Ação terminou com a prisão de um vereador por desacato e criou tensão entre PM e Guarda Civil. Horas antes, mesmo policial teria agredido verbalmente um PM da reserva
Dois vereadores de Goiânia e o assessor de um deles denunciam agressão e racismo em uma abordagem ocorrida na última sexta-feira (10/11), em Goiânia. Depois de mostrar os documentos a um soldado da Polícia Militar, o condutor do veículo com placa branca – que identifica carros oficiais – se preparava para sair quando o sargento Dorivan Jesus da Mata teria dito para não liberar “porque dentro do carro tinham dos neguinhos com olhos vermelhos”. Os dois vereadores, Vinícius Cirqueira (PROS), vice-presidente da Câmara Municipal de Goiânia, e Romário Policarpo (PTC), que é guarda municipal, e um PM, abordado horas antes, disseram à Ponte que foram vítimas de truculência.
Os vereadores e o motorista da Câmara iam a um evento quando passaram pela blitz, no Setor Sul, um bairro de classe média. “Escutei que ele disse que tinha ‘dois negrinhos com olhos vermelhos’ e que não era para deixar passar, que o carro tinha que ser todo revistado. Eu pedi para parar o carro”, disse Policarpo.
Cirqueira desceu e disse que fazia questão de que o carro fosse revistado, mas o sargento Jesus disse que “quem manda da blitz” era ele. Jesus, então, teria sacado a arma e colocado as a mãos de Cirqueira nas costas para algemá-lo.
“Ele perguntou se o motorista estava bêbado ou drogado. Desci e disse que, depois de ouvir aquilo, eu faria questão de o carro ser revistado. Falei para ele fazer bafômetro e me encostei na parte de trás do carro. Ele me mandou colocar a mão na cabeça, me chamando de malandro”, relata Vinicius Cirqueira.
Depois de mandar o vereador abrir as pernas, repetidas vezes, o parlamentar pede calma. “Que é isso, rapaz, que violência é essa?”, indagou Cirqueira, que foi algemado, como mostram imagens gravadas pelo vereador Policarpo. “O soldado contou para ele que éramos vereadores, e o Policarpo disse que ele estava fazendo aquilo, inclusive, com o vice-presidente da Câmara, que era eu”, disse. “Grande coisa”, disse o sargento.
Um dos PMs tentou tomar o celular do vereador, que caiu no chão. “Ele pega e tenta filmar de novo, mas foi tomado pelo sargento que me agredia. Enquanto isso, um policial afrouxava a algema e o sargento vinha e apertava de novo. Os colegas viam a truculência e tentavam amenizar, inclusive um tenente”, conta Ciqueira. Enquanto o vereador era levado para a viatura, o PM avança no celular de Policarpo.
Depois, o vereador foi levado ao Batalhão do Choque, quando deveria ter sido levado direto para a Central de Flagrantes.
“Fiquei quase 40 minutos no Batalhão, sendo agredido, xingado. O sargento saiu pelos fundos”, destaca Cirqueira. É que, quando souberam do que se passava, dezenas de viaturas da Guarda Municipal cercaram o Batalhão e, depois, a Central de Flagrantes, em solidariedade aos parlamentares. “Ele chegou na Central de Flagrantes me xingando, me caluniando. Ele me denunciou por resistência, desacato, desobediência”. Cirqueira teve de pagar R$3 mil de fiança.
“A pior coisa para uma pessoa”
Antes da detenção dos vereadores, os mesmos policiais teriam humilhado uma outra vítima: um PM da reserva. Consternado, depois de passar pelo que considerou “a pior coisa que uma pessoa pode ser submetida”, o sargento da reserva, Sergio Valença Nascimento disse à Ponte: “São 30 anos de PM, nunca pensei que poderia passar aquela vergonha, com a minha mulher ao lado. Tudo com um companheiro de farda”.
Ele ia ao banco por volta das 8h quando passou pelo bloqueio: “Quando ele [o sargento Jesus] viu que eu estava de chinelos, ao invés de me multar, me xingou. Me tratou com gritos. Chamado de burro, Valença não teve tempo de se identificar como PM, quando um tenente intercedeu: “Senhor, ele é sargento”. Ao que Jesus teria dado de ombros. “Falei para ele me multar e me liberar. Queria sair dali logo, já que estava com os olhos cheios de água. Eu pensei que ia apanhar. E ele me mandando calar a boca”, conta, afirmando que não pretende procurar a Corregedoria da PM para denunciar o ocorrido.
“Tenho 30 anos de PM, nunca dei trabalho aos meus comandantes. Sempre tratei com respeito. Tem bandido que me encontra e me cumprimenta. Sempre evitei que apanhassem e os bandidos reconhecem isso. Já fui parado na rua, identificado, sem arma”, relata Valença.
Em entrevista coletiva, o porta-voz da PM goiana, Marcelo Granja, informou que, “segundo o policial que lá estava, o vereador foi conduzido para cá [Central de Flagrantes] numa situação de resistência”. A quantidade de viaturas da GCM chamou a atenção e o porta-voz explicou que não se tratava de uma crise institucional. “Pelo que o policial [sargento Jesus] nos relatou às vezes acontece um caso de resistência, de desacato”, disse.
Sobre as denúncias de excessos, Granja destacou que, com as imagens em mãos, cabe às pessoas procurarem a Corregedoria. “Se aconteceu [racismo], o que não é procedimento da Polícia Militar, vai ser apurado. De acordo com a PM, o vereador foi levado para o Batalhão do Choque, pois houve ‘uma situação entre a polícia e a Guarda Civil”.
“Este sargento precisa pedir desculpas para o Comando da Polícia Militar do Estado de Goiás”, destacou, por telefone, no início da tarde de domingo (12/11), emocionado, o sargento Valença.