Umbandistas têm nomes vinculados à pornografia e denunciam perseguição religiosa

    Depois de tentativa de despejo e atos de vandalismo, terreiro C.E.U. Estrela Guia, localizado na zona sul da cidade de São Paulo, tem sofrido ataques cibernéticos

    Pai Denisson e Mãe Kelly denunciam três ações de intolerância religiosa nos últimos oito meses | Foto: Reprodução

    No último ano, o Centro Espiritualista de Umbanda Estrela Guia foi alvo de três ataques de intolerância religiosa. A denúncia foi feita pelo Pai Denisson D’Angiles, 44 anos, que cuida do terreiro ao lado da esposa, Mãe Kelly D’Angiles, 47.

    O primeiro, em dezembro de 2019, foi pela via judicial, quando o casal de líderes religiosos recebeu uma ordem de despejo do galpão industrial na Vila da Saúde, zona sul da cidade de São Paulo, que mantém desde maio de 2018. A ordem veio após Denisson e Kelly solicitarem reformar o terceiro andar do prédio, que pretendiam alugar para ampliar os trabalhos assistencialistas que realizam, além do trabalho religioso.

    Os proprietários do imóvel perderam a briga na Justiça paulista. Para a surpresa de Denisson e Kelly, os proprietários recorreram da decisão, mas perderam também em segunda instância, quando o desembargador Marcondes D’Angelo negou o recurso de despejo em fevereiro de 2020. “Eles também foram penalizados pela Justiça e obrigados a pagar uma indenização para a gente”, disse Denisson à Ponte.

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    Durante a defesa, os proprietários do galpão alegavam que a umbanda não era religião. “Eles diziam que não tínhamos as dimensões de uma igreja católica nem de um templo budista. A gente é visto como pessoas do mal, mas todos os nossos trabalhos são pelo bem”, lamentou Denisson.

    O segundo ataque de intolerância veio na mesma época, quando o terreiro foi invadido e vandalizado duas vezes: câmeras de segurança foram quebradas e fios de energia roubados. “Deixaram um fio ligado em alta tensão, 750 volts. A intenção era nos matar”. Os ataques foram registrados no 16ºDP (Vila Clementino).

    Quando tudo parecida ter se acalmado, em junho, Denisson descobriu mais de 19 mil vídeos de pornografia, inclusive pedofilia, vinculados em seu nome, de sua esposa, do terreiro e de filhos de santo do terreiro. “No começo achamos que era algum engano, mas conforme fomos nos aprofundando vimos a gravidade daquilo”, contou.

    “Alguns de nossos filhos de santo trabalham na área de programação e descobriram que esses sites estão hospedados no Panamá”, continuou. “Isso está atrelado com tageamento. No Google, se você procurar o meu nome com o nome do terreiro, C.E.U. Estrela Guia, sem aspas, aparecem os vídeos”. 

    Denisson, então, procurou o 35ºDP (Jabaquara) e a Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância). Apesar de o caso ser registrado como “delitos de informática” na delegacia, o líder religioso ouviu dos policiais que não poderiam ajudar “porque eram crimes internacionais”.

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    Na sequência, a tentativa foi diretamente com o Google, para que eles derrubassem os sites ou desvinculasse os nomes. Mas, por enquanto, nada foi feito. “Isso estraga a imagem de qualquer pessoa. Tomamos todas as precauções, mas ficamos de mãos atadas. A gente atende mais de 300 famílias todo mês com cestas básicas. Algumas empresas e órgãos públicos têm demonstrado muito apreço pelo nosso trabalho. A primeira coisa que pedem é o site e o nosso nome, processo natural e tudo mais”, explica o pai de santo.

    Denisson e Kelly conheceram a umbanda depois do casamento. Denisson conheceu primeiro o espiritismo, religião que frequentou até os 26 anos. Kelly era católica e até os 29 anos foi ajudante do Padre Marcelo Rossi. Desde 2015 cuidam do C.E.U. Estrela Guia, que começou em uma pequena casa de 60m².

    Como a demanda cresceu rapidamente, decidiram buscar um espaço maior, encontrado no galpão atual, de 450m² e realiza mais de 300 atendimentos religiosos por gira (culto religioso da umbanda). Além das giras, o C.E.U. Estrela Guia fornece cursos de teologia e desenvolvimento mediúnico e desenvolve ações sociais.

    Todo o trabalho assistencial é custeado pelos líderes religiosos e pelos filhos de santo. Durante a pandemia, para não deixar a espiritualidade de lado, passaram a fazer as giras on-line, que tem reunido de 30 a 40 mil pessoas. O local físico do terreiro deu espaço para uma cozinha industrial, para produção de alimentos a pessoas em situação de rua.

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    “Nosso papel é levar paz, transformar ódio em amor, transformar desesperança em esperança. Nosso propósito é sempre esse, levar palavras de carinho e conforto e alimento, para o corpo e para a alma”, definiu Denisson.

    “Em nossa casa, não há nenhum tipo de preconceito e intolerância. Todas as vidas nos importam. Abraçamos a causa das pessoas de rua, das pessoas LGBT+, das pessoas negras”.

    Outro lado

    A reportagem procurou o Google, para saber quais as medidas possíveis de serem tomadas, e aguarda posicionamento.

    Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que a autoridade policial do 35º DP (Jabaquara) “entendeu que o delito enquadra-se no artigo 138 do Código Penal, sobre crime contra a honra”. “A vítima foi orientada sobre o prazo para ofertar representação criminal, necessária para prosseguimento da investigação”.

    Por telefone, a Ponte também procurou o escritório de advogacia que defende os interesses do proprietário do galpão onde fica o C.E.U. Estrela Guia para saber se a advogada responsável queria comentar o ocorrido e aguarda um retorno.

    Matéria atualizada às 21h do dia 4/8 para inclusão da nota da SSP

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