‘Trator por cima da cultura’: Teatro de Contêiner pede apoio e atribui despejo a plano higienista em SP

    Imóvel fica ao lado de onde se concentrava o fluxo da Cracolândia, hoje disperso pelo centro em meio a denúncias de agressões praticadas por agentes das gestões Tarcísio e Nunes. Terreno estava ocioso antes do teatro se instalar

    Companhia fez mapeamento de espaços ociosos antes de instalar teatro na região central de São Paulo | Foto: Teatro de Contêiner Mungunzá/Divulgação

    Integrantes do Teatro de Contêiner Mungunzá, instalado há nove anos em um terreno público na região central de São Paulo, prometem resistir contra uma notificação de despejo recebida da prefeitura na quarta-feira (28/5). A gestão Ricardo Nunes (MDB) deu prazo de 15 dias para que o espaço seja desocupado, sob a alegação de que irá dedicá-lo à construção de moradia popular. Para os artistas à frente do teatro, no entanto, a remoção integra um projeto higienista do entorno — inserido no plano de Tarcísio de Freitas (Republicanos) de transferir parte da sede administrativa do governo ao centro.

    “É uma tristeza enorme estar passando por isso, um espaço referência para a nossa cidade, para o nosso país, que deveria ser chancelado e promovido pela própria prefeitura como um equipamento de sucesso, que caminha com as próprias pernas”, diz Marcos Felipe, integrante da Companhia Mungunzá de Teatro, coletivo à frente do espaço cultural. “Em vez disso a prefeitura destrói esse equipamento, com toda simbologia que existe em destruir um teatro, para construir um prédio, mais um prédio na nossa cidade. E defendem que seria para a comunidade vulnerável, mas sabemos que não é. É um processo de higienização do centro”, afirma.

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    “É difícil de engolir. Você destrói um dos teatros mais importantes do país para erguer um prédio em São Paulo, uma cidade em que, a cada quarteirão, se ergue um prédio. Então, mostra o pensamento que o poder público tem sobre a cultura, de que não vale absolutamente nada. Passam em cima com o trator.”

    Remoções de moradores e agressões a usuários

    O teatro está instalado na Rua dos Gusmões, no bairro da Santa Ifigênia, em um perímetro delimitado também pela Rua General Couto de Magalhães e a dos Protestantes. É ali ao lado onde se concentrava até recentemente o fluxo da Cracolândia, hoje disperso no centro de São Paulo em meio a denúncias de agressões e tortura praticadas por agentes de segurança contra usuários de drogas.

    O aparato cultural fica ainda a menos de um quilômetro da Praça Princesa Isabel, onde Tarcísio pretende erguer novos prédios do governo estadual. Em razão disso, a região já vinha passando por remoções de moradores. A Favela do Moinho, a quase dois quilômetros dali e que protagonizou cenas de truculência policial nas últimas semanas, também se insere neste contexto, de alegada revitalização do centro. “Está tudo dentro desse mesmo projeto da vinda do governo, desse processo de higienização”, diz Marcos.

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    Na ocasião em que o teatro foi erguido, a Companhia Mungunzá de Teatro havia feito um levantamento de áreas ociosas na cidade até escolher a que receberia o aparato cultural. Desde então, o espaço se tornou referência e chegou, inclusive, a abrigar políticas públicas da prefeitura — na pandemia, ele serviu como um centro de distribuição de 500 refeições diárias a pessoas sob vulnerabilidade, além de organizar doações, a montagem e distribuição de cestas básicas, kits de higiene, álcool em gel e água.

    Companhia pede regularização de espaço

    A Ponte questionou a prefeitura se o projeto pretendido para o terreno do teatro não poderia ser executado em outros espaços ociosos da cidade, o que a companhia à frente do teatro também contesta. Em resposta, a gestão Nunes disse que, apenas neste ano, havia feito quatro reuniões para discutir a desocupação do terreno. Afirma ainda que, na data em que notificou os representantes do teatro sobre o despejo, tentou realizar um quinto encontro, em que os interlocutores não estiveram.

    Marcos Felipe afirmou que, nesta quinta (29/5), teria uma reunião com o subprefeito da Sé, o coronel da reserva da Polícia Militar paulista (PM-SP) Marcelo Vieira Salles, convocada pelos irmãos Carlos e Celso Gianazzi, deputado estadual e vereador paulistano, respectivamente, ambos eleitos pelo PSOL.

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    Antes dela, no entanto, o artista disse ter recebido uma ligação do secretário de Cultura da capital, Totó Parente, segundo o qual o desmonte do Teatro de Contêiner Mungunzá é irreversível. “Estamos buscando o máximo de apoio da sociedade civil para tentar frear o que a gente acha que é uma violência extrema”, diz Marcos. “Queríamos que o terreno fosse repassado à Secretaria Municipal de Cultura, para que ela nos regularizasse e fizesse um convênio com a gente.”

    Leia a íntegra do que diz a prefeitura de SP

    A Prefeitura de São Paulo informa ter convidado representantes do teatro para uma reunião nesta quarta-feira, 28, na qual apresentaria propostas de imóveis para onde o grupo poderia ser transferido. Nenhum representante do teatro compareceu. A prefeitura informa que já havia promovido, apenas neste ano, quatro reuniões com representantes do equipamento para discutir o assunto, nos dias 05/02, 12/03, 31/03 e 01/04. A Prefeitura reitera que a área será destinada à construção de moradia popular, dentro de um programa que vem recuperando todo o tecido urbano da cidade e que reforça o atendimento de famílias cadastradas em programas sociais desta administração.

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