TJ adia julgamento do caso de fotógrafo perdeu a visão nas manifestações de 2013

    Recurso foi retirado de pauta da 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal sem data prevista para remarcação. Sérgio Silva foi atingido no olho por bala de borracha da PM

    Nesta quarta-feira (27), a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) retirou de pauta o recurso do fotógrafo Sérgio Silva, que levou um tiro de borracha no olho esquerdo disparado por policiais militares e ficou cego durante as manifestações de 2013. A decisão em 2ª instância, prevista para as 10 horas, ainda não foi remarcada e está sem data prevista para tal.

    Segundo a assessoria de imprensa do TJ-SP, a retirada de pauta foi expressa pelo presidente do Tribunal, o desembargador Paulo Dimas de Bellis Mascaretti. Com a chegada de novos memoriais, o desembargador-relator pediu adiamento para reanalisar os autos, sendo que a entrega dos memoriais foi iniciativa da própria defesa de Silva. A câmara que julgaria o processo se reúne todas as quartas-feiras, mas não há data para voltar à pauta.

    Sérgio Silva foi ferido no dia 13 de junho de 2013, na Rua da Consolação, enquanto cobria uma manifestação do Movimento Passe Livre como freelancer para a agência Futura Press. Na noite mais violenta das Jornadas de Junho, ele perdeu 100% da visão do olho esquerdo. No mesmo ano, o fotógrafo acionou a Justiça demandando a responsabilização do governo do Estado de São Paulo e a devida indenização pelo ocorrido.

    Grupo protestou contra a primeira decisão, que aponta Sérgio Silva como culpado por ter sido atingido | Foto: Maria Vitória Ramos

    Em 2016, o juiz Olavo Zampol Júnior, da 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, determinou que a culpa pelo ferimento era do próprio fotógrafo. O juiz afirma que foi Sérgio quem se colocou na “linha de tiro” e, portanto, era o responsável pelas consequências. A decisão em primeira instância causou indignação e diversas entidades da sociedade civil declararam apoio ao fotógrafo, que passou a representar a luta contra o fim da violência policial. O abaixo-assinado que pede a revogação da decisão já tem mais de 73 mil assinaturas.

    A decisão que era esperada para hoje refere-se ao recurso que Sérgio protocolou em agosto de 2016 recorrendo julgamento em 2ª instância. O advogado Maurício Vasques não vê o adiamento como algo negativo: “Eu, como advogado, sempre acredito que, quando os desembargadores tendem a procurar analisar, reexaminar os processos, isso é bom. Não há nenhum elemento que deva trazer preocupação ao Sérgio, pelo contrário. A causa é dele é mais do que justa, é necessária à sociedade paulista”.

    Piratas Urbanos

    Em 2000, um caso similar aconteceu: o também fotógrafo Alexandro Wagner Oliveira da Silveira foi atingido no olho por uma bala de borracha enquanto cobria um protesto de professores. Ele também perdeu a visão do olho esquerdo.

    Silveira ganhou a ação que moveu contra o Estado em 1ª instância, mas a decisão foi reformada em 2ª instância no TJ-SP, onde os desembargadores entenderam que o fotógrafo era, na verdade, o único culpado pelo ferimento. Para os magistrados, ao não se retirar do local da manifestação quando esta tomou proporções agressivas, Silveira assumiu o risco e seria o responsável pelo acontecimento do qual foi vítima.

    Decisão foi adiada, sem data prevista, após a defesa incluir “novos memoriais” entre as provas | Foto: Maria Vitória Ramos

    Segundo a advogada Camila Marques, da Artigo 19, a jurisprudência do caso de Silveira foi citada na decisão que culpabiliza Sérgio Silva pela visão perdido. Ela explica ainda que jurisprudência é uma consolidação de decisões judiciais: “são decisões que você consegue encontrar um padrão decisório em determinado assunto e que esse padrão vai influenciar futuras decisões”. Confirmando assim o que temia Alexandro Silveira: ele declarou em 2014 que a decisão ‘absurda’ referente ao seu caso poderia abrir precedentes para outros casos de jornalistas e profissionais feridos durante manifestações.

    Da mesma forma que o caso de Silveira se tornou uma jurisprudência, uma possível decisão favorável à Sérgio pode configurar uma guinada histórica na forma como a Justiça de São Paulo lida com situações semelhantes.

    Outros representantes dessa luta para o fim da violência policial foram retratadas pelo próprio Sérgio na exposição Piratas Urbanos, em 2014.

    Balas de borracha em manifestação

    A Ponte publicou um documento secreto que determinava as regras para o uso de bala de borracha pela Polícia Militar contra manifestantes e apontou que estavam sendo desrespeitadas impunemente pelos próprios agentes. Segundo o documento, que veio à tona em novembro de 2014, o uso da bala de borracha deve ser uma exceção e não é o procedimento correto para dispersar manifestantes. Explicita ainda que o disparo tem de ser feito a uma distância de pelo menos 20 metros do alvo, preciso e “direcionado para os membros inferiores do agressor ativo”.

    O documento estabelece ainda o procedimento a ser adotado após o disparo excepcional: “isolar a área e retirar o indivíduo do meio da multidão (se possível), socorrendo ou providenciando o socorro aos feridos”. No caso do fotógrafo, nenhum suporte foi dado por parte do Estado; Sérgio foi carregado à pé por outro manifestante da Rua da Consolação até o Hospital 9 de Julho. Inclusive, as despesas com o hospital privado, no valor de R$ 3.894 reais, tampouco foi reembolsado pelo Governo de São Paulo.

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