Trio de músicos é agredido e algemado por seguranças do Metrô de SP

    Uma das vítimas conta que, enquanto era agredido, um dos seguranças disse: ‘o PT acabou, já era para vocês, aqui é Bolsonaro’; depois, o trio foi ameaçado: ‘vocês nunca mais vão tocar aqui’

    “A gente, claro, vive de música. Mas tocar no Metrô vai muito além disso. É magia, é relação com as pessoas. Eu posso não ganhar nada em um vagão, mas se eu conseguir o sorriso de alguém ou fazer uma velhinha de 80 anos dançar, já vale tudo”. É assim que Matheus Sol, um dos integrantes do trio Cantigas de Nylon, que se apresenta em espaços culturais, na rua e nos vagões do sistema metroviário da capital paulista explica o trabalho deles.

    Nesta quarta-feira (17/10), ele e os outros dois integrantes do trio musical foram xingados, agredidos e algemados por seguranças do Metrô na estação Tiradentes, linha 1-Azul, que liga o norte ao sul de São Paulo. Segundo Matheus, eles entraram em um vagão onde havia dois marreteiros (vendedores ambulantes) que estavam fugindo de seguranças, já que o comércio informal é uma atividade proibida.

    “A gente não toca quando tem marreteiro, porque sabemos que dá um conflito. Então ficamos simplesmente com os instrumentos estavam dentro da capa nas nossas mãos. Os seguranças entraram no vagão, viram a gente com os instrumentos e pediram que a gente se retirasse do vagão. Mas como não estávamos tocando, não havia uma razão para que a gente tivesse que sair”, conta o músico. “Eu disse que não ia sair porque não estava tocando. Cheguei a perguntar alto para as pessoas se eu estava tocando, incomodando. Aí um deles começou já a puxar meu braço e outro deu um tapa no meu rosto, aí começou a confusão. Um deles me algemou e deu um mata-leão, me tirando do trem”, relata.

    O grupo de seguranças tirou então os três músicos da trupe de dentro do vagão e, do lado de fora, na plataforma, como mostra o vídeo, presssionaram os três algemados contra o chão e a parede todo o tempo. “Eles apertaram tanto a algema no meu braço que na delegacia quase não conseguiram tirar”, relata Matheus. “Eles me trataram como um bandido perigoso”.

    Um dos outros integrantes do Cantigas de Nylon, Nelson Luques, escreveu no Facebook: “Hoje morre mais um pouco de mim. Minha liberdade de expressão, minha esperança em um Brasil melhor. A situação tá sinistra, só não vê quem não tá na zona de fogo. A ditadura tá aí”, desabafou.

    Katriel Pessoa, também integrante do grupo, também se manifestou nas redes sociais: “Hoje eu e meus companheiros tivemos um banquete cheio de abuso de autoridade, com tempero de ódio e fascismo”.

    Uma testemunha filmou a ação e questionou um dos seguranças que participava da ação sobre a truculência da atitude. Como resposta, o funcionário do Metrô disse: “O problema de vocês, população, é que ninguém sabe o que está acontecendo e aí todo mundo é vítima. Esse é o problema de vocês”, como mostra o vídeo publicado em redes sociais. Um dos seguranças tenta impedir a filmagem e depois pede os documentos do rapaz que estava com o celular fazendo a gravação.

    Matheus sendo arrastado e algemado | Foto: reprodução

    De acordo com Matheus, os seguranças afirmam que eles estavam tocando dentro do vagão e que era uma prática proibida. “No momento em que fomos abordados por eles, não estávamos tocando”, reforça. “Eles foram truculentos e ignorantes e começaram até a falar de partido político. Que se dane partido. Não to nem aí. A discussão nem era essa. Teve um deles que falou: ‘PT já era, vocês estão fodidos, aqui é Bolsonaro’, desabafa e ironiza que a ofensa política pode ter a ver com o fato de ele estar usando uma camiseta vermelha.

    O trio diz que se sente intimidado, mas que não vai desistir de seguir fazendo música. “Na delegacia, um dos seguranças falou ‘é a última vez que vocês tocam no metrô, você nunca mais vai tocar no Metrô’. Ele queria me desmoralizar”, afirma.

    A ocorrência foi registrada na 6ª Delpom* (Delegacia de Polícia do Metropolitano) como “atentado à segurança de meio de transporte, denunciação caluniosa e exercício arbitrário com abuso de poder” e o trio foi liberado. Matheus destaca que, no registro da ocorrência, eles também fizeram questão de informar que os seguranças agiram com uso desmedido da força para controlar uma situação.

    Ainda segundo o boletim de ocorrência, os seguranças do Metrô afirmam que “dois dos três detidos estavam tocando música no interior do vagão”. Os músicos negam essa acusação e reiteram que estavam com os instrumentos guardados em capas e cases e não estavam tocando no momento. No registro também há destaque para o fato de que um passageiro do trem considerou inadequada a forma com que os funcionários do Metrô agiram com o trio e questionou a equipe, iniciando uma confusão.

    A Ponte procurou a assessoria de imprensa do Metrô de São Paulo para questionar a atitude dos seguranças, o suposto uso de força excessiva e qual a orientação dada aos funcionários em casos de flagrante de prática proibida nas dependências das estações, mas até o momento, não houve retorno.

    *Reportagem atualizada às 11h20 do dia 19/10

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