Homem, que é dono de tabacaria na Favela do Sapé, na zona oeste de SP, contou que policial militar autor da agressão estava “visivelmente alterado, aparentando embriaguez”, e chegou perguntando por traficantes
Um homem de 34 anos, dono de uma tabacaria na Favela do Sapé, no Rio Pequeno, zona oeste da capital paulista, denunciou à Polícia Civil ter sido agredido por um policial militar durante uma abordagem no interior da comunidade. Dimas Salomão Souza chegou a levar uma coronhada do agente de segurança, o que fez ter um sangramento na orelha.
Segundo Souza, o PM identificado como Gabriel da Silva Santos, 26, chegou sozinho a sua tabacaria por volta da meia-noite e meia de sábado (12), questionando quem seria o proprietário do estabelecimento. Assim Souza se apresentou como dono, Santos passou a dizer frases desconexas como: “onde estão os traficantes?”, “vamos fazer um esquema?” e afirmando a Souza que ele “sabia onde é o movimento”. Movimento é como também são chamados pontos de tráfico de drogas e esconderijos de traficantes.
Souza, que também trabalha como tapeceiro de eventos, sustentou à reportagem que o PM, lotado na 3° Companhia do 23° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, estava visivelmente alterado, já que chegou a tabacaria “cambaleando, trançando as pernas, como se estivesse embriagado”. Mesmo sozinho, Santos abordou Souza e outras duas pessoas.
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De acordo com Souza, ao dizer desconhecer traficantes da área, a abordagem passou a ser mais violenta, incluindo xingamentos. Durante o caminho da tabacaria até o ponto em que estava a viatura e um outro PM, o dono da tabacaria tomou uma coronhada na cabeça, que atingiu sua orelha e a fez sangrar, além de provocar um inchaço no rosto.
“Eu sou trabalhador. Eu não posso deixar que um policial que está ali para proteger, nos agredir. Ele me deu uma coronhada na cara. E se essa arma dispara? Eu tenho filhos, tenho família para sustentar”.
Já a versão contada pelos PMs na delegacia é de que estavam em patrulhamento pelo local, “conhecido ponto de tráfico”, quando suspeitaram de um grupo. No momento da abordagem alguns correram. Souza e outros dois ficaram. Segundo o PM, foi “necessário alguns empurrões para que este se deslocasse até a viatura”.
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Um vídeo a qual a reportagem teve acesso, mostra quando Souza e outros dois homens que estavam na tabacaria são levados pelo policial militar até a viatura. Em um momento é possível ver que um dos homens é agredido pelo policial militar.
Além das agressões, é possível notar que o PM não usa o colete à prova de balas. Um outro trecho do vídeo, quando já há uma aglomeração de moradores em defesa de Souza, além de outros policiais militares, mostra quando o agente de segurança resolve colocar sua proteção individual. Um outro trecho também captou quando o PM tenta falar com uma pessoa, mas não consegue se expressar. Ele tenta ir de encontro a um homem que grava com um celular, mas desiste.
“Ele ficou com a arma em punho a todo momento. E nós com as mãos para trás. É a segunda vez que vejo ele. É a segunda vez que ele vai lá e faz isso. Só que da primeira vez ninguém filmou. Ele deu um tapa na cabeça de um menino e quebrou o celular de outro”.
Pouco tempo depois de ser agredido, Souza contou que todos foram levados ao 14° DP (Pinheiros). Lá, ainda segundo o proprietário da tabacaria, o tratamento dispensado pelo delegado a ele não foi o mesmo dado ao policial militar Gabriel da Silva Santos.
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“Quando ele foi falar a versão dele, ele falou sozinho com o escrivão. Na minha vez tive que falar na frente dele, com ele me encarando e intimidando a todo momento”, contou Souza. Foi elaborado boletim de ocorrência de lesão corporal e resistência, que coloca Souza como vítima e autor.
Após prestar depoimento, Souza realizou exame de corpo de delito no IML (Instituto Médico Legal). Ele também afirmou ter encaminhado, por e-mail, um relatório sobre os fatos à Corregedoria da Polícia Militar. O documento, enviado no domingo (13), ainda não havia sido respondido até a tarde desta segunda-feira.
“Se fosse um policial sério, em sã consciência, eu poderia alegar racismo, porque era um policial branco agredindo um morador negro. Mas ele estava visivelmente alterado”, explicou.
Outro lado
Em nota a Secretaria de Segurança Pública disse que “o caso foi registrado como lesão corporal e resistência e encaminhado ao 51º Distrito Policial (Rio Pequeno), onde foi instaurado inquérito policial. A autoridade policial que registrou a ocorrência ouviu o tapeceiro e solicitou exame de corpo de delito. Diligências estão em andamento para esclarecer todas as circunstâncias relacionadas à ocorrência. A PM acompanha as investigações.”
Procurada, a Polícia Militar não se pronunciou até a publicação desta reportagem.
ATUALIZAÇÃO: Esta reportagem foi atualizada às 16h32 do dia 15/12/2020 para incluir posicionamento da SSP