‘Um volume na cintura’ foi a alegação da Rota para invadir casa e matar homem em SP

    Renato Vieira Cruz, 39 anos, foi morto pela PM na cozinha de sua casa; irmã da vítima contesta versão oficial: ‘quem é louco de trocar tiro com a Rota?’

    Família conta que Renato estava em casa e ‘não teve direito de se defender’ | Foto: Arquivo pessol

    Um volume na cintura. Esta é a suspeita alegada pela PM de São Paulo para entrar em uma casa na ação que terminou com a morte de Renato Vieira Cruz, 39 anos, em São Miguel, zona leste da cidade de São Paulo. Na manhã de quinta-feira (27/2), policiais da Rota entraram no local e mataram o homem com cinco tiros.

    De acordo com nota enviada pela SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) à Ponte, os integrantes da tropa mais letal da PM paulista patrulhavam a rua Salinas do Açu quando suspeitavam de Renato, “que estava com um volume na cintura aparentando ser uma arma de fogo”.

    Os policiais que participaram da ação sustentam que ele entrou na casa ao ver a equipe. Ainda de acordo com a versão oficial, os PMs foram “recebidos a tiros e intervieram, atingindo o homem”.

    Renato morreu na cozinha de sua casa, onde ainda havia uma poça com sangue misturado com água quando a Ponte esteve no local. Familiares contaram que o portão da casa estava trancado quando os PMs entraram na residência.

    Viatura da Rota parada na frente da casa onde Renato foi morto na zona leste de SP | Foto: Arquivo pessoal

    A versão oficial apontou que encontraram “porções de maconha, crack, cocaína, ecstasy e lança-perfume” na casa do homem. O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa investiga a morte.

    Em 2019, a Rota matou 101 pessoas, 98% a mais do que no ano anterior, quando 51 foram mortos, segundo levantamento da Ouvidoria da Polícia de SP. Um capitão e um delegado de polícia comemoraram os números e estimularam mais mortes.

    O advogado Damazio Gomes, 34 anos, integrante do Centro de Direitos Humanos de Sapopemba, bairro na zona leste da capital paulista, e membro da Rede de Proteção e Combate ao Genocídio, explicou que a ação da PM contrariou a lei.

    “Totalmente irregular. Mesmo que fosse constatado que o homem portava uma arma, não poderia ser feito dessa forma. Se estava em uma rua, tentaram abordar e aí o suspeito entrou em uma casa, nesse caso, nessa situação, poderiam ter entrado atrás”, explicou Gomes.

    Sangue espalhado no local onde Renato foi morto | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Segundo ele, se os policiais não anunciaram claramente a abordagem não poderiam ter entrado na casa sem autorização de Renato. “Viram o volume, suspeitaram. Não sabe dizer se era droga ou não, arma ou não. A cena está toda na mão dos policiais”, analisou.

    O advogado afirma que há duas situações que permitiriam os policiais entrarem em uma casa sem autorização do dono: no caso de uma perseguição que já está acontecendo ou se estão em uma investigação e uma pessoa suspeita entra no local.

    “É um absurdo ter uma justificativa nesse nível. Não tem amparo legal nenhum para que justifique a ação como foi”, sustentou Damazio Gomes, citando que o Judiciário “infelizmente tem validado” ações como esta da polícia.

    ‘Quem é louco de trocar tiro com a Rota?’

    A autônoma Patrícia Fátima Cruz, 41 anos, deu versão diferente da oficial sobre a ação policial na zona leste que terminou com a morte de seu irmão. Ela garantiu à Ponte que Renato estava dentro de casa quando os policiais invadiram o local.

    “O portão estava com dois cadeados na hora que eles chegaram. Ele não estava nem no portão, estava dentro da casa. Os PMs não tinham nem mandado. Se não tem, não vai entrar”, contou a mulher. “Ele não teve direito de se defender.”

    Segundo ela, os policiais da Rota usavam luvas azuis em suas mãos e ao menos 20 deles estavam dentro da casa. “Eu entrei na casa antes da perícia, não tinha nada disso de droga, arma. Só policiais entrando e saindo. Eram umas dez viaturas”, lembrou.

    Marca de tiro na cozinha da casa que Renato vivia com irmão gêmeo | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Patrícia disse que o irmão era dependente químico, mas não tinha nenhuma ligação com o crime e que não arrumava confusão. “Tínhamos discussões de irmão, mas pode perguntar na rua: ele não brigava com o pessoal, era de boa”.

    Ela deixou o trabalho quando soube da ação e correu para a casa de Renato. “Não quiseram falar nada, disseram que ele trocou tiro com eles, mas não tinha arma. Quem é louco de trocar tiro com a Rota? Eu perguntava do meu irmão e não falavam nada”, afirmou.

    A mulher afirmou que os policiais tiraram seu irmão com uma manta térmica e não informaram para onde o levariam. “Soubemos às 13h que ele tinha morrido. Cheguei lá eram 11h”, disse.

    Ainda de acordo com a nota enviada pela SSP-SP, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste mandato de João Doria (PSDB), Renato foi socorrido com vida pelo Corpo de Bombeiros e foi atendido no Pronto Socorro de Ermelino Matarazzo, onde morreu.

    Procurado pela Ponte através de sua assessoria de imprensa, o ouvidor da polícia de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

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