Transexuais e travestis marcham pelo direito à vida em SP

    Visibilidade e representatividade marcaram discursos na ‘1ª Marcha do Orgulho Trans’, nesta sexta-feira; ‘Será que é tanto assim pedir pelo direito de existir?’, questiona ativista

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    No mês do Orgulho LGBT, uma marcha exclusiva para pessoas transexuais e travestis aconteceu pela primeira vez no Largo do Arouche, importante ponto LGBT da cidade. Com concentração às 14h, a marcha permaneceu parada até as 17h, quando começou a andar pelo centro de SP. Às 20h, de volta ao Arouche, o evento foi encerrado. Discursos de personalidades importantes para o movimento trans, como Jaqueline Gomes de Jesus, Neon Cunha, Renata Perón e Giovana Baby, dividiram espaço com shows de MC Dellacroix, DJ Ledah, Natt Maat, Erick Barbi, Tiely Queen, MC Xuxú, Johnny Hooker e Pepita.

    As mortes de Matheusa Passareli, Marielle Franco e Dandara dos Santos foram lembradas durante todos os discursos, incluindo um minuto de silêncio em homenagem às vítimas. O direito à vida, empregabilidade e representatividade foram falas frequentes dos que falaram durante a marcha.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Para Hailey Kaas, ativista e escritora, é importante ter uma marcha separada das demais, pois a demanda da população trans é específica. “A gente está em um momento em que a gente tem que lutar não só pela representatividade LGBT, mas pela representatividade trans e por mais empregos, empregos dignos e de qualidade, e por saúde”, defende.

    O ator Caio Jade também acredita que é preciso separar a luta trans da luta LGBT. “Pela primeira vez a gente está se dissociando, num certo sentido. É muito importante que a gente esteja junto da Parada Gay, porque ainda é gay, entendo essa importância de estar junto para disputar espaço, mas é fundamental que a gente se dissocie porque a gente tem que dizer que as questões de identidade de gênero são diferentes das questões de sexualidade, então a gente precisa trazer as nossas pautas, a gente precisa se unir, a gente precisa se encontrar porque a gente não se encontra, a gente não se vê”, explica.

    A psicóloga e professora Jaqueline Gomes de Jesus enfatiza a importância histórica desse evento acontecer em São Paulo. “É significativo, é uma visibilidade para todo o país das questões que a gente traz, dessas especificidades da população trans, das nossas demandas que são particulares. Então é fundamental, é muito importante. A gente marca aqui a primeira e que sigam outras para que essa questão, que é principalmente política, se mantenha e que a visibilidade trans se torne cada vez mais representatividade trans, que a gente não seja vista só como assunto, mas como aquelas que tem que estar em todos os espaços”, afirma.

    Psicóloga e professora Jaqueline Gomes de Jesus | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Para Klaus Dimitri, educador no Museu da Diversidade Sexual, ter um evento para as demandas trans dá visibilidade para homens trans. “A visibilidade é importante, o recorte da visibilidade é importante, nós estarmos todos juntos, todas as pessoas trans, as travestis, a população LGBT unida é muito importante. Mas cada movimento ter a sua representatividade, mostrar que existe, é muito importante, principalmente pra gente que é homem trans. Quando a gente passa pelo processo hormonal, a gente se torna invisível para sociedade. Então a gente perpassa pelos lugares e se a gente não se autodeclara como homem trans as pessoas acham simplesmente que são pessoas cis, homem cis. Essa invisibilidade ao mesmo tempo que é boa, pois ela nos traz uma tranquilidade para ir e vir, ela é ruim por nos deixar invisíveis na sociedade, nas questões de saúde, nas questões de acesso aos lugares”.

    A ideia de ter a primeira marcha para pessoas trans surgiu de uma conversa entre grupos de homens trans de diferentes movimentos em 2017. A necessidade crescente de dar visibilidade para as lutas trans foi o principal motivador para criação do evento. Majoritariamente com pessoas trans na produção e nos shows, a escolha da data da marcha foi proposital, para acompanhar a agenda turística com pautas LGBTs, por decorrência da Parada do Orgulho LGBT que acontecerá no domingo (3), e segue os parâmetros internacionais: Marcha Trans na sexta, seguida pela Caminhada Lésbica e Bissexual no sábado e com encerramento no domingo com a Parada LGBT.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Para Lam Matos, organizador da marcha e coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (IBRAT), a importância da marcha é trazer visibilidade para pessoas trans, travestis e não-binários. “[A gente quer] mostrar que nós existimos, que nós somos pessoas também necessitadas de direitos. A gente sabe que a população trans no geral cada dia tem menos chance de sobreviver dignamente. Quando a gente entende que o Brasil é o país que mais mata e registra assassinatos de pessoas trans por motivos de ódio e preconceito”, explica. Lam também ressaltou a dificuldade que trans enfrentam para conseguir emprego formal, no acesso à saúde, à educação e ao lazer.

    A rapper MC Dellacroix conta que ainda é muito difícil ser uma pessoa trans no rap, pois, para ela, o espaço ainda é dominado por homens machistas. Ela reforça, também, a necessidade de ter um evento para pessoas trans, além dos eventos LGBTs, para mostrar que pessoas trans estão vivas. “A gente já tá aí 18 anos tendo a Parada LGBT, que se diz LGBT, mas ainda não é um espaço confortável para todos os corpos, corpos trans, corpos não-binários, corpos estranhos. Temos que celebrar a nossa existência porque a gente tá viva e vai continuar viva”, comemora.

    Rapper MC Dellacroix | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    A presidente do Fórum Nacional de Travestis Negras e Negros (FONATRANS), Giovana Baby, relembra que outras marchas de pessoas trans já aconteceram na década de 90. “Eu não considero essa como a primeira marcha, pois nós já tivemos várias outras marchas nos anos 92, 93, 94, 95 e 96. Tivemos marcha no Rio de Janeiro, no Espírito Santo, no Ceará e em São Paulo nesses anos. Essa é a primeira da nova etapa de discussões que estamos trazendo para a sociedade nos perceber e nos respeitar. A importância é inegável, porque está mostrando para a sociedade que somos cidadãs, que existimos, que participamos do processo democrático, nós votamos, nós pagamos todos os impostos, então temos que ser vistas e respeitadas como as demais pessoas da sociedade”.

    Presidente do Fórum Nacional de Travestis Negras e Negros (FONATRANS), Giovana Baby | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    A publicitária e ativista Neon Cunha reforça a importância da escolha do local da marcha. “O mais importante é estar no Arouche que foi, durante muito tempo, cerco de perseguição dessa população. A visibilidade já está no nome: marcha do orgulho trans. Precisamos pensar na construção dessas identidades, pensar na vulnerabilidade e nesse lugar que a gente ocupa”.

    Wiliam Peres, professor universitário e integrante do Coletivo Elite Trans, enfatiza a importância do ato. “É um momento importante para que a sociedade reveja os seus preconceitos, reveja as suas limitações para pensar no respeito ao ser humano. É isso que essas meninas e esses meninos estão pedindo: me deixe viver, me deixe ter acesso a saúde, me deixe ter acesso ao trabalho, me deixe ter o direito de ter um amor na minha vida, me deixa ter o direito de ter uma família. Será que é tanto assim pedir para as pessoas o direito de existir? De poder circular no mundo sem levar pedrada?”, provoca. “Isso daqui é uma expressão de amor, é uma festa de amor, porque o amor não tem que ter sexo, não tem que ter gênero”, conclui Wiliam.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte

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