Violência durante votação de escolas militares é ‘reprodução da truculência da PM’, diz deputada

Seis manifestantes foram detidos nesta terça (21) ao protestar contra projeto na Assembleia Legislativa de São Paulo; eles foram soltos nesta quarta (22). Lei que permite escolas cívico-militares deve ter “resultado catastrófico”, afirma professora

Foram liberados nesta quarta-feira (22/5), os seis jovens detidos nesta terça-feira (21/5) durante manifestação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), após ação violenta da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Os jovens passaram a noite no 27ª DP (Campo Belo), zona sul da capital paulista, e passaram por audiência de custódia na manhã desta quarta-feira. Os jovens estão agora em liberdade provisória, e devem se apresentar mensalmente à justiça.

Os manifestantes foram detidos durante um protesto contra a votação do Projeto de Lei Complementar 09/2024, que permite a conversão de escolas públicas estaduais ao sistema cívico-militar, em que a administração e “disciplina” das instituições ficariam sob responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública.

PMs atacam manifestantes dentro da Assemnleia Legislativa de São Paulo nesta terça (21/5) | Foto: Geovana Oliveira / Liderança do PT

Parte dos jovens já havia estado no local na semana anterior, quando participaram de audiência pública para debater o projeto. Nesta terça (21), a presença deles foi repelida pela Polícia Militar, que destacou um grupo do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep). Estudantes apanharam com cassetete, foram empurrados por escudos de aço e PMs utilizaram spray de pimenta na ação. Os detidos relatam ainda terem apanhado de policiais, com chutes, em um local remoto dentro do plenário da casa.

A repressão da Polícia Militar ocorreu em duas frentes: aos manifestantes que estavam no plenário da casa, local destinado ao uso dos parlamentares, e na Sala de Espelhos, local que antecede a entrada do plenário – neste, o Baep se postou em fila e atacou quem passava tentando fugir da confusão, numa especia de “corredor polonês”. A truculência foi filmada por manifestantes e parlamentares.

Foram detidos Emmily Vitoria Gomes de Sá, Arthur Ryan de Melo, Sofia Biagioni Candido, Larissa Farias da Silva, Luiza Giovanna Martins Gonçalves e Matheus Café Santana. Além deles, dois adolescentes foram levados à delegacia e liberados ainda na noite de ontem.

Luiza Martins, 18, presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas, a Upes, e uma das jovens detidas, relatou à Ponte o que aconteceu. A jovem, que esteve presente em audiência pública sobre o tema de votação realizada na semana anterior na mesma casa legislativa, diz que o nível de policiamento era completamente diferente no dia da votação, e que o Baep já estava no local quando os manifestantes chegaram. A ideia, segundo ela, era ter a possibilidade de conversar com os parlamentares e tentar convencê-los a votar contra o PLC. As agressões começaram antes disso e só terminaram, segundo Luiza, quando os deputados estaduais Paulo Fiorilo (PT) e Mônica Seixas (PSOL) chegaram ao local e os policiais militares mudaram de postura.

Parlamentares de oposição criticaram a ação policial. Para Paula Nunes, codeputada da Bancada Feminista do PSOL na Alesp, o que foi visto “é uma reprodução da truculência da Polícia Militar do Estado de São Paulo que ocorre fora da Alesp”.

“Sempre existe um efetivo de guerra na Assembleia Legislativa quando existe algum projeto de lei para ser votado que é combatido pela oposição, como foi o caso do projeto da Sabesp e foi também o projeto das escolas cívico-militares. Isso é muito grave. Isso mostra que o governo do estado quer aprovar a qualquer custo, inclusive sob violência e detenções, os projetos de lei de sua vontade”, disse a parlamentar. O gabinete da deputada fez uma denúncia à Corregedoria da PM paulista e entrou com uma representação no Ministério Público do Estado de São Paulo para que a ação policial seja investigada.

Os oito jovens detidos foram levados à delegacia no interior do prédio da Alesp, e posteriormente encaminhados, com advogados de parlamentares, ao 27ª DP. “Nós pedimos para que os advogados disponíveis nos acompanhassem por medo do que poderia acontecer durante o trajeto”, relata Luiza, que diz ter havido ameaças por parte dos policiais enquanto os jovens eram levados, sozinhos, até a base móvel da Polícia Militar.

Os advogados que representam os jovens relataram à Ponte tensão na delegacia, com a delegada Samia Olivier M. de Oliveira se recusando a dar acesso, aos advogados, ao termo de declaração dos policiais militares. Um dos advogados presentes chegou a ser ameaçado de prisão por ela, relata um dos presentes.

Os defensores só tiveram acesso às acusações que incidiam sobre os jovens após acionarem a Comissão de Defesa das Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que garante os direitos dos advogados, e do delegado titular do DP ser chamado para o local. Os jovens, no entanto, prestaram depoimento sem saber do que eram acusados, afirma Luiza.

No boletim de ocorrência, obtido pela Ponte, os policiais militares relatam terem sido xingados, agredidos com arranhões e socos, e “jogados ao chão”. Os jovens e seus advogados contestam a versão, e Luíza aponta que os vídeos que circulam nas redes sociais “mostram claramente a força desproporcional entre um monte de estudantes e vários policiais armados e formados para isso”.

Os seis jovens detidos foram acusados de desacato, desobediência, corrupção de menores, associação criminosa e lesão corporal. A votação do PLC das escolas cívico-militares ocorreu após a retirada dos manifestantes do plenário, e o texto foi aprovado com 54 votos a favor e 21 contra.

Para Flavia Saiani, professora da rede pública, a chance do projeto “resultar em algo catastrófico é imensa”. Em conversa com a Ponte, a professora questiona qual é o preparo de policiais militares para lidar com o ensino de jovens: “adolescentes são afrontosos por natureza, muitas vezes eles nos respondem com agressividade acreditando estarem respondendo ‘normal’. Qual é o preparo para alguém que passou a vida dando enquadro, mandando os meninos responderem ‘não, senhor’, ‘sim, senhor’, para lidar com um adolescente que responder atravessado?”. 

A escola, ela argumenta, é o espaço do conflito e do diálogo, e pode ser o único local em que alunos encontrarão diferentes pontos de vista. “Qual é o espaço para diálogo em uma escola pautada na disciplina militar, que é basicamente não contestar as ordens?”, Saiani reflete.

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Outra questão levantada por quem acompanha o tema é o caráter voluntário da adoção ao novo regime escolar. Em teoria, o novo regime poderá ser adotado, ou não, pelas escolas estaduais que se interessarem. Há o receio, porém, de que na prática essa mudança seja “empurrada para todas as escolas”, explica Saiani, a exemplo do que aconteceu com o ensino em tempo integral. 

Luiza, presidente da Upes, também vislumbra essa possibilidade e argumenta que é necessário garantir mecanismos que permitam aos estudantes decidir o futuro da escola: “nós vamos acompanhar, porque se é optativo, a opinião dos estudantes, que é quem está todos os dias dentro da escola, precisa ser ouvida”.

O que dizem as autoridades

A reportagem questionou a Secretaria da Segurança Pública e a Assembleia Legislativa de São Paulo sobre a ação da PM desta terça-feira (21). A SSP respondeu por meio de nota que:

“Na tarde desta terça-feira (21), alguns manifestantes tentaram invadir o plenário Juscelino Kubitscheck da Assembleia Legislativa de São Paulo.  Os invasores foram contidos pela Polícia Militar e apresentados à Polícia Civil”.

Em nota, a Assembleia Legislativa de São Paulo afirmou que:

“Equipes da PM acompanhavam uma manifestação na tarde de terça-feira (21), na Alesp, para garantir a segurança dos participantes do ato e de pessoas no plenário, quando um grupo tentou invadir uma área restrita. Os policiais do Choque, que possuem a prerrogativa de atuação em aglomerações, estavam no local e intervieram. A PM analisa as imagens da ação e ressalta que sua Corregedoria está à disposição para oficializar e apurar qualquer denúncia. Vale esclarecer que a segurança da Alesp é realizada pela assessoria policial militar”.

Esta matéria foi atualizada em 23/05, às 14h10, para inserir as respostas da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e da Assembleia Legislativa de São Paulo.

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