Estudo da Rede de Observatórios da Segurança afirma que a polícia é “o núcleo duro do racismo brasileiro”. Entre os estados estudados, RJ liderou o ranking de chacinas policiais, com 57 ações em 2021
A letalidade policial é a face mais visível e palpável do racismo no Brasil. É o que conclui a pesquisa “Pele alvo: a cor que a polícia apaga”, desenvolvida pela Rede de Observatórios da Segurança do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). O estudo realizado nos estados de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão, São Paulo, Ceará e Piauí mostra que os agentes de segurança estão no centro do genocídio da juventude negra e periférica do Brasil.
“Perseguir de forma obcecada jovens negros de bairros pobres (mesmo que essa obsessão nunca leve à desarticulação do crime organizado), estigmatizar esses bairros como locais perigosos e, a partir disso, legitimar e justificar operações em série em que mais jovens serão mortos, é uma técnica sofisticada de produção de violência. Esta é a essência das políticas de segurança baseadas na ‘guerra às drogas’”, diz um trecho do documento.
Os números trazidos pelo estudo são relativos ao ano de 2021 e o resultado é alarmante. Em Recife (PE), por exemplo, 100% dos mortos pela polícia são negros. Já em Salvador (BA), dentre todas as pessoas que morreram nas mãos das forças policiais, apenas uma não era negra. O estado de São Paulo registra uma morte de pessoa negra provocada pela polícia a cada dois dias.
Com 57 chacinas, o Rio de Janeiro é o estado com maior registro de ações policiais com 3 vítimas fatais ou mais. Em 30 dessas chacinas, todas as vítimas eram negras; ao todo, foram 155 mortos, 138 deles pretos ou pardos. Segundo o estudo, a cidade cearense de Caucaia é a mais violenta do Brasil e lá é onde a polícia do Ceará mata mais negros no estado.
Os dados do estudo foram coletados via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto às secretarias de segurança dos estados. A pesquisa afirma que a polícia é o núcleo duro do racismo no Brasil, com ao menos cinco pessoas negras mortas por policiais todos os dias.
“Quando a gente olha o número de pessoas negras mortas pela polícia comparado com a proporção de pessoas negras presentes na população desses estados, não existe forma mais visível de ver como o racismo estrutura a letalidade policial”, comenta o pesquisador do CESeC, Pablo Nunes.
Entre os sete estados pesquisados, 3.290 pessoas foram mortas em ações policiais em 2021. Dessas, 2.154 vítimas eram negras. O estudo aponta que esses números estão subnotificados, já que o estado do Maranhão não registra a cor das vítimas e, nos demais locais, há casos que não têm classificação racial. No Ceará, 69% dos registros não contam com a descrição racial das vítimas.
“É grave ver que esses estados não se preocupam em produzir dados. O fato de o Maranhão não ter nenhum campo onde se registre essas informações. Não é algo que precise de uma mudança política profunda, mas algo especificamente técnico. Isso mostra que não é uma preocupação em relatar a cor das vítimas da violência”, destaca Pablo Nunes.
“Pode não ser surpreendente, porque os dados se alteram pouco a cada ano, mas não deixa de ser chocante ver registrado, mais uma vez, uma distribuição racial tão radical de algum fenômeno social no Brasil. A pergunta é: o que precisa ser feito para as polícias entenderem que o racismo é um mal que afeta suas corporações e que precisa ser combatido?”, questiona Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios.
Outro lado
A Ponte procurou as secretarias de segurança dos estados para entender que ações de combate ao racismo estão sendo tomadas pelos órgãos. Em nota, a assessoria de imprensa da Polícia Militar do Rio de Janeiro negou que haja qualquer viés racial na atuação da corporação. Segue o posicionamento:
“As ações da Corporação no enfrentamento ao crime organizado são planejadas com base em informações de inteligência, tendo como preocupação central a preservação de vidas. Vale ressaltar que a opção pelo confronto é sempre uma iniciativa dos criminosos, que realizam ataques armados inconsequentes contra as forças de segurança do Estado. Neste ano de 2022, a Polícia Militar prendeu mais de 26 mil adultos, apreendeu 3.178 adolescentes infratores e retirou 5.309 armas de fogo em circulação, sendo que 297 eram fuzis.”
Já a Polícia Civil fluminense encaminhou a seguinte nota:
“A Polícia Civil informa que desconhece a metodologia utilizada na pesquisa e a possibilidade de rastreabilidade dos dados. A atuação operacional da instituição é com base no tripé inteligência, investigação e ação. Todas as mortes de criminosos em confronto ocorridas nos últimos dois anos – independentemente de raça, credo ou gênero – são em decorrência de injusta agressão praticada pelos mesmos em desfavor de agentes do estado, que atuam visando a captura e submissão ao crivo da Justiça. A Polícia Civil reforça que as operações priorizam sempre a preservação de vidas, tanto dos agentes quanto dos cidadãos.”
*Matéria atualizada às 11h33 do dia 18/11 para inserir o posicionamento das polícias do Rio de Janeiro.