Além do Ultraje a Rigor: veja charges que incomodaram a direita e a polícia

Artistas colecionam episódios de tentativas de censura e cerceamento da liberdade de expressão por retratarem assuntos como política, racismo e violência policial

Charge é alvo de pedido de indenização por músicos do Ultraje a Rigor | Ilustração: Gilmar
Charge é alvo de pedido de indenização por músicos do Ultraje a Rigor | Ilustração: Gilmar

Com elementos de ironia e sátira, as charges costumam despertar o interesse do público para um determinado assunto ou repercussão em tom de crítica. As interpretações desses trabalhos, no entanto, têm gerado reações que vão de processos judiciais à censura. Na semana passada, a Ponte contou que o chargista Gilmar Machado Barbosa está sendo processado pelos músicos Roger Rocha Moreira e Marcos Fernando Mori Kleine, da banda Ultraje a Rigor, após publicar uma charge que os chamava de “fascistas falidos”. O artista afirma se sentir “acuado”.

Leia também: Músicos do Ultraje a Rigor querem indenização de R$ 30 mil por charge

Os músicos pedem indenização de R$ 30 mil por danos morais e a remoção dos conteúdos. O trabalho que motivou a ação dos músicos fazia alusão a uma discussão entre eles e o âncora da Kiss FM, Marco Antonio Abreu, conhecido como Titio Marco Antonio. Para Roger e Kleine, houve “lastimável abuso no exercício da liberdade de expressão”.

Não é de hoje que a Ponte noticia que o trabalho de artistas incomoda personalidades de direita, policiais e políticos. Relembre outros cinco casos em que a liberdade de expressão foi contestada e chargistas e ilustradores se sentiram intimidados. 

Processo após arte ser compartilhada 

Charge compartilhada pelo advogado Ariel no Facebook | Foto: Reprodução Facebook

O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos e segurança pública, foi processado em fevereiro de 2016 após compartilhar em seu Facebook uma charge. A arte de 2012 retratava a ligação de maus policiais a grupos de extermínio. Na época, o advogado usou a charge para criticar a matança promovida por PMs e GCMs na Chacina de Osasco e Barueri em agosto de 2015.

Ariel teve seu perfil exposto pelo Facebook oficial da PM paulista, que repudiou a publicação do advogado, e passou a receber mensagens intimidatórias. A ação movida pelos policiais foi extinta sem julgamento do mérito.

Censura em exposição de ilustração

Reprodução da Ilustração da capa do livro premiado com Jabuti, Castanha do Pará (2016), de Gidalti Moura Júnior.

Policiais militares foram às redes sociais criticar e pressionar para que uma ilustração da capa da história em quadrinhos Castanha do Pará (2016), premiada com o Jabuti, fosse retirada de uma exposição do Parque Shopping Belém, no Pará.

Leia também: Conan, o Bárbaro, vira racista em tradução brasileira de quadrinhos

A imagem do livro de Gidalti Moura Júnior apresenta o personagem Castanha, um menino que vive no Mercado Ver-o-Peso, tradicional feira-livre de Belém, saltando e tentando escapar do cassetete de um policial militar, em busca de abrigo e alimentos. A ilustração, que faz parte de uma história de ficção, foi retirada pelo shopping.

Artes alvos do Instagram

Reproduções da Charge de Gilmar e da tirinha d’Os Santos censuradas no Instagram.

Em 2020, a censura às artes veio pelo Instagram. Uma tira da série “Os Santos”, criada por Leandro Assis e Triscila Oliveira, e um cartum de Gilmar, o mesmo que agora é processado por uma charge, foram retirados do ar sem maiores explicações pela plataforma. Ambas as publicações se tratavam de conteúdos antirracistas e mostravam como o racismo opera contra a população negra e periférica e por meio da violência policial.

Charge usada em prova foi contestada

Ilustração do Junião que foi usada em prova na Colégio Marista de Natal (RN), em 2020.

A Polícia Militar do Rio Grande do Norte reagiu a três charges usadas em uma prova de avaliação de alunos do 8º ano e pediu esclarecimentos à direção do Colégio Marista de Natal em 2020. As imagens do ilustrador Antonio Junião, cofundador e diretor de projetos e sustentabilidade da Ponte, e do cartunista e chargista Carlos Latuff retratavam críticas à polícia a partir de temas como prisão sem provas, racismo e violência policial. Para a corporação, as charges “distorciam” a real imagem da instituição.

Repúdio à exposição no Dia da Consciência Negra

Charge feita pelo ilustrador e diretor de projetos da Ponte, Antonio Junião, que estava em exposição de alunos do DF.

Antonio Junião e Carlos Latuff já passaram por outro episódio de tentativa de censura sobre os seus trabalhos em 2021. As charges também foram expostas em um colégio do Distrito Federal, dessa vez cívico-militar, e faziam parte de um mural feito por alunos do 8º e 9º anos do ensino fundamental e do 1º ao 3º ano do ensino médio sobre o Dia da Consciência Negra.

Leia também: Latuff: ‘existe um esforço para calar vozes que discutem a violência policial’

O trabalho, que destacava homenagens a personalidades negras e à história da cultura afrobrasileira e trazia críticas à violência policial assinadas por artistas como Carlos Latuff, Alexandre Beck e Antonio Junião, incomodou o então deputado-federal pelo PSL do Ceará, Heitor Freire. O parlamentar foi até a instituição de ensino denunciar a direção pedagógica por “corrupção de menores e apologia ao nazismo”.

Reprodução de uma das charges de Carlos Latuff que foram alvos de críticas do ex-deputado federal Heitor Freire (PSL-CE).

O corpo docente do colégio divulgou uma nota repudiando a ação do ex-deputado. Para Junião, a reação de Heitor Freire mostra como setores da extrema-direita tentam monopolizar o debate da segurança pública. “Eles não estão interessados em discutir a violência policial, as questões raciais que estão envolvidas, querem impor a sua maneira de pensar e não querem discutir problemas estruturais”, afirmou.

Assine a newsletter da Ponte! É de graça

Em uma longa entrevista à Ponte na mesma época, Latuff comentou sobre a repercussão de suas charges e por que retratar a violência policial gera represália. “Existe sempre uma tentativa das polícias, seja os comandos, seja as organizadoras de representação dos policiais, de calar vozes que tragam essa discussão a público”, disse.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude
Inscrever-se
Notifique me de
0 Comentários
Mais antigo
Mais recente Mais votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários

mais lidas

0
Deixe seu comentáriox