Legista e perito ouvidos pela Ponte analisam laudos com causa das mortes de parte das 9 vítimas de ação da PM em baile funk; aos menos dois morreram asfixiados
Ao menos duas das vítimas do massacre em Paraisópolis, durante uma ação da PM de São Paulo para reprimir baile funk, morreram asfixiados. Um deles teve traumas físicos e asfixia por elementos químicos como motivo de sua morte. Outra vítima teve trauma na coluna. Há ainda laudos inconclusivos e que exigem outros exames.
Os documentos oficiais descrevem as causas das mortes de Luara Victoria Oliveira, 18 anos, Gabriel Rogério de Moraes, 20, Mateus dos Santos Costa, 23, e Bruno Gabriel dos Santos, 22. Tanto Luara quanto Gabriel morreram por asfixia, quando há falta de respiração e oxigenação no cérebro. No entanto, o jovem ainda teve como causa uma “finergia físico-química”, uma junção de fatores que causaram a morte.
“Finergia é uma associação: físico pode ser contato, aperto de uma pessoa contra a outra, e associada, de repente, com um produto químico”, explica Celso Domene, 73, presidente Associação de Médicos Legistas de São Paulo. “No entendimento desse médico, a associação desses dois fatores pode ter provocado a morte”, detalha, sobre o laudo necroscópico de Gabriel.
Durante a ação policial no baile funk da DZ7, a PM usou bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta para dispersar as pessoas. Ao todo, nove participantes do baile morreram pisoteados, segundo a versão oficial divulgada pelo governo de São Paulo.
Domene é professor da Academia de Polícia de São Paulo. Segundo ele, não há relatos de que uma pessoa tenha morrido apenas sufocada por gás lacrimogênio ou spray de pimenta, mas que essas substâncias, associadas a um trauma físico, por exemplo, pode causar a morte. “Esse produtos, às vezes, provocam irritação na via respiratória, as pessoas espirram muito, mas provocar morte pelo uso é muito mais difícil”, descreve.
Um perito ouvido pela Ponte sob condição de anonimato já analisa de forma diferente. Para ele, uma pessoa que inala grande quantidade desses produtos corre o risco de morrer. “Os dois podem causar asfixia, o mecanismo dele é irritação das vias aéreas superiores. Depende muito da quantidade a ser utilizada”, diz. “Se prender alguém em casa e jogar várias bombas, o nível de irritação é tão grande que isso pode, sim, levar ao fechamento de glote e pessoa morrer sufocada”, explica o perito.
O uso dos gases por parte da polícia é para dispersar as pessoas e neutralizar quem, segundo a tropa, aparenta ser uma ameaça. “Acredito que [o gás] pode ter o efeito das pessoas correrem, se esconder da exposição. Ele o causador da morte em si, não”, avalia o legista Domene.
O laudo da morte de Mateus detalha que o jovem não resistiu a um “trauma raquimedular por agente contundente”, o que significa uma lesão grave na coluna cervical. “É muito provável que seja na coluna cervical (região da nuca). “Na hora que se tem uma fratura em coluna cervical corre o risco de, junto dela, provocar uma parada cardiorrespiratória e uma paralisia dos membros superiores e inferior”, detalha o médico.
Segundo ele, uma possível causa dessa lesão é pisoteamento. “Se cai e várias pessoas pisam no pescoço de uma pessoa no chão, pode levar a uma fratura e dano esse trauma raquimedular”, explica. O perito consultado também apoia esta análise. “Esse trauma é de porrada nas costas, região perto da nuca. Se pega pela medula… Imagino que foi pancada”, aponta.
Enquanto os outros três casos tem causas claras no documento, a causa da morte de Bruno Gabriel é um mistério. O papel recebido pela família classifica como “causa: a determinar”, explicando que é necessário aguardar resultados de exames para saber o motivo de seu falecimento
A família se revoltou em frente ao IML Sul de São Paulo. Vanini Cristiane Siqueira, irmã do jovem, criticou o fato de não ter podido ver o corpo de Bruno. “Eu saio daqui inconformada. Por que não pude ver o corpo do meu irmão? Não estão deixando ninguém ver o corpo, só o rosto”, denunciou a irmã.
Para o perito consultado pela Ponte, o reconhecimento pelo rosto é praxe e é suficiente para identificar uma vítima. No entanto, cabe somente à família determinar se quer ou não ver o corpo inteiro da pessoa.
“Via de regra, a identificação acaba sendo pelo rosto, a não ser que tenha alguma dificuldade e precisa ver marca no corpo. Não sei dizer se há legislação, isso fica a critério da família. Imagino que o IML queira preservar e, se é suficiente pela face, seja menos traumatizante. Se quiser ver, tem direito”, explica.