deve ser anulado desde a negativa dessas diligências, por ofensa ao postulado da ampla defesa”. Sobre isto, diz o recurso de apelação da defesa:

    “Ora, em que pese os argumentos expressados pelo juízo, os mesmos carecem de suporte adequado, na medida em que as diligências negadas eram de inegável necessidade e de plena utilidade para a efetiva comprovação do eixo argumentativo da defesa acerca da ocorrência de um flagrante forjado em desfavor do apelante (linha argumentativa reconhecida inclusive pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em suas alegações finais – vide fl. 298), até mesmo em vista do que este declarou em sua oitiva em sede policial e em juízo.

    Desta sorte, a impossibilidade da utilização desses elementos importantes de prova por parte da defesa não pode ser interpretada, em nenhuma hipótese, como ato de conveniência do magistrado que julga um determinado feito, mas sim como nítido cerceamento defensivo, que afronta o comando legal do art. 5º, LV, da CRFB/88.

    Sendo assim, afigura-se evidente o cerceamento defensivo ocorrido a partir da decisão de fls. 256/257 desse processo, cabendo destacar que deve ser reconhecida a nulidade decorrente de tal fato desde o momento em que a sobredita decisão foi proferida”.

    Já no mérito, os advogados detalham no documento as contradições apresentadas pelos policiais que prenderam Rafael em seus depoimentos durante a prova de acusação.  “Todos os momentos mais caóticos em que eles caem em contradição desde a circunstância da prisão até as circunstâncias de dinheiro, de onde surgiu a denúncia para que o Rafael fosse capturado, as circunstâncias relacionadas à questão da condução dele para a delegacia. Ou seja, todas as circunstâncias que envolveram a prisão”, diz Martins.

    O advogado Carlos Eduardo Martins, do DDH. | Foto: Luiza Sansão / Ponte Jornalismo

    A Ponte acompanhou com exclusividade todas as audiências e apontou cada uma das contradições em que caíram os policiais que depuseram como testemunhas de acusação. Uma parte delas foi sintetizada nesta reportagem.

    Os advogados de defesa também questionam a forma como o juiz desconsiderou o depoimento da única testemunha de defesa, que viu o momento em que Rafael foi abordado de forma violenta pelos PMs e atestou, entre outros aspectos, que o jovem nada levava nas mãos. “Alegamos a coerência do depoimento da testemunha com a fala dele, o que nos coloca diante de um grau de importância muito grande desse depoimento e que não foi avaliado da maneira como deveria pelo Juízo, que simplesmente passou por cima dele dizendo que era o depoimento de uma pessoa próxima à família e que não merecia credibilidade, apesar de ela ter sido ouvida como testemunha e não informante”, afirma Martins.

    O recurso questiona ainda “a situação da violação ao princípio da presunção de inocência na dimensão probatória e a questão da ausência de prova para condenação do Rafael pelo crime de tráfico e de associação ao tráfico”, sintetiza o advogado, e aborda a “falta do elemento normativo ‘para configurar associação para o tráfico’”. A partir desta alegação, a defesa coloca ainda a possibilidade de “eventual desclassificação do crime de tráfico para o crime de uso, diante da quantidade das substâncias supostamente apreendidas”, explica Martins.

    Somente na 22ª Delegacia de Polícia (Penha), onde a ocorrência foi registrada em 12 de janeiro do ano passado, foi que Rafael se deparou com 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína e um rojão, cujo porte lhe foi falsamente atribuído pelos policiais que o prenderam, de acordo com o depoimento do ex-catador de latas à Polícia Civil no dia da prisão. A versão foi mantida por ele quando depôs ao juiz em audiência também acompanhada pela Ponte em 8 de junho de 2016.

    Após retomar a linha de todos os argumentos apresentados ao longo do documento, a defesa de Rafael solicita, por fim, que, caso a condenação seja mantida, seja revista “a pena desproporcional aplicada a ele, porque foram valorados maus antecedentes e reincidência na primeira fase de aplicação da pena, o que é indevido dentro do campo penal”, de acordo com Martins.

    “A gente confia muito que agora argumentos como a Súmula 70 e a própria falta de fundamento da condenação não subsistam mais na segunda instância”, encerra o advogado, referindo-se a uma súmula do TJRJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro) que permite a condenação de um réu somente com base na versão apresentada pelos policiais.

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