TJ-SP arquiva investigação por ‘desacato’ contra jovem que teve velório do irmão invadido pela PM

Promotor pediu arquivamento e considerou o contexto emocional da família ao ter velório invadido por policiais. Vídeo mostrou auxiliar de cozinha Fabio Nascimento e sua mãe sendo agredidos quando velavam o caçula da família, morto pelo Baep

A investigação que apurava suposto desacato cometido pelo auxiliar de cozinha Fabio Nascimento, de 27 anos, contra policiais militares que invadiram o velório do irmão dele em Bauru, no interior paulista, foi arquivada. Para o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), a presença da viatura da polícia passando em frente ao cemitério potencializou o sofrimento da família.

O promotor Julio Cesar Rocha Palhares disse haver elementos frágeis e controversos sobre a ocorrência de desacato. Julio considerou fundamental o contexto emocional ao qual Fabio estava submetido. O auxiliar velava junto à família o corpo do irmão caçula Guilherme Alves Marques de Oliveira, que havia completado 18 anos há menos de um mês.

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Guilherme foi morto no dia 17 de outubro de 2024 na comunidade do Jardim Vitória, periferia de Bauru, por policiais do 13º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (BAEP). O velório ocorreu no dia seguinte no Centro Velatório “Cristo Rei”. Imagens que rodaram as redes sociais mostraram PMs invadindo o local, socando no rosto e depois agredindo com cassetetes Fabio — que estava ao lado do caixão do irmão, abraçando a mãe, Nilceia Alves Rodrigues, 43 [veja acima]. 

O vídeo que registrou a ação dos policiais foi anexado ao inquérito e analisado pelo promotor. O arquivamento ocorreu em 27 de fevereiro, após decisão do juiz Fábio Correia Bonini.

Nilceia Alves Rodrigues, mãe de Guilherme, morto pela PM, teve o velório do filho invadido por policiais e seu outro filho detido por “desacato”. Na foto, em ato por justiça no dia 15/2 | Foto: Guilherme Matos/Ponte Jornalismo

‘É desumano o que fizeram’

“A verdade está vindo. Isso faz a gente acreditar que há justiça”, diz Nilceia, após esta que é a primeira vitória da família da justiça. Após a morte e invasão do velório, a auxiliar de cozinha chegou a denunciar intimidações e ameaças. Ao menos quatro vezes, faixas e cartazes em homenagem ao filho Guilherme e ao amigo Luís Silvestre da Silva Neto, 21, morto na mesma ação policial, foram rasgadas e queimadas — supostamente por policiais de Bauru.

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“Hoje minha briga é para que outra mãe não passe pelo que eu passei. Aquelas imagens do velório não se repitam nunca mais. É desumano o que eles fizeram. É desumano para uma mãe apanhar no velório do seu filho depois de tanto sacrifício que tive para criar ele”, desabafa.

‘Covardes’

Em depoimento, Fabio contou que, ao chegar ao velório do irmão, viu uma viatura subindo a rua em baixa velocidade, com os policiais olhando com tom de deboche. Indignados, os presentes no velório se revoltaram. O auxiliar de cozinha contou que três viaturas pararam em frente ao local.

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Ele relatou que abraçou a mãe e permaneceu na sala de velório com medo dos policiais, já que estava enterrando o irmão, vítima da polícia. O jovem contou ter sido abordado e agredido fisicamente, como mostram as imagens feitas por pessoas que estavam no local. 

O auxiliar de cozinha disse não ter desacatado os policiais, mas no momento em que o velório foi invadido passou a chamá-los de “covardes”.

Versões de PMs divergem

Os policiais militares Daniel da Silva Prates e Valdinei Clemente Junior, que acusaram Fabio pelo desacato, disseram que estavam em patrulhamento quando se depararam com o velório. O cabo Daniel disse ter ouvido o auxiliar de cozinha gritar e imaginou que fosse um chamado por ajuda, o que fez com que a equipe se dirigisse ao velório. Chegando lá, na versão do policial, teriam sido recebidos com xingamentos e partiram para a abordagem.

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Já o soldado Valdinei deu uma versão diferente sobre o motivo da ida ao velório. Segundo ele, ao passar pelo cemitério, ouviu alguém gritar e, por achar que seria um amigo, voltou e foi até o local. Segundo o PM, ao chegar, a equipe foi recebida com ofensas e solicitou apoio ao ter dificuldades na abordagem.

O que dizem as autoridades 

A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) pedindo uma posição sobre o caso. Em nota, a SSP-SP informou que os policiais estão afastados das atividades operacionais.

Veja íntegra

A corregedoria da Polícia Militar recebeu a denúncia referente ao caso e apura todas as circunstâncias dos fatos. As informações já coletadas foram juntadas ao IPM, que está em andamento. Os quatro policiais envolvidos seguem afastados das atividades operacionais. A instituição ressalta que não compactua com desvios de conduta e que todas as denúncias são apuradas com rigor.

*Matéria atualizada em 12/3/2025, às 14h57, para incluir a nota da SSP-SP.

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