Tarcísio corta R$ 5,2 milhões das Delegacias da Mulher em São Paulo

Medida ocorre em meio ao aumento no número de feminícios no estado: “políticas para mulheres não são prioridade”, afirma deputada. Governo também cortou tirou verbas de câmeras corporais

Tarcísio de Freitas com a secretária da Mulher, Sonaira Fernandes, em 8.jul.23 | Foto: Elaine Alves/Governo do Estado de SP

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), cortou R$ 5,2 milhões do orçamento destinado às Delegacias da Mulher 24 horas. A ação foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) na última sexta-feira (24/11) e incluiu, ao todo, um remanejamento de R$ 13 milhões no orçamento da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).

A decisão foi formalizada pelo decreto nº 68.106. O texto prevê a abertura de crédito suplementar — um valor adicional — para outras áreas dentro da Secretaria da Segurança, à qual as Delegacias da Mulher estão vinculadas. 

Corte de R$ 5,2 milhões foi feito no orçamento nas Delegacias da Mulher | Foto: Reprodução

A promotora de justiça Celeste Santos, presidente do Instituto Pró-Vítima, criticou o corte nos montantes destinados às Delegacias da Mulher. “Isso é um retrocesso em matéria de direitos humanos e não demonstra um compromisso com o pacto social porque o Estado tem que prestar para a população”, diz. 

Celeste argumenta que a ação de Tarcísio vai na contramão do que deveria ser feito em um cenário de aumento de casos de violência contra à mulher. No primeiro semestre deste ano, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo teve 111 mulheres vítimas de feminicídio, o maior número entre os estados. 

“Embora não seja ilícito, o que nós deveríamos estar vendo é um incremento de políticas públicas de prevenção, apoio e atenção à mulher. Isso está na contratação do que as estatísticas dizem. As estatísticas são claras de que há aumento na violência contra a mulher de todos os tipos: feminicídio, violência doméstica e crimes sexuais”, defende a promotora. 

Ainda conforme os dados do Fórum, o número de vítimas de feminicídio no primeiro semestre deste ano foi 33,7% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado. 

O déficit na Polícia Civil também preocupa. Segundo o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (SINDPESP), há defasagem de 17 mil policiais civis no estado. O impacto disso, avalia Celeste, é um atendimento precarizado. 

No caso das Delegacias da Mulher, deveria haver mais preparo e equipe técnica, diz a promotora. “Toda DDM deveria ter plantão de atendimento psicológico e jurídico, porque essa porta de entrada determina como o Ministério Público e o Poder Judiciário vão acolher essa denúncia. A violência contra a mulher é multifacetada e a lei acaba não tendo sua plenitude por conta dessa porta de entrada”, fala.

Tarcísio vem recebendo críticas por conta de sua atuação em relação às pautas de proteção das mulheres. Em abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei 14.541, obrigando que delegacias especializadas no atendimento de mulheres funcionem de forma ininterrupta. Mesmo com a legislação, o governo do estado decidiu manter fechadas na parte da noite a maioria das delegacias. Das 140 unidades especializadas, apenas 11 funcionam ininterruptamente quando a lei foi sancionada pelo presidente Lula. 

O governo do estado também foi alvo de críticas pela falta de investimentos na Secretaria da Mulher. A pasta foi criada pela atual gestão, mas não tinha nem mesmo CNPJ próprio quatro meses após origem, conforme revelou o jornal O Globo

“A Secretaria da Mulher seria responsável por idealizar uma política mais preventiva à violência contra a mulher e de igualdade de direitos. Isso exige investimento e campanhas contra a misoginia, para que cada vez mais mulheres ocupem postos de liderança nas esferas públicas e privadas. Para isso tem que ter dinheiro”, pontua Celeste. 

Para a deputada estadual de São Paulo Monica Seixas (PSOL), o corte de verbas mostra que as políticas para proteção de mulheres estão fora do radar de Tarcísio. A parlamentar chama de “secretaria fake” a pasta da mulher e diz que não há investimentos para que ela opere.

“É evidente que as políticas para as mulheres não são nem de longe uma prioridade do governador Tarcísio. No orçamento anterior, a Secretaria da Mulher, apesar de anunciada publicamente, sequer existia. Neste orçamento a secretaria existe apenas para bancar seus servidores, sem nenhuma verba para suas políticas, mostrando de forma escancarada que a pasta não passa de uma secretaria fake, sem propósito algum com a população que deveria assistir. Enquanto isso, o aumento dos casos de feminicídio segue numa crescente no nosso estado. Onde delegacias da mulher não cumprem a lei federal de funcionamento 24 horas, mulheres morrem pelo descaso do estado”, critica a deputada.

Cortes nas câmeras

Além dos R$ 5,2 milhões das Delegacias da Mulher, o governo cortou R$ 8,5 milhões do orçamento das câmeras corporais acopladas às fardas da polícia. A redução que atingiu essa área foi revelada pelo portal Alma Preta

Essa não é a primeira vez que Tarcísio mexe no orçamento das câmeras. Em outubro, a Ponte expôs um corte de R$ 15 milhões e, em agosto, o jornal Folha de São Paulo revelou a diminuição de R$ 11 milhões.

No caso do remanejamento mais recente, a realocação ocorreu para suplementar o orçamento de materiais de consumo para a Polícia Civil e Polícia Judiciária, além de um montante de R$ 4,5 milhões para o atendimento em saúde dos policiais militares. 

O que diz o governo de São Paulo

A Ponte procurou o governo por meio da Casa Civil, da Secretaria da Segurança Pública e da Secretaria da Mulher. Em nota conjunta, as pastas da Segurança, Casa Civil e Fazenda informaram que houve remanejamento de recursos e que fará um aporte de mesmo valor para compra de viaturas para as Delegacias da Mulher.

Já a Secretaria da Mulher encaminhou um nota própria. O texto diz que o CNPJ está sendo usado em conformidade com a legislação estadual e que sua criação foi posterior à publicação da Lei Orçamentária Anual.

A pasta também informou que atuou na implantação do protocolo Não se Cale, que consiste em treinamentos para que colaboradores de estabelecimentos privados e redes públicas saibam como acolher vítimas de violência.

Veja nota na integra da SSP, Casa Civil e Fazenda

A Secretaria da Segurança Pública esclarece que não houve corte nos recursos destinados às Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) e às câmeras operacionais portáteis (COPs). Sobre as DDMs, foi elaborada uma alteração orçamentária, realocando o valor de R$ 5.248.000,00 para atendimento de contratos da própria Polícia Civil. O Fundo de Incentivo de Segurança Pública – FISP fará um aporte do mesmo valor para a compra de viaturas para as DDMs. Quanto às câmeras, não houve corte nos recursos para os contratos já existentes e os três contratos de câmeras corporais para os policiais militares serão pagos na íntegra. Ressaltamos que o remanejamento de verbas ocorre normalmente durante o ano, de acordo com o andamento da execução orçamentária.

Veja na íntegra a nota da Secretaria da Mulher

A Secretaria de Políticas para a Mulher é uma criação pioneira desta gestão para exercer função transversal e indutora de políticas públicas. Assim, prevê justamente que os orçamentos, ações e projetos de Secretarias-fim relacionadas à população feminina tenham caráter intersecretarial.

Sua criação foi posterior à publicação da LOA (Lei Orçamentária Anual), com garantia de recursos estaduais para tais políticas. O CNPJ está sendo utilizado em conformidade com a legislação estadual, incluindo o decreto que nomeou a pasta.

Balanço de ações

Nos 11 meses de existência, a SP Mulher tem realizado políticas conectadas a três pilares: empreendedorismo, saúde e segurança da mulher.

O combate à violência é uma das principais frentes de trabalho, inclusive com mobilização de órgãos públicos e empresas.

Uma das principais evidências é a implantação do protocolo Não se Cale, que conecta estabelecimentos e redes públicas de proteção para acolher vítimas de violência em bares, restaurantes e similares. Mais de 1,5 milhão de vagas foram criadas para capacitar profissionais do setor com curso gratuito estruturado sob liderança da pasta.

Também atua na construção de novas leis para garantia de direitos e ampliação de serviços, como o auxílio-aluguel para vítimas de violência doméstica, além da criação de programas de saúde e empreendedorismo. Neste mês, também trabalha intensamente numa campanha de 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres, com lives e divulgações diversas, ampliando a visibilidade e a interlocução com gestores públicos e sociedade civil, incluindo o Fórum Itinerante de Prevenção e Combate à Violência e o lançamento da cartilha “Violência Doméstica e Familiar”.

*Matéria atualizada às 11h30min do dia 28 de novembro de 2023 para incluir a nota da Secretaria da Mulher.

Correções

  • A primeira versão do texto dizia que a nota enviada à Ponte era da SSP-SP. O texto foi corrigido às 20h30min do dia 21 de novembro de 2023 informando que o posicionamento enviado é conjunto da Casa Civil, SSP e Secretaria da Fazenda.

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