Familiares pedem justiça em frente ao batalhão onde PMs afastados atuam; 7 meses após o crime, inquéritos que investigam morte de menino de 14 anos ainda estão em andamento
Exatos sete meses após a morte de Lucas Eduardo Martins dos Santos, então com 14 anos, familiares do menino negro realizaram uma manifestação cobrando repostas, na tarde de sábado (13/6), diante do portão de entrada da 2ª Companhia do 41º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), onde trabalham os dois PMs suspeitos de envolvimento na morte do menino.
“Tiraram a vida dele porque era negro, pobre e favelado”, disse a mãe de Lucas, Maria Marques Martins dos Santos, 39 anos, durante o ato. Segundo familiares, Lucas Eduardo teria sido morto após uma abordagem policial, em 13 de novembro do ano passado.
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“Eu quero a resposta porque fizeram isso com meu filho. Mataram o meu filho, tiraram um pedaço de mim. Por que mataram o meu filho dessa forma?”, disse Maria. Durante todo o ato, que durou menos de uma hora, a mulher carregou um cartaz com uma foto do garoto, seguida dos dizeres: “queremos justiça pelo Lucas”. Chorando, e entre uma pausa e outra, Maria Marques ainda falou que “acabaram com a vida de uma família toda” e encerrou dizendo: “Eu quero justiça!”.
A última vez que a mãe de Lucas Eduardo viu o filho com vida foi quando ele deixou sua casa na Favela do Amor, na Vila Luzita, também em Santo André, nas primeiras horas do dia 13 para comprar um refrigerante e um pacote de bolachas em uma quitanda, dentro da própria comunidade. Dois dias depois, seu corpo foi localizado boiando em um lago no Parque Natural Municipal do Pedroso, na mesma cidade, e a cerca de 10 quilômetros de sua residência. Diante do estado em que o corpo se encontrava, só foi possível atestar que era realmente Lucas no dia 28/11, quando foi liberado o resultado de exame de DNA. Seu corpo foi enterrado em 30 de novembro no Cemitério do Curuçá.
O laudo necroscópico realizado pelo IML (Instituto Médico Legal) de Santo André indicou que a morte se deu por afogamento, depois de não serem encontradas lesões ou fraturas no cadáver.
Desde então, as investigações seguem em segredo de Justiça. Dois inquéritos apuram as circunstâncias da morte do jovem, um tocado pela Polícia Civil e outro pela Polícia Militar. Ambas investigações ainda não chegaram a uma conclusão. Os policiais militares Rodrigo Matos Viana e Lucas Lima Bispo do Santos, ambos soldados, suspeitos de envolvimento no caso, seguem afastados de seus trabalhos na rua, exercendo atividades internas. Eles seguem recebendo seus salários na casa de R$ 3.500.
Dentre as muitas denúncias que já chegaram à polícia, uma delas pode ajudar a esclarecer o que aconteceu com adolescente. A denúncia anônima aponta que Lucas Eduardo teria sido abordado dentro da favela e levado até o parque do Pedroso. Lá teria sido despido, ficando somente de cueca. Após discutir com os policiais, teria sido obrigado a correr. Nesse instante, desesperado, o menino teria caído no lago e se afogado.
À Ponte, o Tribunal de Justiça Militar informou que o Inquérito Policial Militar, elaborado pelo batalhão em que os PMs trabalham, em conjunto com a Corregedoria, já foi concluído e entregue. No entanto, ao analisar o documento, a Promotoria pediu para que o relatório voltasse ao batalhão de origem para novas apurações, o que foi aceito pela 4ª Auditoria Militar. O documento foi devolvido ao 41º BPM na última quarta-feira (10/6).
No âmbito Civil, o caso é acompanhado pelo SHPP (Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa) de Santo André. A juíza que atua no caso acatou o pedido de prorrogação do inquérito no último dia 2 de junho. Segundo o Ministério Público, as investigações estão em andamento. “O MP recebeu um pedido de prorrogação de prazo do inquérito policial em razão das diligências ainda faltantes, como câmeras do local e oitivas de supostas pessoas que teriam visto o veículo. Os policiais já foram ouvidos, mas não houve qualquer indiciamento”, informa o comunicado.
O ato ocorrido no sábado, que contou com cerca de 30 pessoas, entre familiares de Lucas Eduardo, vizinhos da Favela do Amor, e militantes de movimentos sociais, percorreu os bairros da Vila Luzita e Jardim Santo André, em um trajeto de não mais de três quilômetros. Durante o protesto, duas patrulhas do 10º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, que também abrange a cidade, estiveram no local. Em um dado momento, um dos policiais militares avisou aos participantes que iria tirar fotos da manifestação.
Enquanto o protesto ocorria, Maria Marques cobrou o governador João Doria (PSDB), que, segundo ela, nunca os procurou ou se manifestou sobre o caso. “Peço ao governador que ele se manifeste, que ele fale alguma coisa, que ele aponte os culpados. Espancaram meu filho, bateram no meu filho e depois jogaram ele na água. Por que tanta covardia?”, questionou.
A mãe de Lucas retomou a rotina há exatamente dois mês, após deixar a Penitenciária Feminina de Sant’ana, na zona norte da capital paulista, onde permaneceu de novembro de 2019 até abril para cumprir uma pena de cinco anos por tráfico de drogas. O crime ocorreu em 2012 e ela foi presa ao prestar depoimento sobre o sumiço de seu filho, já que tinha um mandado de prisão de 2017. Ela nega que tenha cometido o crime.
“O Lucas não foi tomar banho no lago e morreu afogado. Ele foi assassinado. A gente não vai parar enquanto não tiver resposta. Vamos ao fórum, à delegacia, ao batalhão. Ele era apenas uma criança”, disse a tia do menino, Isabel Daniela dos Santos, 35 anos, que esteve presente em todos os atos em memória do sobrinho.
O protesto pacífico, que contou com uma caixa de som e um microfone, também foi acompanhado pelo MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas). A professora Julia Campos, 28 anos, integrante do grupo, contou que sua ida ao local foi para prestar solidariedade e exigir justiça. “Não é somente o Lucas, acontece sempre nos bairros pobres e com crianças negras. A gente tem que lutar e exigir respostas”, completou.
A reportagem da Ponte solicitou pedidos de entrevistas com os dois PMs apontados como suspeitos de envolvimento no caso. Os encaminhamentos, realizados para a Polícia Militar e para a SSP (Secretaria da Segurança Pública), não foram respondidos.
Por sua vez, a Secretaria de Segurança Pública informou que a nota enviada em 13 de abril ainda era válida. “O caso é investigado, sob segredo de Justiça, pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Santo André. Paralelamente, a Polícia Militar encaminhou o IPM ao Tribunal de Justiça Militar, solicitando mais prazo para apurações complementares. Os policiais envolvidos na ocorrência permanecem afastados das atividades operacionais”.