Vinte dias num grupo de WhatsApp dos apoiadores do Bolsonaro

    “Seria legal uma divisão do Exército para caçar comunistas e simpatizantes”


    Sexta-feira, 15 de abril, 1h da tarde. Jair Bolsonaro acena de dentro do Rolls-Royce de cerimônias usado para a posse dos presidentes brasileiros. O político do PSC veste a faixa presidencial sobre o terno preto e usa óculos Thug Life (aqueles que cobrem os olhos de quem supostamente acaba de “mitar” na internet). Sob a montagem, uma legenda sugere: “Se você acredita que isso se tornará realidade, deixe o seu amém”.

    Em poucos segundos, améns vindos de vários cantos do país tomam a tela. Emojis com mãos ao alto ou rezando, além de carinhas felizes com lágrimas e corações coloridos aparecem ao lado das exaltações religiosas.

    Criado em outubro de 2015, o grupo Direitas Já tem cerca de 170 membros de todas as regiões do Brasil. A maioria dos integrantes é jovem, na faixa dos 18 aos 30 anos. Entre os números que constam em sua lista de membros estão os de Eduardo Bolsonaro e de seu pai, Jair.

    Nenhum dos dois é ativo. Bolsonaro pai nada publica ou lê. Já o filho (ou sua equipe) às vezes joga vídeos contra o governo e a esquerda. Suas interações são recebidas com uma profusão de emojis de aplausos em apoio ao “Bolsokid”, como é carinhosamente apelidado pelos seguidores.

    Um dos mais participativos do fórum, o cearense Janderson Guerra, 22, define o Direitas Já como uma reunião de “jovens, estudantes universitários de direita, conservadores e cristãos”.

    Ascensão

    Um breve contexto para quem sabiamente se escondeu numa caverna nos últimos dias: Jair Messias Bolsonaro é, segundo o último Datafolha, o candidato favorito para a Presidência em 2018 entre os 5% mais ricos do país. Num quadro geral, fica com 8% das intenções de voto. Traduzindo numa conta rápida: pelo menos 11 milhões de brasileiros se interessam de alguma maneira pelas ideias dele.

    Disputando os holofotes com uma presidente apeada do poder, o tributo de Bolsonaro ao torturador Brilhante Ustra na Câmara no dia da votação do impeachment só fez crescer a fama do deputado e a de seu homenageado, inclusive internacionalmente. As páginas de ambos no Facebook engrossaram exponencialmente seu número de seguidores desde então.

    Direita opressora

    Descobri o Direitas Já por meio de uma página de Instagram com mesmo nome e mais de 17 mil seguidores. O perfil foi criado por um adolescente da Paraíba de 15 anos.

    “Antes, [a página] chamava Direita Opressora. O pessoal tinha receio de entrar, não gostavam muito do nome.” Sem sucesso no disputado universo dos sítios da direita que misturam noticiário político e memes, em janeiro deste ano o estudante paraibano mudou de grife — e, a partir daí, bombou.

    Suas postagens se diferenciavam das de outras páginas de extrema direita pela agressividade. Algumas imagens veiculadas no grupo –supostos criminosos com rostos desfigurados, por exemplo– são idênticas às das páginas de adoradores da Rota (batalhão da PM que mais mata em SP). A sensação era a de ter chegado à deep web da ultradireita brasileira, embora todas as publicações fossem abertas.

    Notei uma mobilização nos comentários das fotos que ia além do Instagram: um grupo de “wpp”, como diziam, referindo-se ao WhatsApp. Pedi para fazer parte e, depois de algumas tentativas sem resposta e várias semanas de espera, fui aceito. Isso sem nenhuma pergunta do administrador sobre o que eu fazia e quais eram minhas preferências políticas.

    Calhou de me incluírem na roda às vésperas da votação do impeachment na Câmara. Se antes eu era um mero observador, agora estava sentado na mesa do bar com a juventude bolsonarista.

    Lá dentro, fiz várias perguntas sem fingir ser um deles. Não só me identifiquei como jornalista como perguntei se gostariam de me dar entrevistas. Alguns membros e o próprio administrador da página toparam.

    Rotina

    Ficar uma hora longe do celular, a partir daí, significaria ter de 150 a 200 mensagens me esperando. O bate-papo começa todo dia com uma mesma mensagem, uma espécie de mantra enviado no final da madrugada por um usuário da Irlanda: “Bom dia a todos. Que apenas a mãe dos zé droguinhas chorem hoje”.

    A troca entre os ativistas pró-Bolsonaro não parou sequer durante o apagão de 25h do WhatsApp no Brasil (parte dos membros driblou o bloqueio navegando através de VPN).

    Apesar do alto volume de envios, raramente debates prosperam no Direitas Já. Boa parte do que se pretende discutir é resolvido na base do xingamento aos “esquerdalhas” ou com memes.

    Discordâncias mais profundas entre integrantes são raríssimas. Durante os vinte dias em que acompanhei o grupo, apenas um membro foi expulso ao criticar em termos pouco civilizados a ainda menos civilizada homenagem de Bolsonaro ao torturador Brilhante Ustra (o deputado “cagou pela boca”, nas palavras desse dissidente).

    Também há constantes sugestões de livros. Um dos mais comentados é Ditadura à brasileira, de Marco Antônio Villa. De acordo com o autor, “a obra busca desmistificar a ditadura brasileira, tanto em sua duração como em seus efeitos”. Nenhuma publicação, no entanto, foi tão sugerida nos últimos dias quanto A verdade sufocada, de Carlo Alberto Brilhante Ustra. Relançado em 2014, um ano antes da morte de torturador, o livro promete “A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça”.

    Não faltam desabafos quanto ao isolamento que vários participantes relatam sofrer em suas casas, trabalhos e universidades por apoiarem ideias ultraconservadoras.

    “É difícil porque quando eu toco no assunto o pessoal já sai criticando. Infelizmente estou praticamente só nesta batalha”, me escreveu o jovem criador do Direitas Já.

    Abaixo, destaco algumas conversas e trocas de memes que presenciei no grupo . São recortes do que me chamou atenção (ou não) nesses dias ao lado de apoiadores de Bolsonaro —ou Mito, como eles gostam de chamá-lo.

    COISAS QUE PROVAVELMENTE NÃO VÃO SURPREENDER NINGUÉM VINDAS DE UM GRUPO DE APOIADORES DO BOLSONARO

    1) Conversas rodam em torno de questões morais e de comportamento
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    2) Ódio por tudo que seja ou se pareça com a esquerda. E acredite: praticamente tudo é de esquerda num grupo de apoiadores do Bolsonaro
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    3) Não faltam memes e fotos de armas brancas, de fogo e munição

    4) Misoginia? Sim. Xenofobia? Sim. Homofobia? Sim. Preconceito com pobres? Sim

    5) Intervalo para idolatrar Bolsonaro e Brilhante Ustra

    6) O discurso religioso também é forte
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    7) Debates raramente prosperam; memes resolvem quase tudo

    8) Organização para atacar publicações e tirar do ar perfis adversários

    9) Defesa do Estado mínimo, com exceção do Exército

    10) Fuzilamento, trabalho escravo e tortura às vezes entram na pauta

    COISAS QUE NÃO DEIXAM DE SER UMA SURPRESA VINDAS DE UM GRUPO DE APOIADORES DO BOLSONARO

    1) São antimídia. Odeiam Globo, Record, William Bonner, Reinaldo Azevedo…

    Ainda assim, me deram entrevista.

    2) Há mulheres no grupo (umas 20). E muitos jovens.

    Aliás: Norte e Nordeste têm mais integrantes neste grupo do que Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

    3) A maioria está satisfeito com a chegada de Michel Temer (PMDB) à presidência
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    Às vezes, por motivos esdrúxulos.

    4) Pedem ajuda uns para os outros a fim de “ganhar discussões” na vida real
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    5) Vários se dizem solitários e discriminados em seus meios por suas posições conservadoras
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    6) Nem todos concordam quanto à homenagem de Bolsonaro ao Brilhante Ustra

    7) Cunha não preocupa tanto assim
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    8) Não há consenso sobre Donald Trump, candidato republicano à Casa Branca

    9) Esqueça Kim Katiguiri, Danilo Gentili ou Lobão. O verdadeiro líder intelectual da turma é o vlogueiro direitista Nando Moura
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    Seu canal já tem mais de meio milhão de seguidores.

    10) Sentem saudades do Clodovil

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