Segundo investigação feita por comissão do TJ-RJ, testemunhas apontam que advogada ‘se debatia’ e policiais a algemaram ‘para resguardar sua integridade física’
Uma comissão do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) não identificou “qualquer desvio funcional” da juíza leiga (advogada que comanda audiências menores) Ethel Tavares de Vasconcelos na audiência que terminou com a advogada negra Valéria Lúcia dos Santos algemada. O caso aconteceu em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, no dia 10 de setembro de 2018, e a repercussão fez a audiência ser anulada. Em nova data, Valéria conseguiu vitória para a cliente.
Mas o caso da agressão contra Valéria, que fez até mesmo o TJ passar a filmar todas as audiências, conforme mostrou reportagem da Ponte da semana passada, mereceu uma apuração interna. A investigação ouviu 11 pessoas, entre advogados, funcionários do TJ e os dois PMs envolvidos no caso. Assinado pelo presidente da Cojes (Comissão Judiciária de Articulação dos Juizados Especiais), o desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, o documento aponta que o depoimento da advogada Valéria vai contra às provas e, por isso, “a investigação deve ser descartada”.
“Não vislumbro prática de qualquer desvio funcional dos servidores envolvidos e da advogada juíza leiga Ethel”, define Almeida Neto. “Efetivamente a prova colhida deixa patenteado que a advogada Valéria estava exaltada, e as testemunhas falam que achavam que a mesma ia agredir a juíza leiga Ethel, ao ponto de esta premir o botão de pânico”, sustenta o desembargador.
No dia da audiência, Valéria defendia uma cliente em processo contra a operadora de telefonia Claro devido à uma cobrança duplicada no valor de R$ 180. Segundo ela, a juíza não a deixou ver um documento, o que a fez sair da sala para acionar o delegado da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
A juíza encerrou a audiência, mas Valéria não saiu da sala. A PM foi, então, chamada para retirá-la. Ao resistir, Valéria teria sido arrastada para o corredor e algemada pelos policiais. A advogada aponta que em mais de um momento a juíza deu sinais de destrato, como o fato de ter perguntado se ela e a cliente eram parentes pelo fato de serem negras.
Em seu depoimento na investigação, o PM Nelson da Silva Rodrigues aponta que ficou “preocupado com a sua arma e a segurança da própria advogada” pois Valéria se “debatia no chão”. “A algema foi utilizada para que a autora parasse de se debater”, disse o sargento, apontando “que não houve nenhuma ordem de prisão do gabinete, cartório ou da juíza leiga”.
Seu parceiro, o PM Alan de Souza Nogueira, sustenta a versão, apontando que algemaram a advogada “pois a mesma se debatia muito e para resguardar a sua integridade física”. “Só queria tirar a doutora da sala, pedi licença com educação, foi quando a adverti que teria que usar os meios necessários”, disse.
O PM Nogueira declarou que pegou a advogada por um braço, enquanto o PM Rodrigues pelo outro e tentaram levá-la para fora da sala por ordem da juíza Ethel. “Foi quando a mesma se jogou no chão, dizendo que era ‘negra e que estava trabalhando’, tentou se segurar com os pés na mesa e foi se debatendo até corredor”, relatou.
Advogada vê ‘passada de pano’
O resultado da investigação sobre o ocorrido entre a juíza Ethel Tavares de Vasconcelos e a advogada Valéria Lúcia dos Santos é considerado como uma “desculpa para validar um erro” ou “passada de pano” pela advogada criminalista e coordenadora-chefe do setor de bolsas e desenvolvimento do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Thayna Yaredy.
“É um discurso de invalidar a posição da mulher como vítima e de afirmar: ‘Qualquer pessoa que afronte a decisão de um tribunal do RJ não será levada em consideração e vai ser tomada uma postura arbitrária contra ela, independente de ser legal ou não'”, sustenta. “A questão da validação é mostrar para sociedade: dentro do nosso tribunal, independente de ser certo ou não, quem vai dizer isso somos nós”.
De acordo com Thayná, o ato de algemar a advogada foi ilegal, potencializado pelo fato de ela estar em trabalho e não apresentando riscos ou praticando nenhum crime. “Isso não aconteceria com um Toffoli [Dias Toffoli, atual presidente do Superior Tribunal Federal]. Neste caso temos estigma de gênero, de raça e de classe, sim. É uma mulher negra, advoga sozinha e não para um grande escritório”, argumenta a jurista.