Uma ilha que alaga na zona leste de São Paulo

Comunidade é circundada por dois córregos e há décadas vive com problemas de enchentes, falta de saneamento e moradia irregular; moradores reivindicam participação popular em projetos dos governos municipal e estadual

Anna Karenina na porta de casa que é cimentada com uma barreira para evitar que águas da enchente entrem | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

A manicure Anna Karenina de Castro Silva, 43, conta que ainda estava grávida quando se reuniu a um mutirão de moradores para implantar, por conta própria, encanamentos e tubulações para escoar a água que vinha quando a enchente tomava a Favela da Ilha do Iguaçu, comunidade que é circundada por dois córregos, um deles servindo de divisa entre as cidades de São Paulo e Santo André, no ABC Paulista.

“Tá vendo essa caixa? Ela tem a idade da minha filha de nove anos e foi a gente que fez com cano PVC para assorear o esgoto”, apontava para um bueiro em que era possível ouvir a água passando. “A gente que faz a limpeza do esgoto.”

A caixa de esgoto, como ela chama, fica a poucos passos da porta da sua casa, localizada em dos becos da entrada da comunidade, e foi uma das medidas que famílias como a dela tomaram para mitigar o problema frequente. Há 12 anos, Karen, como é conhecida, mora no local com o marido, um adolescente de 18 anos e duas crianças, a de nove anos e uma de um ano e meio.

Na porta, ela cimentou uma espécie de barreira para evitar que a água entre. “Mas nem sempre isso aqui segura, a água passa por cima”, afirma. “Teve uma vez, em janeiro, que eu estava assistindo filme com a minha bebê no berço e dormi. Choveu de madrugada e eu acordei com a água no pé e tive que gritar o meu marido e subir tudo”, lembra. A casa tem dois andares: embaixo fica a sala, cozinha e banheiro; em cima, o quarto. Anna Karenina já perdeu móveis.

Boca de lobo próximo à casa de Anna Karenina. Ela afirma que construiu a caixa há nove anos junto com outros moradores para escoar a água da chuva | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

O problema, segundo a manicure, deu uma aliviada nos últimos três meses, quando houve uma pavimentação em parte da comunidade, foram construídas algumas “bocas de lobo” (bueiros) e outras foram limpas e fechadas. “Até a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), que é difícil vir quando a gente chama, veio e colocou relógio para duas casas e disse que ia voltar para colocar o meu, mas até agora não veio”, conta, apontando para os dois hidrômetros, equipamentos que apuram o consumo de água, cimentados na parede de imóveis vizinhos. “Tem um mês e meio que estão aí.”

O período coincide com uma série de postagens no Instagram do subprefeito de Sapopemba, distrito da zona lesta da capital, Pastor Marlon Sales da Silva. Cargos de prefeito e vereador não estavam em disputa nas eleições deste ano, mas os moradores associam a ação do poder público à proximidade do período eleitoral. “A gente é um povo esquecido e que só é lembrado em época de eleição”, lamenta Karen. “Depois que a eleição passa, volta tudo como era antes”.

Visão aérea da Favela da Ilha, em que uma das entradas começa na Avenida do Oratório, na zona leste da capital paulista. A entrada inicia ao lado da quadra esportiva. | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

A partir de julho, um mês antes do início oficial do período de campanha, há fotos do subprefeito mostrando obras na região, incluindo a inauguração de uma ponte de concreto que ficou no lugar de uma passagem de madeira improvisada, em 11 de julho. Ao redor da obra, onde já existia uma quadra para crianças jogarem bola, foram incluídas mesas, cadeiras, bancos, formando uma praça, e uma grade de proteção, para que as pessoas não caiam no Córrego do Oratório.

Em setembro, ele publicou uma foto ao lado do deputado federal Enrico Misasi (MDB), que não se reelegeu, e ao vereador de Osasco Rogério Santos (MDB), que foi eleito deputado estadual neste ano. Na publicação, ele pedia votos: “São os Parlamentares que mais se empenharam para que a Região de Sapopemba recebesse recursos para as Melhorias. Inúmeras Obras de Intervenção que foram solucionadas graças a ação destes parlamentares!”, escreveu.

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) declarou que as obras integravam o Plano Plurianual, que é o plano de metas de 2022 a 2025, e que os moradores reclamavam da ausência de recuperação das margens e da travessia sobre o Córrego Morro Grande há pelo menos 30 anos. O documento apenas indica objetivos e pastas que vão ter recursos direcionados, mas não especifica que tipo de ações cada região compreendida pela subprefeitura vai ter.

As obras de reparação dos muros de gabiões desse córrego com a ponte datam com início em fevereiro, com duração prevista de 180 dias, no valor de R$ 3,4 milhões. Gabião é uma espécie de estrutura metálica com pedras colocada nas margens do córrego que, entre suas funções, evita erosões, ou seja, para que não haja desmoronamento com o curso da água.

O Córrego Morro Grande passou a ter uma travessa principal de concreto entregue em julho deste ano pela Prefeitura, mas alguns trechos (foto) tem outras passagens improvisadas feitas de madeira | Foto: Daniel Arroyo

Ao lado da praça, há um prédio abandonado e fechado de um Centro de Educação Infantil (CEI) da Prefeitura. Quando a Ponte esteve na comunidade, em maio, para um perfil sobre uma das lideranças do local, o ativista Hélio Augusto, 39, as obras da ponte e da praça ainda não existiam. Ainda assim, é possível passar com tranquilidade pelas extremidades do córrego. Também há casas de alvenaria e palafitas nas margens.

A reportagem presenciou crianças pulando e brincando em cima de dutos empilhados da Sabesp sem utilização que ficavam do outro lado do córrego, na Avenida Marginal do Oratório. Os dutos e uma parte de um canteiro de obras ali fazem parte de um projeto do governo estadual e da Sabesp de interligação da rede coletora de esgoto entre a Rua Glauber Rocha e a Avenida do Oratório cuja placa aponta que a obra começou em 21 de outubro de 2020 e indicava um prazo de 360 dias, ou seja, quase um ano para ser finalizado, ao custo de R$ 2,1 milhões, mas ainda não terminou. O prazo foi estendido para maio de 2023, com um acréscimo de mais de R$ 60 mil ao valor original.

A comunidade é margeada pelo Córrego do Oratório (também chamado de Ribeirão do Oratório), afluente do Rio Tamanduateí com 25 quilômetros de extensão, cuja nascente fica em Mauá, na região metropolitana, e integra a Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. O córrego é um rio menor que é como se fosse um braço de um rio maior, o Tamanduateí, que faz parte de uma região que comporta um ou mais rios principais (bacia). Esse córrego faz a divisa entre os municípios de São Paulo e Santo André. As águas, quando ocorrem enchentes, também afetam as comunidades Beira do Mangue, São Nicolau, Coral e Vila Prudente, que ficam próximas.

Placa da obra do governo estadual e da Sabesp para a interligação da rede de esgoto do Córrego do Oratório. As obras deveriam ter sido entregues em outubro de 2021, mas foram prorrogadas até maio de 2023 | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

O outro curso d’água que permeia parte da Favela da Ilha é um córrego que não tem nome nos mapas, mas é chamado localmente de Córrego do Morro Grande.

De acordo com Melissa Graciosa, professora de Hidráulica e Drenagem da Universidade Federal do ABC (UFABC), a comunidade da Ilha está numa área de inundação, conforme o mapa que ela fez a pedido da Ponte. Ela demarcou essa área com uma mancha azul, de acordo com o Plano Diretor de Macrodrenagem (PDMAT) do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), que é uma autarquia do governo estadual responsável pelo gerenciamento dos recursos hídricos, e que tem objetivo de mapear regiões e combater enchentes.

Mapa mostra mancha de inundação da região da Favela da Ilha | Foto: Reprodução

Considerando então que o governo do estado tem a responsabilidade da drenagem e gerenciamento dos recursos hídricos e que o córrego está entre duas prefeituras, para quem fica a responsabilidade? Segundo Graciosa, é do estado. “Foi por isso que o Daee criou o primeiro plano diretor da metrópole quando assumiu para si a responsabilidade na década de 1990”, explica.

“A gente tem 39 municípios que fazem parte da bacia do Alto Tietê, e tem dois ou três ali que compartilham o mesmo rio, então é necessária uma gestão integrada. Mas do ponto de vista da execução, a gente ainda está muito aquém do esperado.”

Medo de chuva

Há 18 anos na Ilha, o pedreiro Henrique Manoel da Silva, 52, não sabe mensurar quantos pertences já perdeu durante enchentes. “Já foi sofá, estante, fogão, geladeira…”, elenca. Na casa de dois andares que fica em um dos becos da comunidade, a sala é praticamente vazia. “Você vê que eu nem deixo muitos móveis aqui porque é muito duro a gente lutar para conseguir comprar uma coisa e ver a força das águas levando tudo”, lamenta. O cômodo tem um sofá e duas cadeiras. Depois vem a cozinha. Os quartos ficam em cima.

O pedreiro Henrique Manoel da Silva em frente à porta de casa mostra a comporta que utiliza para evitar que as enchentes tomem o imóvel | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

A porta de entrada é reforçada com uma comporta de metal de aproximadamente um metro e meio. “Quando eu comprei a casa, ela já veio junto”, conta. Nas paredes, ainda persiste a marca de uma das maiores enchentes que presenciou. “Foi há quatro anos, a água passou por cima da comporta”, lembra ao apontar o dedo na linha que marcou a altura que as águas atingiram e que ficam exatamente no pescoço do pedreiro. “Neste ano ainda não choveu forte, porque não é toda a chuva que alaga”, explica.

A esposa Valdirene quer comprar um fogão novo, mas o companheiro não se empolga. “Esse fogão tem uns 13 anos, já tá enferrujado por conta de tanta enchente que já levou”, mostra ela ao abrir a porta do forno e indicar a ferrugem abaixo, que já abriga alguns buracos. “E se a gente compra e perde?”, pergunta.

“Eu tenho medo da chuva, principalmente no verão, meses de novembro, dezembro, janeiro, fevereiro”, lamenta ela, que vive com o marido, dois filhos e um neto. Visitar os parentes durante as festas de final de ano nem é cogitado. “Eu já fui para o Piauí em mês de outubro porque a gente tem medo de deixar a casa vazia e encher, a gente fica preocupado”, aponta. “A água sai do ralo também e do vaso do banheiro”.

Ferrugem do fogão da dona Valdirene, esposa de Henrique, devido às enchentes. Segundo ela, o eletrodoméstico tem 13 anos | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

O casal conta que decidiu deixar a terra natal em busca de melhores condições de vida. “Eu vim do Piauí nos anos 1990, primeiro eu morei no Jardim Elba [bairro próximo de São Paulo] e depois vim para cá”, lembra Henrique. “As condições no Nordeste eram muito difíceis, então quando consegui um dinheirinho e onde morar, mandei buscar minha esposa e criei meus filhos aqui”, prossegue.

“Se desse para tirar a casa e levar para outro lugar seria ótimo, né?”, brinca Valdirene.

Mas o cenário do local não é culpa das aproximadamente 1300 famílias que vivem na comunidade. A professora Melissa Graciosa explica que a urbanização desenfreada, com canalização de rios e ocupação de áreas chamadas fundos de vale, que são as partes mais baixas de um terreno por onde escoam as águas, aumenta a complexidade do problema.

“Eu até fiz um estudo com uma aluna com uma análise de como os fundos de vale são ocupados na Bacia do Tamanduateí e 95% é por avenida, então a culpa não é sempre da população que ocupou de maneira irregular, não é bem assim”, pondera.

Por outro lado, a questão habitacional também é relevante. O terreno é da Prefeitura. Alguns moradores têm lotes próprios com escritura, mas não é a maioria dos casos. “Aqui a gente entende como usucapião [por tempo de ocupação] porque vivo há mais de 30 anos”, afirma a ajudante geral Inês Teresinha Gomes de Siqueira, 61, que mora mais próximo da margem do Córrego do Oratório mas sofreu menos do que outros vizinhos por estar em uma área mais alta.

Ela é gaúcha e chegou em São Paulo aos 10 anos para trabalhar em casa de família como empregada doméstica. “Com 17 anos, consegui outros serviços, morei no Jardim Elba e depois vim para cá”, lembra.

Trecho do Córrego Oratório com gabiões nas margens | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

“Existe uma preferência por soluções tradicionais [por parte dos governos] e um descompasso muito grande entre a demanda e a política pública de oferta de habitação”, pontua a professora. “Isso faz com que essas pessoas procurem se instalar exatamente naqueles locais onde o mercado imobiliário formal não chega e está impossibilitado de construir justamente porque são áreas de preservação de mananciais ou várzeas de córrego, como é o caso da Favela da Ilha, ou áreas de encosta com risco de deslizamento”, explica.

E não é à toa que existem pessoas que migram para esse tipo de área. “Uma área majoritariamente de pessoas brancas, ricas, que têm acesso a assessoria técnica, que fazem suas casas ali na engenharia, na arquitetura, há muito tempo planejada, geralmente essa água vai ter por onde escorrer”, explica o porta-voz de Clima e Justiça do Greenpeace Rodrigo Jesus.

“Já para a comunidade periférica majoritariamente negra, de mulheres chefes de famílias que moram em morros e encostas ou que moram perto de córregos, como por exemplo os ribeirinhos, os indígenas também, quando vem um evento extremo de chuva, ou seja, chove muito no meio do dia, o que acontece? Sua casa é alagada, geralmente toda a ambientação ali pela falta de política pública que não é pensada para escorrer aquela água ou no processo de moradia e urbanização intensa de como adaptar aquela região pra que não possa ser impactada”, prossegue.

Córrego do Oratório que divide a Favela da Ilha e a Avenida Marginal do Oratório | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Por isso, ele aponta, as mudanças climáticas afetam muito mais essas populações. “Isso na verdade é uma falta de priorização das políticas públicas voltada para a população periférica, mas também de um processo que a gente tem de degradação da natureza como um todo”, afirma. “As pessoas que menos têm interferência em relação à destruição da natureza são as mais impactadas. Existe um componente climático, mas também a desigualdade social do país, com falta de alimentação, com pobreza”.

É o que vem sendo conceituado como racismo ambiental. “Quando a gente tem áreas específicas da cidade, de um lugar ou de um povo, a gente tem destinações”, indica Rodrigo Jesus. “Onde eu vou construir, onde eu vou colocar um esgoto a céu aberto, onde vai ser uma usina de energia. Essas questões são tomadas nessas esferas institucionais por um olhar racista. Se eu for construir algo desse tipo do lado de onde mora uma classe média branca, rica, eu vou ter mais chances de retaliação. E tem esse pensamento de que como o povo preto é pobre mesmo, aceita qualquer coisa e já está na miséria, ou seja, é um pensamento de que se pode destinar essas obras mesmo tendo resistência porque eles não têm conhecimento jurídico e técnico e vão acabar perdendo.”

Na beira do mangue

Nos anos 2000, houve mobilização dos moradores não só da Favela da Ilha, mas também das comunidades adjacentes, por conta do problema das inundações. Um dos líderes comunitários, Helio Augusto, contou em maio à Ponte que o movimento conseguiu que dois piscinões fossem construídos para minimizar as enchentes: o Piscinão Oratório, no bairro do Jardim Elba, em 2007, e o Piscinão Sônia Maria na cidade de Mauá, em 2004, onde o córrego nasce. Ambos são de responsabilidade do Daee, ou seja, de competência do governo estadual. O piscinão é um reservatório que acumula a água das chuvas e ajuda a escoá-las com menos volume e velocidade.

Palafitas de alvenaria em trecho do Córrego do Oratório em frente à uma das entradas da Favela da Ilha | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

“Em 2003, teve uma enchente monstruosa, então a gente começou a bater de porta em porta na comunidade, não só aqui [na Ilha] para juntar gente e conseguir trazer o Daee para uma reunião na Paróquia São Pedro. Assim conseguimos manter um canal de diálogo por um bom tempo”, lembra.

“A gente conseguiu um acordo de que fizessem a limpeza do córrego, mesmo que ainda fosse insuficiente, mas, a cada vez que limpavam, a gente apontava um problema: por exemplo, se limpavam o rio e não limpavam a cabeceira do córrego e as proteções de margem, não adiantava”, prosseguiu.

Em 2009, havia um projeto de canalização do córrego a partir de um termo de cooperação entre os governos estadual, por meio do Daee, e federal, que financiaria R$ 64 milhões dos R$ 80 milhões previstos para obra, pela Caixa Econômica Federal (CEF) por meio do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a fim de retificar o curso do rio. Contudo, as obras não prosseguiram como o esperado. “Tudo parou porque o Daee disse que o problema era a ocupação das famílias e que a Prefeitura tinha que resolver a questão habitacional e ficou um jogo de empurra”, conta Hélio.

Trecho do Córrego do Oratório onde há dutos enterrados de propriedade da Petrobrás | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Em um requerimento de informação de 2018, o deputado estadual João Paulo Rillo (PT) levantou uma série de questões sobre o andamento do projeto. O superintendente do Daee, Francisco Eduardo Loducca, apontou uma trama complexa: não conseguiu buscar uma solução habitacional para as 1.300 famílias, ponto que a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) requer para poder emitir uma licença ambiental de instalação. Sem a licença, argumenta, a Caixa Econômica Federal não poderia fazer os repasses de recursos. “Diante disso, não foi possível viabilizar a Solução Habitacional no prazo estabelecido pela CEF para o início das obras e, assim, o Contrato foi cancelado”, escreveu.

O cancelamento ocorreu em 2014 e o superintendente afirma que o Daee fez parte da canalização com recursos próprios, até onde não tinha ocupação de moradores, e que continuaria as tratativas para as questões habitacional e orçamentária.

A autônoma Lala Silva, 28, nascida e criada na Favela Beira do Mangue, que é próxima da Ilha, mostra diversos protocolos com pedidos de limpeza do córrego que fez pelo telefone 156 da Prefeitura de São Paulo. “Eles colocam como indeferido e não explicam, mas dizem que é porque o Daee não permite enquanto tiver moradia”, diz.

As lideranças comunitárias Lala Silva, da Favela Beira do Mangue, e Hélio Augusto, da Favela da Ilha, em frente ao trecho do Córrego Oratório em extensão da Rua Arenito | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Ela afirma que uma ação mais recente do governo municipal aconteceu após muita insistência dela, que é líder comunitária, e de outros moradores: a construção de muros de gabião no Córrego do Oratório às margens da Rua Arenito como uma obra emergencial. Segundo a placa, as obras iniciaram em 15 de junho e, quando chegamos, na terça-feira (11/10), estavam apenas os materiais de construção, parte dos muros levantados e uma escavadeira. O rio e as encostas estavam sujos.

“Faz jus ao nome de beira do mangue porque quando você passa, em dia de chuva, fica um lamaçal e a água acima do pé”, explica Lala. “Antes a Defesa Civil demorava muito para vir quando acontecia enchente, agora demora menos. Algumas coisas a gente conseguiu por ficar em cima.”

Outro problema é que o outro lado do córrego é de propriedade da Petrobrás. Algumas partes do terreno e também têm avisos amarelos indicando a presença de dutos e que o local não pode ser escavado. Tanto que do lado da estatal há muro de gabião de concreto, e do outro, na Rua Arenito, o muro é de gabião de pedra, levantado pela Prefeitura.

De acordo com a professora Melissa Graciosa, da UFABC, é preciso primeiro fazer uma limpeza no córrego, estabilizar a calha para evitar a erosão e daí em seguida implementar o gabião. Além disso, as edificações, ou seja, as moradias, também teriam de ser realocadas. “O gabião é muito bem-vindo porque é um revestimento natural, por ser de pedras, e que pode depois ser recoberto com vegetação para ficar com uma aparência mais natural”, indica.

“Ao realocar [as moradias], você pode implantar ali medidas de reservação natural: abrir bolsões, fazer piscinões, só que mais naturais e de menor porte que armazenam a água daquele córrego para ele ir escoando de uma maneira mais suave sem causar enchentes. Essas são soluções de saneamento que têm que estar integradas com o projeto de habitação e de urbanização dessa favela”, aponta.

Em julho, Lala afirma que 32 moradias foram retiradas e as famílias saíram de forma voluntária em parte da Rua Arenito. “A promessa era de que viria a canalização, mas até agora não veio”, diz. “Essas pessoas pegaram o auxílio-aluguel e alugaram outros barracos aqui da comunidade”.

Muro de gabião em processo de construção pela Prefeitura de São Paulo na Rua Arenito, na Favela Beira do Mangue | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

“A gente não é contra remoção, desde que as pessoas tenham lugar para onde ir porque dar um auxílio-aluguel é um gasto para a Prefeitura que não compensa e que não paga o suficiente para uma pessoa morar”, critica Hélio.

A professora aponta que nem sempre a canalização é a melhor alternativa e que é necessário um projeto de impacto feito de forma integrada. “A comunidade está tão acostumada com o curso d’água que tem esgoto, que tem mau cheiro e que é vetor de doença ali para a população, que ela espera mesmo que o poder público vai lá e vai tampar esse córrego quando o ideal é trabalhar medidas de menor impacto que possam proteger o córrego e fazer a drenagem, mas sem matar o rio, sabe? Tampar esse rio seria agravar a enchente. Você pega a enchente de um ponto e leva para outro”, alerta.

Em janeiro de 2020, a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente anunciou que seria “elaborado projeto executivo de canalização do Córrego do Oratório, numa extensão de 7.080 metros, entre os municípios de São Paulo e Santo André”, com um investimento de R$ 1,7 milhão proveniente do Fundo Estadual de Recursos Hídricos. A reportagem localizou dois contratos sobre estudos em andamento: um sobre a canalização do córrego, no valor de R$ 996.334,78, e outro sobre as contenções e monitoramento geotécnico das margens, no valor de R$ 2.448.151,21, com previsão de término de dois anos. Não há menção de quando poderão ocorrer as obras de fato.

O que diz a Prefeitura

A Ponte questionou a Prefeitura se existe projetos de habitação e urbanização das Favelas da Ilha e da Beira do Mangue, bem como sobre as obras emergenciais nos córregos Morro Grande e do Oratório, além dos pedidos de limpeza solicitados pela moradora Lala Silva que foram negados. Até a publicação, não houve resposta.

O que diz o Governo do Estado

A Ponte procurou a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente e a assessoria do Daee a respeito das obras de canalização dos córregos e reclamação de moradores. O Daee encaminhou a seguinte nota e prometeu que as obras serão iniciadas em 2023.

O DAEE já executou a canalização de 450 metros do córrego Oratório próximo às ruas Raul Raimo e Barbeiro Sevilha. Também construiu dois piscinões com capacidade para 440 mil m³. 

A canalização do córrego do Oratório é uma prioridade do Governo do Estado de São Paulo, que investiu mais R$ 1 milhão no projeto executivo para continuidade dos trabalhos a fim de minimizar o impacto das chuvas na região. A conclusão do projeto ocorreu no último mês e os recursos estão garantidos para o início da obra, após a licitação, que deve ocorrer no início do próximo ano. 

O projeto de 2010 não foi executado em razão da necessidade de remoção de cerca de 1.300 famílias que ocupavam as margens do córrego e não foram reassentadas por meio de programas habitacionais. 

O que diz a Sabesp

Questionada sobre parte das casas ter hidrômetros e outras, não, além da coleta de esgoto, a autarquia respondeu:

A Sabesp informa que está realizando uma obra para interligação de rede coletora de esgoto sob o córrego no trecho entre a Rua Glauber Rocha e Avenida do Oratório. A previsão para conclusão desta obra é para o primeiro semestre de 2023. Logo em seguida, serão realizados os trabalhos de ligação dos imóveis para a coleta de esgoto daqueles que não dispõem ainda deste serviço, por meio do Programa Se liga na Rede, realizado em áreas de vulnerabilidade social, para regularização do saneamento. A Sabesp também está executando obras de regularização do abastecimento de água na comunidade Ilha/Iguaçu por meio do Programa Água Legal, programa premiado pela ONU que busca regularizar ligações de água em áreas de alta vulnerabilidade social, melhorando a qualidade de vida e a saúde da população local. Por isso, alguns imóveis já possuem hidrômetros. A renovação da infraestrutura existente visa atuar em 100% da área liberada pela Prefeitura (que corresponde mais de 700 imóveis). A atuação ocorre à medida que as áreas são liberadas e autorização pelos órgãos competentes.

Este conteúdo foi produzido no âmbito do projeto Planeta Território, uma iniciativa da Território da Notícia com apoio do Instituto Clima e Sociedade para fomentar e distribuir informação de qualidade sobre a emergência climática, o contexto eleitoral e o impacto na população periférica por meio de totens digitais em estabelecimentos comerciais das periferias de São Paulo

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