Um encontro com homens que trocam amor, suporte e afeto

    Eram 20 homens, entre a maioria jovem e alguns mais velhos, em uma roda de conversa, ou melhor, um ponto de reencontro consigo mesmo através das experiências contadas pelos demais e lembranças do seu próprio passado

    Encontro acontece quinzenalmente no CCSP, com próximo para o dia 4 de agosto | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Difícil tratar de afeto entre homens para quem não teve em sua vida a presença de um pai. Falo de pai no modo mais bruto da palavra, aquele cara que te gerou junto com sua mãe. Estou na estatística dos quase 40% de lares brasileiros comandados por mulheres, segundo o Ipea. Convivi desde o princípio da vida mais com meus avós maternos do que com minha mãe, quem trabalhava para garantir com que eu fosse quem sou hoje. Meu pai? Nunca nem vi.

    Deixando essa pequena introdução de lado, justamente a mim coube a missão de tratar de afeto com homens para a Ponte. Abracei a ideia de acompanhar o 5º encontro Ressignificando Masculinidades. Sugeri a pauta, estava curioso com o que um amigo fazia ali entre os organizadores. Não sabia do poder de análise, de reencontro em que entraria ao longo de duas horas deste domingo (21/7) no CCSP (Centro Cultural São Paulo), começo da zona sul da capital paulista, ainda que mais considerada área central.

    Um grupo de 20 homens sentados, contando sobre suas vivências, sentimentos, sensações e as ausências que sentiam. Muitos citaram como a relação com o pai afetou suas vidas. Mais no sentido ruim trazido pela palavra, de afeto negativo, de trazer traumas, pavores, instabilidade psicológica, do que o sentido carinhoso de afeto, de acolhimento, segurança, amor.

    Senti uma conexão comum: todos ali perceberam tais dificuldades como também querem entender o que as motiva. Querem dar um passo e mudar pequenas coisas que atingem os outros. A ideia é afetar dando suporte, carinho, mostrando que os traumas estão ali, não deixarão de estar, e cada um desses homens deve seguir trabalhando para que esta roda de afeto traumático acabe. Vai além de sermos bons pais no futuro.

    Havia ali gente como eu, que nunca nem sequer tinha visto o rosto da figura masculina que te trouxe para essa existência. Que nem sabia seu nome, como eu sei, mas nunca usei essa informação para nada além de gravar na mente: ó, o nome dele é tal. E foda-se, nada além. Vida que segue. Não tem nem um significado para mim. Outros contaram os efeitos causados por relações mais complicadas. De caras que se foram quando estes homens de hoje eram garotos. Cinco, seis anos. Reapareceram outras duas, três vezes na vida deles. Alguns até mais. Ainda assim, uma presença esporádica que destacava ainda mais o poder daquela ausência constante na vida. Órfãos de pais vivos, como um participante definiu bem.

    Grupo troca experiências e sensações para discutir como a masculinidade tóxica os afeta | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Fatos simples, como trocar olhares, elogiar uns aos outros, agradecer por uma fala carinhosa, afetuosa, se tornam barreiras. Com amigos, inclusive. Diversas vezes tratou-se disso no encontro. Justamente este roteiro de olhar, elogiar, foi a dinâmica de início. É desconfortável quebrar a barreira. Você fica vulnerável. O sentimento é de invasão daquela fortaleza de masculinidade, de que o homem inabalável não pode ser atingido. Mais um trauma da masculinidade. Um simples beijo no rosto no amigo quando se era adolescente, interpretado pelo padrasto como uma fraqueza – e indicativo e que eu poderia ser gay, na interpretação dele -, surge na mente como um exemplo claro. E sinal do quão intensa é esta relação tóxica cobrada entre homens.

    Olhar para o fundo do olho do outro era a tarefa. Parece simples, mas não é. Uma pessoa que você nunca viu, ter que elogiá-la? Como fazer isso com outro homem, a quem não se deve demonstrar fraquezas? Você será afetado uma hora ou outra. De novo pelo sentido negativo do termo. Não lembro de ter tido um tic tão grande para a sensação trazida por uma palavra quanto “afeto”. Talvez só por “homoafetividade”, também nesse encontro.

    Oras, é uma expressão tratada para a população LGBT+, nada além disso. Certo? Errado. É simplesmente o afeto entre homens. Héteros, gays, bissexuais, trans, o que for, entre homens. O sentido foi alterado com o tempo. Ganhou um sentido pejorativo para quem assim o vê. E quebrar esse preconceito com uma palavra é mais difícil do que apenas ouvir e entender o real significado.

    Senti ali que ressignificar masculinidade, como é o nome do encontro, vai além de apenas beijar o rosto do amigo como cumprimento e se dizer descontruidão. Nossa, que homem seguro de si. Não, um abismo separa o lado tóxico, que a relação cobrada socialmente entre homens pede, da vivência saudável. Era para isso que logo de início olhamos uns para os outros e nos elogiamos. É um desconforto explicável.

    Troca de afeto (positivo) aconteceu durante o encontro, com abraço após um dos integrantes desabafar | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Retomando o início, é fato que não ter um pai me afetou, assim como os demais ali. Os que tinham essa referência, seguiam com relações secas, daqueles homens que pagavam colégio e considerava o ato como prova de amor. Tenho um padrasto, um padrinho, tive um avô, que se foi. Minhas referências masculinas estão aqui, estiveram presentes. No entanto, assim como os que tiveram pais ausentes ou presentes, mas dentro de suas fortalezas, criei também minhas próprias barreiras.

    E é exatamente para derrubar estes muros que estes homens se encontram, trocam abraços, palavras, histórias. É para perceber que ficar dentro das fortalezas, nessa falsa segurança, te faz afetar negativamente a si próprio e aos outros. Um “eu te amo” para o amigo, parente, quem for, se torna um golpe na masculinidade, não um sentimento puro que se tem. É para pararem de racionalizar os sentimentos, é para poder senti-los da forma que são. Nada além disso.

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