‘Torci muito para que aquele dia tivesse só 20h’, desabafa pai de Marielle

    Em entrevista à Ponte, Marinete e Antonio, os pais da vereadora executada no Rio de Janeiro, relembram o dia 14 de março de 2018, quando receberam ‘a pior notícia de suas vidas’

    Marinete (à esq.) ao lado da deputada estadual Isa Penna (Psol-SP) e do marido Antonio Francisco na Casa Marielle Franco | Foto: Annelize Tozetto

    Há 400 dias, Marinete Francisco e Antonio Francisco receberam o que chamam de pior notícia de suas vidas. Sua filha mais velha, Marielle Francisco da Silva, foi executada às 21h do dia 14 de março de 2018, com quatro tiros, quando voltava de uma agenda como vereadora do Rio de Janeiro. Treze meses depois, Marielle Franco, como era conhecida, se tornou um símbolo de luta pelos direitos humanos e dos movimentos negro e LGBT. Cria da Maré, zona norte do Rio, ela se autodeclarava como preta, favelada e LGBT. Estava no seu primeiro mandato, ou melhor mandata – já que seu gabinete era majoritariamente composto de mulheres – como vereadora eleita com mais de 46 mil votos.

    Seu Antonio, pai de Marielle, define o 14 de março como o dia mais cruel de sua vida. “Foi o pior dia da minha vida. Eu torci muito para que aquele 14 de março tivesse só 20 horas, e não 24, por que se ele tivesse 20 a minha filha não teria sido assassinada, ela foi assassinada às 21h30. Foi o pior dia da minha vida. Eu nunca imaginei passar pela dor imensa que foi aquele 14 de março. Foi muito duro, muito cruel, até hoje dói em mim o assassinato da minha filha. Marielle não merecia o que fizeram com ela”, desabafa.

    Quando pensa na filha mais velha, dona Marinete, mãe da vereadora, se lembra do momento do seu nascimento. “Eu tenho várias lembranças da minha filha, acho que a lembrança maior mesmo foi quando a minha filha nasceu. Foi minha primeira filha. A lembrança que eu tenho foi de ter gerado aquela menina, ter formado. É fundamental que a gente saiba a grandiosidade que ela é hoje, mas a minha lembrança é que depois que ela nasceu eu nunca mais fiquei sozinha”, recorda.

    Já seu Antonio, não se esquece do sorriso de sua filha. “Particularmente, a imagem que eu tenho da Marielle é o sorriso dela. A marca registrada de Marielle era aquele sorriso, um sorriso lindo que encantava a todos. Todos que conviveram com Marielle sempre falam do sorriso dela”.

    Na última quarta-feira (17/4), Antonio e Marinete estiveram em São Paulo. O motivo era o lançamento da Casa Marielle Franco, gabinete estendido da deputada estadual Isa Penna (Psol-SP), que levará, além do nome da vereadora, a tarefa de ser um espaço de resistência, luta e cultura. A iniciativa busca cultivar a memória e o legado de Marielle criando um espaço aberto para articulação de movimentos sociais, ativistas e coletivos culturais e políticos.

    Inauguração da Casa Marielle Franco | Foto: Annelize Tozetto

    Seu Antonio não tirou o sorriso do rosto durante o evento. Marinete observava tudo, atenta aos detalhes, com semblante sério no rosto. Os punhos cerrados do casal se levantavam a cada grito de “Marielle presente, hoje e sempre” entonado pelo público, que lotava a Casa Marielle Franco. O evento contou com apresentações musicais do Cabaré Feminista e das cantoras Negra Dri e Indy Naise, que lembravam da luta antirracista e feminista de Marielle Franco durante as canções.

    Para dona Marinete, participar de um projeto como esse, uma casa de acolhimento para mulheres e de mulheres, é muito prazeroso. “Era exatamente isso que Marielle fazia, Marielle acolhia as mulheres, Marielle era uma mulher que se identificava com todas as causas que ela acreditava, de injustiça e justiça total, então é muito bom estar junto com essas pessoas, estar junto com essa mandata que cresce cada vez mais em vários seguimentos, por que não é só acolher, é acolher e formar culturalmente, isso é importante para o que a gente viu e vê o que Marielle simboliza hoje dentro dessas casas de resistência”, conta.

    Na carta de compromisso da Casa Marielle Franco, que foi entregue aos pais da vereadora, há a promessa de manter viva as lutas de Marielle. “Dedicamos esse espaço à nossa companheira. Agradecemos profundamente todo o apoio de sua família e estaremos sempre abertas à construção coletiva. O seu legado é uma base fundamental para enfrentar o tortuoso momento que vivemos no país. Nosso compromisso é com as lutas que Marielle encarnou. Aos poderosos e intolerantes respondemos: nunca nos calaremos! A Casa Marielle Franco será mais um espaço de resistência e de liberdade. Juntas e juntos, partilhando nossos sonhos, construiremos um mundo novo”, enfatiza a carta.

    Carta de compromisso sendo entregue aos pais de Marielle | Foto: Annelize Tozetto

    Marinete e Antonio ficaram 363 dias sem uma resposta para o assassinato de Marielle. Dois dias antes de completar um ano, porém, a Polícia Civil e o Ministério Público prenderam dois suspeitos de matarem Marielle, o PM da reserva Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, conhecidos por atuarem como assassinos de aluguel, mas até hoje não foram capazes de apontar os possíveis mandantes do crime. Essa dúvida, para os pais da vereadora, deve ser respondida.

    “Essa é a pergunta pertinente no momento: quem mandou matar Marielle Franco? Quem mandou matar a nossa filha? Nós temos convicção que com o grito das ruas, o nosso grito, esses mandantes serão presos também”, defende seu Antonio.

    Dona Marinete conta que esse primeiro ano sem a filha, e sem respostas, foi muito doloroso, pois foi um ano vivido intensamente pela brutalidade do assassinato de Marielle. Por isso, para ela, agora o objetivo é saber quem mandou matar a vereadora. “É fundamental que a gente tenha essa segunda etapa, que não fique só nisso, eu entendo que não foi o ódio que levou esses homens a cometer essa atrocidade. É isso que a gente quer, continuar perguntando quem mandou e por que mandou matar Marielle Franco. Aqueles homens viviam só de matar as pessoas e ganhavam a vida com isso, então é fundamental insistir nisso. Precisamos contar com a mídia, com os coletivos, para que isso não passe. É primordial hoje saber quem mandou matar Marielle”.

    Evento de inauguração contou com apresentações culturais | Foto: Annelize Tozetto

    Apesar do sofrimento, os pais de Marielle enxergam com esperança os dias sem a filha, pois “o legado de Marielle está perpetuado”. A filha, criada na favela da Maré, se tornou um símbolo mundial. E agora é semente. “Marielle hoje é uma semente que está germinando a cada dia. No Rio foram três mulheres eleitas, mulheres que trabalhavam diretamente com ela, na mandata dela. A gente vê essa crescente de mulheres negras dentro da política. Os partidos começaram a ter outro olhar para as mulheres depois do que aconteceu com Marielle, e isso é importante, importante se manter, pois ainda é uma minoria, mas uma minoria que faz muito barulho por se identificar com as causas que Marielle pautava”, se emociona dona Marinete.

    “Marielle acreditava que, com honestidade e trabalho, principalmente no Rio de Janeiro, ela ia conseguir diminuir a violência que a gente tem lá. Mas infelizmente o que ela mais combatia, o que ela mais era contrária, que era essa violência, acabou assassinando a nossa filha. Mas ela passou uma imagem tão forte e vibrante que ela não diminuiu, mas ela conseguiu incutir em várias pessoas que a luta tem que continuar e nós temos visto isso aqui no Rio, em São Paulo e em várias cidades do Brasil e do mundo. O legado de Marielle está perpetuado”, garante seu Antonio.

    Durante o discurso de encerramento, os pais de Marielle relembraram os feitos da filha depois da morte, como a aprovação de 5 projetos na Câmara dos Vereadores. Seu Antonio lembrou de outro momento importante. “Marielle é um ser muito forte. Ela conseguiu, pós morte, levar a mãe para encontrar o Papa. Ela já conseguiu levar a mãe à Espanha. Isso é a força de Marielle”.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude
    1 Comentário
    Mais antigo
    Mais recente Mais votado
    Inline Feedbacks
    Ver todos os comentários
    trackback

    […] Leia também: ‘Torci muito para que aquele dia tivesse só 20h’, desabafa pai de Marielle […]

    mais lidas