Testemunhas de acusação depõem em audiência sobre morte de Luana Barbosa

    Um dos depoimentos foi do médico legista que apontou traumatismo craniano por espancamento para a causa da morte de Luana; defesa dos três PMs sustenta que vítima se autolesionou

    Protesto no Fórum de Ribeirão Preto (SP) em mais uma audiência do caso Luana Barbosa | Foto: Alê Alves

    Nesta quarta-feira (18), a juíza Marta Rodrigues Maffeis Moreira ouviu seis testemunhas na audiência de instrução sobre a morte de Luana Barbosa dos Reis, ocorrida em 13 de Abril de 2016, cinco dias após uma abordagem policial realizada na periferia de Ribeirão Preto, no interior paulista. Os réus são os policiais militares Fábio Donizeti Pultz, Douglas Luiz de Paula e André Donizete Camilo.

    As seis testemunhas de acusação ouvidas são quatro familiares (duas irmãs, o filho e um cunhado de Luana), uma testemunha ocular e o médico legista que, à época, emitiu laudo médico apontando como causas da morte uma isquemia cerebral e um traumatismo craniano decorrentes de espancamento.

    A audiência, ocorrida no Fórum da cidade, durou toda a tarde. No total, 26 pessoas foram intimadas a depor (7 de acusação e 19 de defesa), mas somente seis foram ouvidas. Algumas testemunhas (de acusação e defesa) não compareceram e deverão ser ouvidas em nova audiência cuja data será definida pela juíza.

    “A assistência de acusação entende com convicção que já há elementos nos autos para que os policiais sejam pronunciados e levados ao tribunal do júri”, afirma Daniel Rondi, advogado da família de Luana.

    “Foi uma audiência extremamente esclarecedora. Acredito piamente na absolvição sumária dos três policiais. A morte da Luana não tem absolutamente nada a ver com questão de raça e gênero”, diz Paulo Maximiliano Junqueira Neto, advogado do policial Fábio Donizeti Pultz.

    PMs respondem pelo assassinato de Luana Barbosa | Foto: Alê Alves

    “Ficou bem claro que não houve espancamento por parte dos policiais militares. Eles é que foram agredidos e contiveram ela e a população, que não queria que a polícia militar efetuasse o seu trabalho naquele momento”, afirma Júlio Mossin, advogado de Douglas Luiz de Paula e André Donizete Camilo.

    A audiência de instrução pode ter diferentes desfechos. Um deles é a sentença de pronúncia dos três réus e o envio do caso para o tribunal do júri.

    Outro é a absolvição sumária dos policiais. Há ainda a possibilidade de desclassificação, quando o magistrado entende que o crime não é homicídio e envia o processo para um juiz singular, ou seja, sem tribunal do júri.

    Os policiais militares são denunciados por homicídio triplamente qualificado, justificado por motivação torpe, ter sido feito por meio cruel e sem chance de defesa. A Justiça aceitou a denúncia feita pelo Ministério Público em 8 de Maio de 2018.

    O Tribunal de Justiça de São Paulo impediu que a imprensa acompanhasse a audiência, alegando que a sala era pequena para receber cada testemunha, advogados, réus e jornalistas.

    A audiência

    Duas irmãs de Luana, intimadas para depor, foram impedidas de entrar no Fórum por usarem camisetas com a foto dela e os dizeres “Amor eterno, Justiça por Luana”.

    Segundo policiais militares responsáveis pela segurança do prédio, a medida havia sido determinada pela direção do Fórum. “Buscamos a administração do prédio e eles disseram que a ordem era que os manifestantes não entrassem no átrio do fórum com faixas, cartazes e palavras de ordem e tumultuassem o ambiente forense. A juíza então determinou que elas entrassem para depor”, relata Rondi.

    A audiência começou com uma solicitação dos representantes de acusação de incluir a oitiva de quatro testemunhas na próxima audiência.

    “Essas pessoas foram ouvidas sob sigilo durante a fase de inquérito, mas esses depoimentos não constavam nos relatórios do delegado. Por isso, ela não foram arroladas como testemunha. Consta um arquivamento especial desses depoimentos e queremos saber por que isso aconteceu”, afirma Rondi, representante de acusação que requereu acesso a esses depoimentos e solicitou à juíza a oitiva dessas pessoas como testemunhas de juízo.

    A partir dessa solicitação, o Ministério Público pediu vistas do processo. “Vamos procurar saber o que ocorreu. Essas testemunhas são importantes porque teriam visto os policiais agredirem a Luana”, afirma o promotor do caso, Eliseu José Berardo Gonçalves.

    “Não entendemos por que eles foram ouvidos sob sigilo. A acusação e o MP tinham ciência dessas testemunhas, ninguém descobriu isso na audiência. Porém, mesmo ouvindo essas testemunhas, isso não terá impacto para a defesa. Porque não há relação de causalidade de conduta dos policiais e conduta de morte. Houve autolesionamento da Luana, segundo depoimento da testemunha ocular”, rebate o defensor de dois dos réus, o advogado Júlio Mossin.

    Outro aspecto comentado pelos representantes foi o depoimento da testemunha ocular, que já havia sido ouvida pela Polícia Civil e pela Justiça Militar.

    “Essa testemunha depôs sob o crivo do contraditório e descreveu como tudo ocorreu. Segundo ela, a Luana estava algemada e ela própria bateu a cabeça várias vezes contra a viatura. Os policiais é que foram constrangidos”, diz Junqueira Neto.

    “A discussão agora será o que causou o rompimento da artéria na cabeça da Luana: ato violento dos policiais ou autolesionamento, como alega a defesa”, afirma Daniel Rondi, advogado da família de Luana.

    Além dos depoimentos, a audiência teve a chamada “fase de reconhecimento”: os réus foram colocados junto a outros policiais militares em salas específicas para esse fim e apontados pelas testemunhas de acusação.

    Protestos

    Integrantes do movimento negro e LGBT de diferentes cidades protestaram em frente ao Fórum de Ribeirão Preto. Inúmeros manifestantes gritavam “Luana presente”, “Nenhuma Luana a menos” e colocaram inúmeros cartazes na rua, com inscrições de “Justiça por Luana”.

    Grupo protestou em frente ao Fórum de Ribeirão Preto pedindo justiça no Caso Luana | Foto: Alê Alves

    Um ônibus organizado pelo coletivo Luana Barbosa dos Reis levou 36 pessoas de São Paulo até Ribeirão Preto para acompanhar a audiência e divulgar o caso.

    “Viemos apoiar os familiares e mostrar que o caso não foi esquecido. Todo preto já nasce com o estigma de ser suspeito. O racismo e a homofobia vivida por lésbicas negras é ainda pior quando elas não performam a feminilidade esperada pela sociedade. Somos consideradas suspeitas só por andar na rua, como aconteceu com a Luana”, diz Micheli Moreira, integrante do grupo, criado em 2016 e composto por negras lésbicas e bissexuais da cidade de São Paulo.

    Lembrando o caso

    Luana Barbosa dos Reis morreu em 13 de abril de 2016, cinco dias após ser abordada por três policiais militares no bairro Jardim Paiva II, na periferia de Ribeirão Preto.

    Segundo familiares, Luana levava seu filho a um curso de informática quando parou em frente a um bar para cumprimentar um amigo e foi abordada por policiais militares. Ao questionar a abordagem e exigir a presença de uma policial mulher para revistá-la, Luana recebeu um soco e um chute que a derrubaram no chão, segundo contaram testemunhas aos familiares.

    Ao se levantar, Luana deu um soco na boca de um dos policiais e um chute no pé de outro, sendo então espancada pelos três PMs com cassetetes e com o capacete que ela usava. Em seguida, Luana foi levada para a delegacia, onde foi registrado um termo circunstanciado.

    Cinco dias depois, Luana faleceu no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Segundo laudo médico emitido à época pelo Instituto Médico Legal (IML), a causa da morte foi isquemia cerebral e traumatismo craniano decorrentes de espancamento.

    A morte de Luana ganhou repercussão internacional após a ONU Mulheres e o ACNUDH (Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos) solicitar ao poder público brasileiro a “investigação imparcial e com perspectiva de gênero e raça na elucidação das violências cometidas contra Luana” e afirmar que trata de “um caso emblemático da prevalência e gravidade da violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil.”

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