Jovens eram moradores da favela e estudavam na mesma escola; dois deles foram levados de dentro de casa
Dois meses depois do massacre do baile da DZ7, que deixou 9 mortos, dessa vez a favela de Paraisópolis, segunda maior de São Paulo, localizada na zona sul da cidade, enterra mais três jovens: Gustavo Oliveira Tavera, 16 anos, Leonildo Oliveira dos Santos, 18, e Erivaldo José da Silva.
Dois deles, Gustavo e Leonildo, estudavam na escola estadual Etelvina Goes Marcucci, que fica dentro da favela. Erivaldo também estudou na mesma escola. Segundo relatos de familiares, os jovens foram retirados de dentro de suas casas quando dormiam na madrugada de quinta-feira (6/2).
Os homens encapuzados que levaram Gustavo e Leonildo se apresentaram como policiais civis, afirmam as famílias. Eles foram levados para um carro preto. Ainda não há informações de onde Erivaldo foi pego. Os corpos dos três jovens foram encontrados em um carro em Santo Amaro, outro bairro da zona sul, na manhã do dia 7.
O pai de Gustavo reconheceu o corpo ainda no local pela roupa do time do coração que o adolescente usava, o Palmeiras. Os corpos de Erivaldo e Leonildo estavam no porta-malas do carro e foram encontrados com sinais de enforcamento. Já Gustavo estava no banco do motorista e tinha sinais de queimadura.
Um vídeo registrado por uma câmera de segurança mostra dois homens incendiando o carro onde os jovens foram encontrados. Era por volta das 6h da manhã da quinta-feira. Assim que o fogo sobe, os homens sobem em uma moto e fogem.
Amigos de escola dos jovens contam que a única coisa que ambos tinham em comum era a estudar no mesmo colégio. Gustavo morava do lado perto da avenida Giovanni Gronchi, uma das entradas principais da favela. Já Leonildo e Erivaldo, do outro lado, perto da avenida Hebe Camargo. Era por volta das 2h quando Gustavo foi acordado em casa e sequestrado.
Não se sabe a ordem em que os três jovens foram raptados, mas o celular de Gustavo estava ligado e os familiares conseguiram ver pelo GPS que os homens encapuzados andaram com ele no carro pela favela. A última visualização no celular de Gustavo, no aplicativo WhatsApp, é de 4h15 da madrugada daquele dia.
Gustavo foi enterrado na tarde desta sexta-feira (7/2) no Cemitério Jardim Vale da Paz, no bairro de Eldorado, em Diadema, cidade na Grande São Paulo. A Ponte conversou brevemente com a família do adolescente, que estava muito abalada e com medo. O pai de Gustavo afirmou que o filho era um ótimo menino, que só saia de casa para ir para a escola e para a igreja, e que “não fez nada de errado”.
Um amigo de Gustavo e Leonildo também conversou com a reportagem. O estudante de 16 anos, que pediu para não ser identificado, conta que conhecia Gustavo da Paroquia São José há cerca de um ano. “Ele era um moleque de boa, nunca arrumou briga com ninguém, sempre ia de casa pra escola e da escola para a igreja. Não fazia mal para ninguém, só não podia zoar o Palmeiras perto dele”.
Já Leonildo, conta o estudante, era seu amigo de infância. “Eu cresci com o Leo ali perto da Hebe Camargo. Era um moleque de boa, corria atrás das coisas dele, trabalhava. No dia que aconteceu tudo o irmão dele tava comigo. Barbaridade isso daí que aconteceu”.
Na noite anterior ao sequestro, o adolescente conta que voltou da escola com Gustavo. “Me avisaram ‘sequestraram o Gustavo e agora ele está morto’, pra mim foi um choque, eu tava com ele um dia antes. A ficha ainda não caiu”.
Uma amiga de 15 anos, conta que conversava com Gustavo horas antes do crime. A jovem desabafa que está cansada de pisar em cemitério, se referindo ao massacre de dezembro de 2019. “Pouco antes da meia noite eu tava conversando com ele, dei boa noite e fui dormir. Quando acordei, descobri o que aconteceu. Só queremos justiça”, clama a jovem.
Os amigos contam que muitas conversas estão rolando na favela, mas uma certeza: os homens que tiraram Gustavo e Leonildo de dentro de suas casas “andavam e falavam com policiais”. Eles contam que os homens que se apresentaram como policiais procuravam um outro jovem, chamado de Orelha, que, no dia seguinte, afirmou a eles que está devendo para policiais civis.
Em entrevista ao Cidade Alerta, Luiza Oliveira, a mãe de Leonildo, contou que os homens arrombaram o portão da sua casa. Quando ela acordou, com o barulho do filho batendo no guarda-roupas, encontrou um dos homens apontando uma arma para ela. Outros três estavam no quarto de Leonildo, que resistiu ao ser levado.
A mãe afirma que avisaram que levariam Leonildo para a 89ª DP (Portal Do Morumbi). “Eles estavam todos de preto, até o capuz. Eles foram direto para o quarto do Leo, como se eles soubessem onde era. Meu filho não fez nada, só trabalhava e estudava, eu quero saber o porquê fizeram isso com ele. Aparentemente eles eram brancos, falam igual polícia e falaram que eram policiais civis”, cravou a mãe.
Ela ainda contou detalhes do sequestro. “Os homens deram 3 tiros para cima quando viram meu marido se aproximando e meu filho gritava ‘eles vão me matar, mãe, eles vão me matar'”.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por meio da assessoria terceirizada InPress, informou que “o Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa instaurou inquérito policial para investigar as mortes”.
A pasta afirma que “foram solicitados exames periciais, para auxiliar na identificação da terceira vítima. Testemunhas e familiares são ouvidos e todas as circunstâncias apuradas. As pessoas que tiverem informações sobre a ocorrência podem formalizar a denúncia no DHPP, para colaborar com as investigações”.
Neste sábado (8/2), a pasta enviou nova nota à imprensa acrescentando que “diligências de campo que são realizadas para esclarecer todas as circunstâncias relacionadas aos fatos. Mais detalhes serão passados oportunamente”.
Reportagem atualizada às 16h05 do dia 8/2 para inclusão de nova nota da SSP-SP